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por José Lucas

 

Amanhã anda à rodaaa…


Há dias de sorte.

Estava sentado na esplanada, a ler a última edição do Jornal de Espiritismo (da ADEP), que acabaria por ficar “esquecido” na mesa, com o afã de divulgar o Espiritismo e também para o caso de ser útil a alguém. Um cauteleiro passou ao lado, cantando a sorte grande: “amanhã anda à rodaaaa…”, tentando vender as últimas cautelas da loteria nacional.

“Quanto custa?”, perguntei, a que se seguiu, no meio da esperança de vender, a resposta pronta: “10 €, mas pode ganhar muitos milhões…”.

Comprei uma fração e não liguei mais ao assunto, continuando a ler o jornal.

O sorteio era nessa 2ª feira à noite e, antes de me deitar, consultei na Internet, o resultado do mesmo: quase morria de susto, os números eram muito parecidos. Consultando melhor, tinha o 1º prêmio… não queria acreditar… voltei a ver, dígito a dígito… não havia como enganar: tinha ganho o 1º prêmio… yesss… quanta alegria naquele momento.

Com a mão trêmula, e ainda sem acreditar, a cautela premiada caiu-me da mão. Era a excitação do inusitado da situação. Estiquei o braço para apanhar a cautela e senti forte dor no cotovelo: tinha batido com o braço na mesinha de cabeceira!!!

Ora bolas, tinha sido um sonho, caramba, parecia tão real…

Não pude deixar de sorrir, antes de mergulhar, de novo, no vale dos lençóis, em busca de uma noite sossegada.

Ao acordar relembrei o sonho e, não sei por que, lembrei-me de muita gente que está à espera que lhe saia a loteria espiritual: a taluda da “transição planetária”.

Uns dizem que já andou à roda, outros dizem que vai andar à roda em 2020, outros em 2057, outros noutras datas. Coitado de quem comprou a cautela, em busca de um futuro melhor, sem esforço. Não é justo, nem sabem o dia em que vai andar à roda o tão desejado prêmio!

Os espíritas (e não só) por vezes veem as coisas de um ponto de vista místico, nada condizente com o que Allan Kardec deixou à Humanidade: uma fé raciocinada, que enfrente a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.

As leis de Deus (leis da Natureza) são intocáveis e independentes do acreditarmos nisto ou naquilo, do agirmos ou não em conformidade, das opiniões pessoais.

Sendo Espíritos imortais no concerto da Vida, sabemos que a evolução do Espírito é um imperativo, mas também sabemos que esse desiderato é mais ou menos rápido, de acordo com o livre-arbítrio de cada um. Nesse sentido, se o futuro a curto, médio e longo prazo depende das opções futuras do Homem, se esse Homem tem o livre-arbítrio de agir bem, agir mal, não agir, ninguém pode referir uma data para a transformação da Humanidade que os bons Espíritos preconizaram a Allan Kardec, para o 3º milênio. Curiosamente, os mesmos Espíritos ensinam em “O Livro dos Médiuns” que qualquer Espírito que afirme que tal situação vai acontecer na data X ou Y, esse Espírito não merece credibilidade, devido às condicionantes acima referidas.


A loteria da “transição planetária” faz com que muitos de nós “andem na Lua”, em vez de estarem na “Terra"


Olhando para a história da Humanidade vemos que a sua evolução é muito lenta, do ponto de vista ético-moral. Em 2.000 anos não conseguimos aprender o básico, que o grande psicoterapeuta da Humanidade, Jesus de Nazaré, ensinou: “não fazer ao próximo o que não desejamos para nós”. Se em 2 mil anos não conseguimos esse desiderato, como conseguir que o Espiritismo (que apareceu em 1857) brote de dentro de nós, se nem sequer o conseguimos entender na sua profundidade, tentando, pelo recuo evolutivo, transformá-lo em mais uma religião, ao arrepio do que Kardec deixou à Humanidade?

Uma leitura atenta à “Revista Espírita” de Allan Kardec, ano 9, nº 10, Outubro de 1866, faz-nos ver que aquilo a que misticamente chamamos “transição planetária” não é bem assim como pensamos e queremos: uma “cautela de loteria” que vai sair a uns felizardos.

Se é certo que pela reencarnação novos Espíritos virão ajudar a Terra na sua evolução, se é certo que a evolução é um imperativo do Espírito, se é certo que Deus tem mecanismos que nem cogitamos, para auxiliar a Humanidade, manda o bom senso que olhemos à nossa volta: temos um condomínio de luxo na Terra (o Ocidente “civilizado”) e temos milhões de irmãos nossos em estados de profunda miséria, pelo globo todo, que estão na Terra com o mesmo propósito (evoluir intelectual e moralmente) que nós, bem como que perante Deus não há seres privilegiados.

J. Gomes (escritor, jornalista) fez pedagógica palestra, “A evolução mede-se em… milhões de anos”, no aniversário do Centro de Cultura Espírita, nas Caldas da Rainha, Portugal, em 17 de Janeiro de 2020, onde podemos encontrar uma visão lúcida e invulgar acerca do assunto.

José Raul Teixeira (doutor em Física, espírita, médium), numa das suas muitas palestras, referia com sensatez que o 3º milênio tem 1.000 anos e que, em mil anos, podemos reencarnar várias vezes na Terra.

Talvez fosse bom pensarmos um pouco na história inicial deste texto, não vá um dia… acordarmos e vermos que, afinal, tudo aquilo em que acreditávamos ser possível, “evolução sem esforço”, não passou de um sonho…

O melhor é mesmo cada um melhorar-se por dentro, passo a passo, dia a dia, seguir adiante, exemplificar fraternidade, amizade, tolerância, fazendo ao próximo o que gostaríamos que nos fizesse, deixando o resto nas mãos de Deus!


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita