Entrevista

por Wellington Balbo

Os desafios inerentes à administração de uma casa espírita

Edson Figueiredo (foto) nasceu no ano de 1957 em São Paulo (SP) e reside na capital até os dias atuais. Profissionalmente, é Administrador e trabalha na área de tecnologia e automação. É casado e pai de dois filhos. No campo espírita está como presidente do Grupo Espírita Manoel Bento, da cidade de São Paulo. Além de apresentar programa de rádio na Rádio Boa Nova, mantém um canal no YouTube e arruma tempo para proferir palestras e coordenar grupos de debates espíritas nas redes sociais. Para falar de suas experiências no campo espírita, ele, gentilmente, concedeu-nos a entrevista abaixo.

Como o Espiritismo entrou em sua vida?

Como boa arte dos espíritas um pouco mais antigos, confesso que foi pela dor. Em meados de 1984, quando eu tinha meus 27 anos de idade, passei por uns processos de enfermidade e descontroles físicos que, depois de muito tempo e muitas consultas em diferentes médicos, acabaram sendo “curados” no GEMB (Grupo Espírita Manoel Bento). Antes de chegar ao GEMB, porém, eu passei por uma consulta no candomblé e outra em uma benzedeira. Nestas consultas me disseram que meu problema não era físico, mas espiritual. Como não acreditava em nada disso, acabei deixando de lado e não dei sequência aos tratamentos sugeridos. Acontece que os sintomas físicos pioraram e acabei arriscando mais uma vez, só que desta vez cheguei ao GEMB e lá me tratei com 8 sessões de palestras e passes o que me equilibrou e eliminou boa parte dos sintomas e descontroles físicos. Nestas 8 sessões, ouvindo palestras doutrinarias acabei me interessando pelo estudo do Espiritismo e, depois de um ano já estava também atuando como voluntário no passe e também realizando pequenas palestras. Em 1987 comecei a participar da diretoria do GEMB como Tesoureiro e a partir de 1990 como Presidente.  

Quais são os principais desafios de quem está na presidência de um centro espírita numa cidade grande como São Paulo, pois, em seu caso, você está como presidente do Grupo Espírita Manoel Bento.

Na minha opinião os principais desafios são os de cativar e possibilitar o ingresso de novos participantes no “grupo de direção da casa”. Também o de manter a hegemonia, harmonia e equilíbrio, tanto físico quanto espiritual, num grupo que vem crescendo a cada ano (hoje são mais de 600 voluntários em diferentes áreas). Outro grande desafio é o de convencer os voluntários mais antigos a aceitarem os mais novos e vice versa, pois os mais antigos têm hábitos enraizados que herdaram de épocas em que não havia o estudo da doutrina, já os novos chegam cheios de ideias e energia depois de estudarem ao menos 5 anos. Essa integração não é fácil e requer das pessoas envolvidas uma boa dose de consciência, boa vontade, desprendimento, paciência, respeito a casa e a causa, preparo e treinamento. Outro grande desafio é preparar a casa para o futuro, adotando uma administração descentralizada e colegiada. Descentralizada dando autonomia de decisão aos diferentes diretores e colegiada nas decisões que envolvam as diretrizes principais e patrimoniais. Já se foi o tempo que uma casa espírita era administrada por um dirigente e seu guia espiritual. Num mundo globalizado não dá mais para administrar de forma centralizadora e egoica, em que o dirigente não pode ser questionado.  

Sabemos da complexidade que é administrar uma casa espírita com 600 voluntários e que vem crescendo a cada ano. Como vocês lidam com o tema financeiro, ou, melhor perguntando, como funciona o sistema de arrecadação de verba para que a Grupo Espírita Manoel Bento prossiga funcionando a todo vapor?

Realmente, administrar financeiramente uma casa espírita não é nada fácil, principalmente se considerarmos que não há o chamado “dizimo” tão explorado por outras instituições.  No caso do GEMB, ainda tem um agravante, pois que há muito deixamos de promover bingos e rifas e não ficamos promovendo petitórios constantes, a prova disso é que apesar de termos por volta de 600 voluntários e 1.164 alunos nos cursos, temos somente em torno de 300 sócios contribuintes mensais. Como fazemos, então? Primeiro temos um bom controle dos custos que, apesar de austero, não afeta nossas atividades diárias; também conseguimos distribuir nossas receitas mensais em alguns itens, a saber: mensalidades de associados; donativos espontâneos; arredamento de cantina e livraria; bazar permanente; pequenos eventos bimensais (chás, teatros, etc.) e dois grandes eventos anuais. Com isso conseguimos manter uma reserva de 3 meses.

Você tem visitado casas espíritas e realizado palestras, em face dessa atividade. O que tem percebido do movimento espírita nos centros visitados?

Tenho percebido justamente a falta de alguns pontos que coloquei acima. Ainda existem casas que são administradas no modelo “dirigente e guia” e outras que nem sequer adotaram o curso da doutrina espírita. Quando você não abre oportunidade para as pessoas estudarem elas se tornam dependentes e a dependência gera a idolatria. Há, porém, centros que já estão mudando sua forma de administrar e conduzir as questões espirituais, mas ainda são poucos, ao menos os que eu conheço.

O ECK (Espiritismo com Kardec) é um grupo bem movimentado na rede social Facebook. Fale-nos um pouco sobre o grupo e, diga-nos, por gentileza, se há planos para este grupo ir além das fronteiras da internet com encontros, congressos e demais atividades.

O ECK é um grupo que visa, acima de tudo, resgatar o Espiritismo original de Kardec nos moldes que ele adotou ao codificá-lo. As pessoas que administram o ECK, na sua maioria, são oriundos do MEB (Movimento Espírita Brasileiro) e aos poucos foram percebendo que o MEB se desvirtuou do modelo kardeciano ao adotar práticas e rituais que não foram abordados por Kardec e que requerem o CUEE (Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos) para sua validação. Na nossa visão, o MEB tornou-se assistencialista e não questionador o que torna a maioria de seus profitentes engessados e seguidores de médiuns e espíritos famosos, além de doutrinariamente religiosos ao extremo. Por “assistencialista”, peço que entendam tratar-se do atendimento aos espíritos perturbados que aportam as sessões mediúnicas (isso ao meu ver não é errado) porém, também faltam nas casas espíritas reuniões de estudo, em que se pode evocar e questionar os espíritos sobre assuntos da atualidade. O ECK pretende sim ir além das fronteiras da internet e já realizamos dois encontros presencias (um no ano passado e outro neste ano, ambos em SP). No dia 25 de janeiro realizamos o “LIPE SP 2020” (Livre Pensar Espírita) e estamos nos organizando para, ainda este ano, se der, realizarmos encontros semelhantes no RJ e no Nordeste. O modelo destes encontros é o do exposições curtas e debates livres sobre temas gerais da doutrina espírita.    

Faça-nos uma avaliação do encontro LIPE (Livre Pensar Espírita) dentro do modelo em que estabeleceram de pequenas exposições e debates livres sobre temas gerais. A adoção deste modelo foi por considerar que a palestra tradicional já está, digamos, “defasada”?

O LIPE foi um sucesso, mas não de público, pois são poucos os que possuem a capacidade de pensar por si mesmos e se tornarem questionadores, sem se sentirem culpados por isso. Tivemos a presença de 48 pessoas que puderam debater e questionar os painelistas livremente, além de expor suas próprias opiniões. Apesar de poucas pessoas presentes, o evento foi transmitido ao vivo pelo YouTube e Facebook e tivemos inclusive participação com perguntas do público on-line, neste caso podemos dizer que aproximadamente 200 pessoas, não presenciais, estavam acompanhando.  Todo o conteúdo do LIPE 2020 pode ser acessado através do canal do ECK no YouTube ou Facebook “Espiritismo com Kardec” ou na página da internet comkardec.net.  Na nossa opinião (do ECK) esse modelo tradicional de congresso onde há explanações de médiuns famosos e midiáticos não contribuem em nada para o “livre pensar espírita”, pois não é permitido questionar livremente os expositores. Neste caso, a opinião que prevalece é sempre individual do expositor em detrimento da coletividade pensante. Esse modelo é totalmente contrário as próprias ideias de Kardec quando expõe o seguinte pensamento: “(...) o livre pensamento eleva a dignidade do homem; dele faz um ser ativo, inteligente, em lugar de uma máquina de crer.” ( RE fev/1867). Estamos, na verdade, tentando “Desmistificar o Espiritismo” e ampliando a capacidade de percepção da doutrina através de pessoas estudiosas.

Você mantém um canal que fala sobre Espiritismo no YouTube. Quais temas costuma abordar?

No meu canal no YouTube eu possuo dois playlists diferentes, um chamado “Programas de TV”, onde eu posto vídeos mais curtos, em torno de 12 minutos em média, com participações minhas às sextas-feiras no programa “Manhã Boa Nova” da TV Mundo Maior e Rede Boa Nova de Rádio. O outro é chamado “Palestras” e ali eu publico mensalmente uma palestra com vídeos em torno de 60 minutos em média. Abordo temas da atualidade sob a ótica espírita, que fazem as pessoas repensarem suas vidas, tais como: “Dependência Afetiva”,  “Reforma Íntima sem Traumas”, Perdoar é um Ato de Inteligência”, “Antipatias Familiares”, “Aceitando Perdas”, Condenar ou Compreender”, “Porque do Preconceito”, “E se Eu Morrer Amanhã?”, etc. Também tenho palestras que visam ampliar o questionamento do conhecimento do Espiritismo, tais como: “Por que Médiuns Falham”, “Pureza Doutrinaria x Fanatismo Religioso”, “Allan Kardec – Um Homem à Frente de seu Tempo”, A Mediunidade na História”, “Estado de Coma e EQMs”, “Desmistificando o Umbral”, etc. A palestra “Desmistificando o Umbral” despertou grande interesse e já teve mais de 30.000 visualizações. Tenho também uma página no Facebook em que procuro abordar temas espíritas replicando meus vídeos do YouTube e publicando artigos, normalmente escritos a partir das palestras.

Por que você acha que a palestra “Desmistificando o Umbral” teve grande interesse do público?

Na minha opinião esta palestra, num primeiro momento, desperta a curiosidade pelo título “Desmistificando o Umbral”, e depois pelo conteúdo esclarecedor e questionador.  É comum pessoas que a assistem replicarem e indicarem para outras assistirem. Tenho recebido muitas mensagens de agradecimento e também algumas poucas de desagravo, mas estas são normalmente vindas de pessoas que não estão preparadas para questionarem seus mitos. Têm pessoas que se deixam levar pelo autor dos livros sem questionarem seu conteúdo, então, perdem uma tremenda oportunidade de se libertarem de crenças paralisantes de pecados e culpas punitivas. Nesta palestra eu uso outros livros do próprio autor espiritual André Luiz, mostrando algumas possíveis contradições na sua afirmação da existência do Umbral como um local circunscrito e voltado para a punição e sofrimento de pecadores. Muitas pessoas gostam porque se sentem aliviadas e representadas nas suas crenças contrárias a essas ideias puramente religiosas.

Comente um pouco sobre o seu programa na Rádio Boa Nova, fale-nos do horário e como nosso leitor faz para ter acesso ao programa, assim como em seu canal no YouTube.

Manhã Boa Nova é o nome do programa ao vivo que vai ao ar diariamente de segunda a sexta das 8h00 às 9h45. Este programa é interessante porque traz a ótica espírita para assuntos do cotidiano sob análise de diferentes comentaristas. A cada dia são dois comentaristas fixos e diferentes dos outros dias. No meu caso eu faço comentários às sextas-feiras juntamente com a Dayse Mansano.  O programa pode ser acessado pela rádio AM 1450, pelo Facebook (procurar por Manhã Boa Nova) e pelo YouTube da “TV Mundo Maior”.  O legal das transmissões ao vivo é que o ouvinte pode participar, opinando e perguntando, através do WhatsApp  (11) 9.96433827, pelo Facebook e pelo YouTube. Pessoas de todo o território Brasileiro assistem e participam e também têm participações de fora do país. É comum recebermos mensagens e perguntas de ouvintes que estão no Japão, Inglaterra, Holanda, Itália, Portugal e EUA. Para acessar meu canal no YouTube basta procurar por Edson Figueiredo. Por não ter um nome bombástico e chamativo o canal ainda não é muito conhecido, pois tem apenas 2.600 inscritos, mas é um público fiel e interessado, já que teve mais de 160.000 visualizações em dois anos de existência.

Suas palavras finais.

Quero aqui agradecer a oportunidade de expor minhas ideias e deixar claro que, apesar de “estar” como presidente do GEMB, não sou dono do mesmo. Isso faz com que nem tudo o que eu penso particularmente seja aplicado na instituição. Uma das coisas mais difíceis na liderança de qualquer projeto ou instituição é o de manter respeito às opiniões alheias e aceitar de forma positiva as decisões da maioria. Como já exposto anteriormente, num mundo globalizado como o nosso, o líder não pode ser impositivo e tem de fazer com que suas ideias sejam aceitas por ampla maioria. Somente assim, conquistando o respeito e a cumplicidade das pessoas é que se consegue manter uma instituição crescendo de forma equilibrada, apaziguada, alegre e pulsante. Ser transparente e estar aberto a ser questionado é a melhor contribuição que qualquer dirigente espírita pode dar à doutrina e à comunidade a qual está inserido. Outro fator importante é o de não atribuir aos Espíritos as decisões que envolvam as questões da administração, pois a responsabilidade física é dos encarnados. Infelizmente, esse é o grande erro de muitos dirigentes espíritas. Um abraço a todos!

 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita