Artigos

por Arlene Paes Dias

 

Livre-arbítrio e evolução


Dois assuntos recorrentes e correlatos nas palestras dos Centros Espíritas são Reforma Íntima e Livre-arbítrio. A Reforma íntima, porque tem a ver com transformação das nossas predisposições íntimas, a fim de evoluirmos e nos moralizarmos, tornando-nos pessoas mais conscientes das razões pelas quais estamos neste planeta, descobrindo que a prática do amor nos aproxima mais de Deus e de Jesus. E o Livre-Arbítrio, porque é através de nosso aperfeiçoamento espiritual que o poder de decisão sobre as escolhas a serem feitas nos trará a nossa evolução moral.

No livro “As Leis Morais”, o autor Rodolfo Calligaris faz algumas considerações interessantes sobre o livre-arbítrio, no capítulo dedicado ao assunto, dizendo que “o livre-arbítrio é a faculdade que tem o indivíduo de determinar a sua própria conduta”, ou seja, escolher entre as possibilidades que se apresentam durante sua caminhada, para enfrentar seus desafios. Os outros autores assinalam que o livre-arbítrio é absoluto, que pensamentos, palavras e ações do ser humano são de sua inteira responsabilidade. Mas como vivemos em sociedade, relacionando-nos com muitas e diferentes pessoas, recebemos influências e constrangimentos que podem, em maior ou menor escala, cercear ou condicionar nossa liberdade.

Existem três correntes filosóficas que negam o livre-arbítrio: o fatalismo, o predestinacionismo e o determinismo. Os fatalistas acreditam que uma causa sobrenatural fixa todos os acontecimentos. Caso seja favorecido pela boa sorte, o ser humano se regozija. Atingido pela má sorte, resigna-se. Nada mais pode fazer. Os predestinacionistas acreditam na soberania da graça divina que, desde a eternidade, favorece algumas almas com uma vida de retidão, e estas serão recompensadas pela bem-aventurança celestial. Os que forem contemplados por uma vida reprovável serão condenados às penas eternas. De acordo com estas duas correntes, homens e mulheres são joguetes, que nada podem fazer contra a má sorte que os atinge. E Deus, um déspota injusto que, ao sabor de seus caprichos, distribui boa sorte ou desgraça aos humanos. Consciências esclarecidas não aceitam estas duas correntes. Os deterministas, por sua vez, acreditam que as ações e a conduta dos indivíduos não são livres, porque dependem de uma série de contingências, às quais eles não podem furtar-se, como costumes, caráter, índole da raça a que pertençam, o clima, o solo e o meio social em que vivem; a educação, os princípios religiosos e filosóficos e os exemplos que recebem, além da alimentação e as condições de saúde, tudo influenciando nas atitudes dos indivíduos.

Esses fatores realmente são importantes e podem pesar na maneira de pensar, sentir e agir de homens e mulheres. Tanto que há diferenças entre as pessoas que vivem em outros locais da Terra. Diferenças que se referem à conduta e à compleição física. Mas não é por isso que poderemos aceitar que somos governados completamente por esses fatores, ou seja, células orgânicas, impressões, condicionamentos e sanções do ambiente determinando nossa caminhada. Somos Espíritos Imortais, que viverão eternamente. Temos um corpo material para que possamos nos expressar durante nossa caminhada na Terra e para que possamos enfrentar todos os obstáculos que aparecerem e que são necessários à nossa evolução. E o Espírito é nossa força íntima e individual que nos permite escolhas, que nos ajuda nessa evolução.

Existe uma frase atribuída a Léon Denis, que diz que: ”A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem”. Em artigo publicado na revista virtual “O Consolador” no dia 31/11/2011, Paulo Neto escreveu que não encontrou essa frase na obra de Léon Denis, mas sim aquela que por ele foi escrita: “Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente: a partir daí o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as Leis Eternas”.¹

Escolhemos citar essa frase para mostrar que na Natureza nada surge pronto e acabado. Nada dá saltos. Tudo e todos evoluem lentamente. E esse é o processo mais condizente com o Deus que conhecemos e no qual acreditamos, soberanamente Justo, Bom e Misericordioso, que não privilegia nenhum de seus filhos, mas dá a todos a mesma oportunidade.

O Espírito começa sua caminhada como princípio espiritual, estagiando nas formas de vida mais simples da natureza. Nessa fase o progresso é quase compulsório. O princípio espiritual vai adquirindo atributos que serão necessários à sua evolução, até vir a tornar-se um Espírito. Nesse momento, o princípio espiritual recebe um corpo, passará a ser um Espírito e fazer parte do reino humano.

Na questão 132 de “O Livro dos Espíritos”, Kardec recebe como resposta que os Espíritos encarnam para evoluir, até atingir a perfeição possível a eles destinada. Para uns, isto é uma expiação, para outros uma missão. Mas, para isso, os Espíritos têm que enfrentar os obstáculos que vão surgindo durante sua caminhada. Quando são criados, os Espíritos são simples e ignorantes: não possuem ciência, nem conhecimento; não são bons, nem maus. Mas recebem de Deus dois atributos que aprenderão a usar, desenvolver e aperfeiçoar durante sua caminhada: a inteligência e o livre-arbítrio. No princípio, o homem era guiado por instintos, a fim de preservar-se dos perigos que o cercavam e para sobreviver.

À medida que prosseguia sua caminhada, o homem começava a descobrir sensações, inclusive percebendo o que era bom para si, e aquilo que não era tão agradável. Com essas percepções sendo sentidas, podemos dizer que o homem começava a fazer suas escolhas com racionalidade, ao invés de ater-se somente aos instintos. Através de suas escolhas e agora de suas percepções, o homem começava a desenvolver sua inteligência e sua racionalidade; sua inteligência, permitindo perceber as situações que serão enfrentadas, e seu livre-arbítrio, determinando a ação a ser tomada. E esse processo vai mostrando ao homem que suas escolhas geram consequências. E isso o leva a manter o que deu certo e a corrigir o que não deu. E caminhando, errando, corrigindo, acertando, foi evoluindo.

O ser humano é o autor do seu destino, como já foi dito. Sua evolução depende muito de si, mas temos um apoio importantíssimo, que nos fortalece quando necessário, consola quando precisamos e sempre nos dá forças para continuar. É o Evangelho de Jesus. Seus ensinamentos, narrados pelos seus apóstolos, sempre foram confirmados por Suas ações. Sempre respeitou o livre-arbítrio dos que com Ele conviveram, sem exigir comportamentos que eles ainda não estavam prontos para exercer.

Como diz o texto de Emmanuel (Seara dos Médiuns, lição 63), Jesus ensina sem formular exigências ou adesões; age discretamente, sem se colocar em evidência; renova e cura aqueles que o buscam, esperando que eles se transformem; não exige nada de ninguém, nem dos seus seguidores mais próximos; respeita a decisão de cada um, até quando essa decisão o prejudique.

O objetivo para a nossa evolução deve ser: estudar o Cristo, praticar Seus ensinamentos, a fim de exercermos nossas escolhas de forma mais eficiente, pois a transformação só ocorrerá se atingir o nosso íntimo.

“O apóstolo Paulo impele-nos à renovação pelo sentimento, à luz do Evangelho. Isso equivale a dizer que, para renovar-nos, em verdade, no modelo do Cristo, é necessário, acima de tudo, sentir os padrões do Cristo para pensar, observar, ouvir, ver e agir com acerto, na realização da tarefa que o Cristo nos reservou.” ²


Bibliografia
:

1)   Denis, Léon, O problema do ser, do destino e da dor, Rio de Janeiro, FEB, 1989.

2)   Emmanuel (Espírito). Palavras de Vida Eterna, psicografado por Francisco Cândido Xavier, 31ª ed., Uberaba. MG, Comunhão Espírita Cristã, 2013.

3)   Emmanuel (Espírito), Seara dos Médiuns, psicografado por Francisco Cândido Xavier, 16a ed., Rio de Janeiro, FEB, 2005.

4)   Kardec, Allan, O Livro dos Espíritos, 63ª Edição, São Paulo, LAKE, 2002.


  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita