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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Culto a bobagens


Gilberto Dimenstein, 63 anos, jornalista conceituado, veio a público pela primeira vez após iniciar-se no tratamento de grave câncer de pâncreas com metástases ao fígado, dizendo:

 

Aquele Gilberto Dimenstein de antes do câncer morreucâncer é algo que não desejo para ninguém, mas desejo para todos a profundidade que você ganha ao se deparar com o limite da vida. Não queria ter ido embora sem essa experiência, pois grande parte da minha vida foi marcada pelo culto a bobagens.

É como se eu estivesse passando por um lugar lindo em um trem em alta velocidade: vendo tudo borrado. Com o câncer começaram a aparecer coisas incríveis, as relações emocionais se sofisticam – só agora descobri a profundidade da relação homem/mulher; a pessoa do seu lado o tempo todo. Não conhecia essa cumplicidade nesse nível. Nós vivemos nos meios digitais a era da indelicadeza, 500 mil pessoas criticando. Eu acabei entrando no mundo das gentilezas. Cada pessoa tem uma palavra, um chá, uma oração, um olhar gentil. O outro mundo vai ficando ridículo![i]

 

A experiência da doença severa, da dor e da proximidade da morte ativa em nós pensamentos diferentes sobre a vida e nos sensibiliza para uma visão diferente das coisas. Bom seria se essas visões diferentes do habitual se instalassem independentemente da dor. Jesus propôs isso e grande parte de seus ensinamentos tinha como foco direcionarmos nossos desejos e nossas perspectivas para o belo, o bom, o justo, o solidário, o sadio, o ético: “Buscai primeiro o reino de Deus...”[ii]

Simone Weil, a filósofa cristã francesa, dizia que nós sofremos certa deformação decorrente de nossa vida na atmosfera da sociedade contemporânea, e até nossas aspirações em prol de uma sociedade melhor trazem a sua marca. Nossa sociedade está atacada de uma mania única: a monomania da contabilidade. Para ela nada tem valor se não pode ser registrado em francos e centavos, onde as coisas representam o papel dos homens e os homens representam o papel de coisas. Segundo Simone, o mal essencial da humanidade é a substituição dos fins pelos meios. Considerava os fins como a vida humana em sua plenitude, ou seja, o ser espiritual e os meios como os recursos que permitem ao indivíduo desenvolver a sua espiritualidade: o comer, o beber, o fazer sexo, comprar o necessário à sobrevivência, possuir o essencial à vida etc. Segundo essa filósofa é essa inversão da relação entre o meio e o fim, essa loucura fundamental, que explica tudo o que há de insensato e triste no curso da história.[iii]

Revivendo Jesus, o Espiritismo nos convoca a examinarmos atentamente o que temos cultuado em nossa vida.  Bobagens? Tolices? Futilidades? Inconsequências? Excessos? Aguardar o câncer, o sofrimento atroz ou perdas doídas para ativarmos atitudes de vida saudável e produtiva é desnecessário. Podemos fazer isso agora!


 

[i] Folha de São Paulo, 31/12/19.

[ii] Mateus, 6:33.

[iii] Simone Weil – A condição operária e outros estudos sobre a opressão - Ecléa Bosi.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita