Especial

por Leonardo Marmo Moreira

A Política e o Espiritismo

Atualmente, o movimento espírita está vivendo um momento de grande agitação. Destacaremos neste artigo uma das polêmicas que vêm atraindo a atenção de numerosos confrades, que consiste na chamada “questão política”. As “discussões político-partidárias”, que se saiba, nunca estiveram na pauta de discussões doutrinárias, pelo menos não da maneira como vem acontecendo no movimento espírita brasileiro nos últimos tempos. Surpreendentemente, a discussão sobre a orientação política de confrades, setores ou até mesmo da Doutrina Espírita propriamente considerada passou a ser considerada como relevante “item da pauta” de significativa parcela do movimento atual.

Alguns articulistas espíritas chegam a propor ou, pelo menos, divulgar expressões que denotam orientação política explícita e diretamente relacionada ao momento político brasileiro, tais como “espíritas de esquerda”, “médium de direita”, “espíritas progressistas”, “espíritas conservadores” etc.

Se considerarmos o momento de profunda rivalidade (para não dizer ódio) política que viceja no Brasil, constataremos a inconveniência de contaminar debates doutrinários com temas da política partidária brasileira.

Poderíamos citar as belas reflexões de José Raul Teixeira em conferências como “O Centro Espírita e a dinâmica do Amor” e a COMEERJ de 1994, entre outras, quando o notável orador e médium de Niterói refletia sobre o debate político, abrangendo temas como a reforma agrária, que já àquela época ameaçava permear o movimento espírita: “Questões relevantes, sim, mas que não são da alçada do Espiritismo”.

Será que o Espiritismo, tanto entendido como doutrina, como enquanto movimento, não tem problemas e questões mais urgentes para tratar?

Se o Espiritismo deixar de priorizar a discussão sobre passes, água magnetizada, tratamento espiritual, obsessão, mediunidade, imortalidade da alma, comprovações da imortalidade da alma, transformação moral do Espírito imortal, emancipação da alma, perispírito, reencarnação, sofrimentos físico e moral, comprovações da reencarnação, Lei de Progresso, Deus, Mundo Espiritual, Universalidade do Ensino dos Espíritos, Evangelho à luz da Doutrina Espírita, entre diversos outros itens, alguma outra doutrina vai discutir essas questões com um mínimo de qualidade? E, por outro lado, nós queremos abrir mão dessa tarefa precípua dos espiritistas?

Se dirigentes e expositores espíritas deixarem de enfatizar a discussão sobre a qualidade de palestras espíritas, grupos de estudos, livros publicados mediúnicos e não mediúnicos, eventos espíritas, reuniões mediúnicas, trabalho de passes, gratuidade do trabalho religioso, averiguação da legitimidade mediúnica, entre diversos outros tópicos, algum outro movimento desenvolverá tal tarefa?

Tanto as questões propriamente doutrinárias como as questões organizacionais do nosso movimento estão carentes de um maior empenho, objetivando uma melhor qualidade em suas manifestações. Será que trazer o debate/embate político-partidário, muitas vezes de qualidade muito baixa e comportamento infeliz, que permeia toda a nossa sociedade, para o ambiente de trabalho espiritista não constitui um desserviço à causa espírita?

Objetivando encontrar algumas respostas ou, ao menos, indícios de respostas, poderíamos recorrer às nossas referências máximas: Jesus de Nazaré e Allan Kardec.

Seria o caso de questionar: Jesus fundou um partido político? Posicionou-se, de forma explícita, em relação à política de sua época, gastando um tempo excessivo e tornando a questão política central em suas diretrizes?

Nos dias atuais, alguns espíritas poderão, infelizmente, responder que sim, mas acredito que a maioria, coerentemente, responderia que não. De fato, para Jesus era muito difícil fazer-se entender em função de nossas limitações naquele tempo. Nesse contexto, Jesus não queria ser interpretado como um político, o que não era escopo fácil de ser atingido, uma vez que, naquele período, os religiosos estavam totalmente associados aos políticos. Ainda assim, o Mestre de Nazaré fez um esforço notável para deixar claro que “o Seu Reino não era desse mundo” e que Ele não era e não queria ser interpretado como um político comum.

Seria coerente e razoável afirmar que “Jesus era de direita” ou “Jesus era de esquerda”? E seria produtivo esse tipo de análise? Por mais incrível que isso possa parecer, alguns confrades parecem estar inclinados a esse tipo de discussão.

Jesus, proponente do “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, elucidou o mínimo necessário em relação à postura ética ideal para um cidadão que respeita o estado, as leis vigentes e as autoridades. Nada mais.

Aliás, um dos principais problemas que o Mestre de Nazaré enfrentou foi justamente deixar claro, e se fazer entender pelo menos pelos Apóstolos e discípulos mais próximos, que Ele não era um “revolucionário ou político comum”, e não tinha aspirações relacionadas a quaisquer cargos ou situações de atribuição política. Além disso, enfatizou que não buscava mais dinheiro, poder temporal ou facilidades para exercer seu ministério e conclamava seus seguidores para que não ficassem com tais expectativas.

Da parte dos discípulos e seus contemporâneos, foi muito difícil a compreensão dessa proposta e alguns tentaram usar, indevidamente, o Mestre para fins políticos, contribuindo, até mesmo, para a sua prisão, julgamento e condenação.

Surpreendentemente, para vários grupos religiosos cristãos, essa proposta do Mestre Jesus continua incompreendida até agora. Essa questão não era um problema no movimento espírita, pelo menos até bem pouco tempo, mas alguns estão tentando mudar isso. Resta questionar: será uma mudança para melhor?

Kardec, por sua vez, foi aconselhado pelos Espíritos da falange de “O Espírito da Verdade” a não processar o bispo Dom Palau pelo chamado “auto-de-fé de Barcelona” e a consequente perda de aproximadamente 300 livros espíritas. O processo em questão não seria uma atitude propriamente política, mas poderia, e provavelmente geraria, profundas implicações políticas (possivelmente afetando até mesmo a mentalidade dos confrades espíritas) e um embate no qual o Codificador gastaria tempo, trabalho, dinheiro, energia, esforço intelectual e sua já frágil saúde em algo que não era prioritário. Segundo os Espíritos, que ele, Kardec, gastasse tudo isso na elucidação doutrinária. E foi o que Allan Kardec fez até a sua desencarnação.

Será que Kardec e/ou a falange do Espírito de Verdade ter-se-iam equivocado em suas prioridades?

Ademais, Kardec alertou os espíritas para que não levassem o movimento para as questões irritantes, tais como a política. Teria errado novamente o Codificador?

Alguns podem alegar que certos posicionamentos não políticos não deixam de ser atitudes políticas. Até certo ponto, isso é verdade. No entanto, usualmente, tal argumento é empregado falaciosamente para nivelar todas as atitudes desse tipo com comportamentos exagerados, panfletários e até mesmo fanáticos de política partidária.

O Espiritismo já é um movimento excessivamente fracionado sem entrar de cabeça nesses debates acalorados de política circunstancial de nosso país. O curioso é que alguns promovedores dessa “nova divisão” (a inédita divisão política) de nosso movimento apoiam os movimentos de “união e/ou unificação” do movimento espírita brasileiro. Será que tal iniciativa ajudará a alcançar esse objetivo?

O espírita, individualmente considerado, enquanto cidadão, tem o direito de votar, de ser votado e de não ser votado, segundo seu livre-arbítrio. E temos esperança de que a eventual participação mais efetiva de algum espírita na política seja positiva. Daí, dividir o nosso movimento em “espíritas de esquerda” e “espíritas de direita” é outra coisa, completamente diferente. Realmente, um espírita consciente querer posicionar e fragmentar o movimento como um todo com uma orientação político-partidária, dentro da caótica situação partidária brasileira, é algo de difícil assimilação.

Alguns alegam que Allan Kardec identificou vários tipos de espíritas e até mesmo de Espiritismo. Todavia, o fato de haver identificado tais grupos não significa que Kardec tenha fomentado ou estimulado a formação deles. Muito pelo contrário, diversas passagens da obra kardequiana demonstram o esforço que o Codificador fazia para que as mais diversas questões fossem muito bem esclarecidas a fim de que o movimento espírita do seu tempo e do futuro tivesse o máximo de unidade. A propósito, no texto denominado “Meu Sucessor” (vide “Obras Póstumas”), o Espírito comunicante esclarece que era realmente importante que a obra nascente ficasse concentrada nas mãos de um único homem, isto é, Allan Kardec, para que a Doutrina tivesse o máximo de unidade e coerência. Vale acrescentar que as identificações de correntes registradas por Kardec de maneira alguma enfatizam aspectos ideológicos de âmbito político.

Em meio ao ódio político, marcado por variados matizes de insensatez e potencializado pelo advento das mídias sociais, trazer essa discussão para dentro do movimento espírita gerará algum benefício efetivo na lucidez das criaturas que justifique os evidentes riscos de tais iniciativas?

Será que o Espiritismo acabará como outros grupos religiosos criando “partidos políticos espíritas” ou até mesmo “bancadas espíritas” no Congresso? E se isso acontecer, teremos a “bancada espírita de esquerda” e a “bancada espírita de direita”? E, por fim, isso ajudará à compreensão e à prática do Evangelho e da Doutrina Espírita?

Lembremo-nos de Paulo: “Tudo me é lícito. Nem tudo me convém”. E rememoremos também de “O Evangelho segundo o Espiritismo: “Na dúvida, abstém-te”. Evitemos, portanto, que nosso entusiasmo político-partidário pessoal contamine nosso trabalho doutrinário com assuntos que, no mínimo, não são prioritários para a divulgação doutrinária de qualidade, que, segundo Emmanuel, “é a maior caridade que podemos fazer pela Doutrina Espírita”.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita