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por Ricardo Orestes Forni

 

O medo de nós mesmos


Quando falamos sobre Santo Agostinho, que participou ativamente da falange do Espírito da Verdade na monumental obra de trazer à Humanidade as revelações da Doutrina dos Espíritos através do trabalho hercúleo de Allan Kardec, podemos ter a impressão de que Agostinho já veio pronto na reencarnação que o santificou segundo os conceitos da religião que serviu.

Entretanto, se consultarmos os dados da sua vida terrena no século I da Era Cristã, verificaremos que Agostinho era um jovem como os outros da sua época. Participava das aventuras normais àquela fase da humanidade. Foi casado e teve um filho que se chamou Adeodato.

Como, então, conseguiu melhorar-se a ponto de ser santificado? A resposta é dada por ele mesmo na questão de número 919 de O Livro Dos Espíritos. Para que o leitor não tenha o trabalho de folhear o livro para recordá-la, resumimos: Agostinho passava em revista o que fizera durante o seu dia e interrogava a si mesmo se não faltara a nenhum dever, se ninguém tinha nada a se lamentar dele. Foi dessa maneira que foi buscando o autoconhecimento e reformando tudo aquilo que a sua consciência recomendasse para sua melhora.

“Questionai, portanto, e perguntai-vos o que fizestes e com qual objetivo agistes em tal circunstância; se fizeste alguma coisa que censurais em outrem; se fizestes uma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai-vos ainda isto: se aprouvesse a Deus chamar neste momento, reentrando no mundo dos Espíritos, onde nada é oculto, eu teria o que temer diante de alguém? Examinai o que podeis ter feito contra Deus, contra vosso próximo, e enfim, contra vós mesmos.”

E por que não agimos da mesma maneira se sabemos que estamos na escola da Terra para evoluir?

Creio que Irmão José no livro Passo A Passo, capítulo Sempre à procura, psicografia de Baccelli, nos responde quando orienta o seguinte: “O homem evita o confronto consigo mesmo. Evita porque se desaprova. Não se aceita como é, mas não consegue mudar. Mudar é penoso; a renovação exige sacrifício”.

Temos medo desse confronto conosco mesmo. Medo de nós mesmos porque se formos corajosos e verdadeiros como foi Santo Agostinho, o que iremos encontrar não é nada bom. Além disso, não queremos mudar de vida, abrir mão dos prazeres e vantagens imediatas da vida terrena. E isso acontece porque, segundo Irmão José no mesmo capítulo mencionado, estamos tão ligados ao corpo que nos confundimos com ele. Perdemos a consciência de que somos Espíritos que temporariamente nos valemos de um corpo físico para frequentar a escola da Terra. Fugimos à realidade de que esse uniforme material se desgasta dia a dia caminhando para um fim inexorável que nos devolverá ao nosso verdadeiro mundo, à nossa verdadeira realidade. Quem duvidar dessa situação, basta olhar em fotografias espaçadas de cinco anos uma da outra e veremos a obra demolidora do tempo que nos encaminha para o fim.

Examinemos os acontecimentos antigos e recentes do mundo dos homens para constatar essa realidade. Os grandes conquistadores que se julgavam dono do planeta viram escoar pelas mãos o poder ilusório que detinham temporariamente. As grandes fortunas que foram barradas na alfândega do túmulo comprovam a mesma coisa. Os que ocuparam cargo de poder e foram visitados pela morte também são testemunhas dessa realidade da qual não se pode fugir.

Não temos a devida dose de coragem de Santo Agostinho. Nós nos satisfazemos embriagados pela recompensa imediata do mundo, preferindo ignorar como ela é tão rápida. A morte é uma realidade que só existe para os demais mortais. Para aquele que se chafurda nas recompensas do momento presente, jamais a indagação do Santo encontrará guarida na consciência quando indaga qual seria nossa situação se fôssemos chamados por Deus para partir nesse momento. Tremendamente diferente de Francisco de Assis que, cuidando de um pequeno jardim, recebeu a pergunta de um companheiro de ordem religiosa sobre que atitude ele teria se soubesse que iria morrer naquele mesmo dia. Francisco, demonstrando o estado de tranquilidade de sua consciência, respondeu apenas que continuaria cuidando do seu jardim!

Agarramo-nos aos valores do mundo atual como a criança segura firmemente com as mãos o brinquedo de sua preferência para que ninguém mais usufrua do mesmo.

Agarramo-nos à vida preferindo não lembrar que a morte a cada um de nós vigia ininterruptamente, apenas aguardando o instante determinado por Deus para que tenhamos que partir inapelavelmente.

Se temos medo de nós mesmos, a morte não enfrenta o mesmo problema, convocando-nos a partir no intransferível momento reservado a cada ser humano.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita