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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Vencendo a teimosia


A teimosia é uma (inapropriada) característica humana facilmente observável. Praticamente onipresente, é geratriz de muitos dissabores e desavenças. Fala-se pouco sobre ela como causa de atraso do Espírito, mas, certamente, está entre as principais. O indivíduo teimoso tem a tendência de radicalizar em suas opiniões, deixando pouco ou nenhum espaço ao entendimento. Devido à sua peculiar maneira de enxergar as coisas, não deixa saídas ou portas para a construção de um consenso.

Recordo-me de uma pessoa muito querida que, infelizmente, não conseguia se acertar com a filha (confesso que conheci outros casos similares). Na verdade, eram aparentemente duas inimigas – algo comum no seio familiar terreno ainda – que reencarnaram para aparar as suas arestas. Mas a intransigência recíproca as impedia de superar as diferenças, não obstante o laço familiar. Dessa forma, a vida era-lhes um tormento, cheia de lamúrias de parte a parte e insatisfação mútua. Moravam no mesmo endereço, apesar de viverem em casas distintas, e, no entanto, faziam grande esforço para se suportarem.

Um dia conversando com a amiga (mãe) sobre as dificuldades de coexistência entre elas à luz da Doutrina Espírita, indaguei sobre o eventual fracasso da presente experiência, bem como a necessidade de retomá-la mais adiante em outra. Ponderei se não seria melhor alcançar a paz entre elas agora, já que a condição familiar favorecia isso. Para minha surpresa, ela admitiu que não se importava com tal possibilidade (importante frisar, a bem da verdade, que ela trabalhava no passe de determinada casa espírita).

Nesse caso, pelo menos, ficou evidenciado que a intensa teimosia da querida personagem a estava levando a reviver, numa outra existência, o curso da “tentativa de convivência pacífica”. Mesmo sabendo do eventual atraso – ou paralisação no processo evolutivo do Espírito como vislumbra a doutrina – que tal postura poderia lhe ocasionar, ela não dava mostras de real preocupação com o assunto.

Outros há que se acorrentam a uma opinião ou ponto de vista não abrindo margem a qualquer possibilidade de revisão. Veem-se, assim, como os únicos portadores da mais pura verdade na face da Terra. Além disso, dão a entender por meio das suas ações desconexas que a sabedoria humana é propriedade exclusiva deles... 

É o caso de determinado pastor do estado de Virgínia, EUA, outra vítima imprudente da covid-19. Sua maneira radical e insana de enxergar a pandemia, como obra maligna contrária às leis de Deus, o expôs mortalmente, já que não acatou as recomendações das autoridades de saúde do seu país para evitar as suas pregações religiosas públicas, pelo menos no período mais crítico.

Lamentavelmente, o teimoso não enxerga os perigos subjacentes da sua distorcida conduta e maneira de ver, pois os menospreza deliberadamente. Às vezes os trata até com certo desdém. Para ilustrar o raciocínio, nada melhor que lembrar as aglomerações de pessoas mostradas em cidades como o Rio de Janeiro, apesar dos avisos que reiteradamente temos recebido das autoridades de saúde sobre a importância do distanciamento social.

Seja como for, o teimoso não atina com a possibilidade de estar vendo apenas meia verdade, se tanto. Não cogita que pode haver outros elementos circundando os problemas não corretamente divisados por ele. Claro que o teimoso tende a ser igualmente orgulhoso, pois, ceder em sua opinião, soa-lhe como algo inaceitável.

É verdade que não devemos jamais transigir sobre certos temas como, por exemplo, a questão ética. Penso que flexibilizar a nossa conduta sobre coisas de cunho moral pode nos trazer, sem dúvida, grandes transtornos. Mas se temos o bem como diretriz de vida, não há muito com o que se preocupar, pelo menos nesse particular, já que provavelmente não seremos iludidos. Na verdade, todos nós abrigamos a teimosia em nossa personalidade em maior ou menor intensidade. Por isso, é preciso identificá-la e trabalhar para removê-la.

Podemos iniciar tal esforço aguçando a nossa capacidade de “olhar”. Saber olhar as coisas, fatos e eventos de maneira crítica nos ajuda a entender melhor o quadro geral à nossa volta. Desse modo, ao ampliar nossas possibilidades de visão e discernimento, poderemos, então, decidir adequadamente. Além disso, consideremos que os atos de ponderar, analisar, cotejar e verificar são providências essenciais para quem deseja efetivamente entender o que se passa. Portanto, diante das graves situações e ocorrências do cotidiano, usemos nossa inteligência e espiritualidade para nos indagar: há algo que não estou vendo? Estou vislumbrando todas as peças deste quebra-cabeça? Não estou sendo teimoso e inconsequente ao sustentar os meus pontos de vista?

 
 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita