Correio mediúnico

Espírito: Irmão X

Carta singular

 
Diante do irmão Licínio Mendonça, jazia a carta que ele assinara, em se comunicando com a genitora:

“Querida mãe: peço à senhora me abençoe.

Regressando da festa do seu lindo aniversário, depois de muito meditar, resolvi escrever-lhe. Setenta e oito anos, hein mamãe? Graças a Deus, temos a senhora conosco, firme como o jequitibá que vovó plantou à frente do moinho.

Apesar de querer mais um século para a senhora, na atual existência, rogo me perdoe se venho tratar aqui de um assunto sério.

É o problema do tempo e das boas obras, mamãe.

Conforme a senhora sabe, sou espírita, há mais de vinte anos, e penso muito na desencarnação. A senhora tem outra crença, mas, no fundo, procuramos o mesmo Cristo; não acha que devemos refletir, enquanto temos saúde e raciocínio, na distribuição correta dos bens que nos foram confiados?

Completarei cinquenta janeiros no mês que vem; contudo, meus planos estão prontos.

Formei quatro cafezais em minhas terras do Noroeste, que estão produzindo a contento; minhas chácaras de Itaim vão indo com excelentes lucros. Além disso, com as rendas dos meus apartamentos de São Paulo e de minhas casas em Campinas, organizei cinco lojas, que estão melhorando o meu patrimônio. Mas, a senhora julga que tenho apego a dinheiro? Absolutamente nenhum.

Desde que me tornei espírita, desejo fundar uma instituição beneficente que recolha velhinhos e crianças ao desamparo. Já tenho comigo vinte projetos diferentes para as construções; no entanto, preciso aumentar o capital. Não quero uma obra mambembe, dessas que andam por aí. Por outro lado, sou contra a vadiagem. Para velhos, mulheres e meninos que estendem a mão na rua, não dou um tostão. Esse negócio de repartir migalhas é fazer comida de passarinho e estimular a velhacaria. Necessitamos de estabelecimentos seguros. Nada de criar vagabundos e vigaristas, em nome da caridade. Nesse ponto, não cedo. Ainda agora, na semana passada, o Pinheiro me pediu uns cobres para certa mulher que tentou envenenar dois filhos e suicidar-se em seguida, a pretexto de fome. Não dei bola. Se ela quiser dinheiro, que vá trabalhar. Essa beneficência de teatro é coisa de esmola. Quero uma organização eficiente, que resolva os problemas, em vez de agravá-los.

Para o conjunto de edificações que pretendo levantar, já percebo o rendimento aproximado de quatro milhões e quinhentos mil cruzeiros por mês; entretanto, isso é pouco. É indispensável, pelo menos, duplicar essa quantia para começar.

Ultimamente, porém, mamãe, venho refletindo na situação da senhora. Desde que o papai desencarnou, desejo solicitar que a senhora auxilie o Espírito dele, com o serviço ao próximo. Com os juros dos depósitos bancários e com o produto das fazendas que ele deixou no Paraná, é possível fazer muito. Que a senhora não aceite o Espiritismo, vá lá! Mas a senhora é cristã e deve amparar as obras cristãs. Não convém deixar tanto dinheiro sem aplicação definida na assistência aos que sofrem. A senhora me desculpe, mas peço-lhe fazer, desde já, um testamento em favor das casas de caridade da sua simpatia. Mamãe, pense no Além!… Convença-se de que ninguém morre. No mundo espiritual, a pessoa responde pelas propriedades que ajunta. Faça uma visita aos institutos benemerentes, mamãe! Estude o que lhe proponho. Logo que puder, consulte o nosso advogado. Não deixe o assunto para depois. Urgência, mamãe!  A senhora, viúva, e eu também, temos grandes responsabilidades. Estamos sozinhos para administrar o que é nosso. De minha parte, acredito que, dentro de poucos anos, terei equacionado o problema de minha fundação. Somente me preocupa a atitude da senhora. Pondere, mamãe. Não quero dizer que a senhora está velha, mas é imperioso zelar por nossa tranquilidade de consciência, enquanto a memória anda boa.

Espero ir vê-la, na primeira oportunidade, a fim de conversarmos com mais segurança.

Muito carinho e um beijo na testa com todo o coração do seu filho.

Licínio”

 

*

Esta era a carta que ele acabara de escrever à mãezinha, quando a morte o surpreendeu numa crise de angina, sem que nos fosse possível auxiliá-lo a reacomodar-se no corpo irrecuperável.

Com tantos planos de serviço e com tantos recursos, Licínio, que soubera traçar considerações tão oportunas sobre a aplicação de finança e tempo, largara o veículo físico, na condição de espírita, sem que as instituições espíritas lhe conhecessem a existência. E, no dia seguinte, quando a veneranda senhora Mendonça chegou de automóvel para os funerais, encanecida mas empertigada, deu-nos a impressão de que ainda teria muito tempo na Terra, para viver forte e rija.

 

Do livro Contos desta e doutra vida, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita