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por Cláudio Bueno da Silva

 

As opiniões do mundo


É o acadêmico Humberto de Campos quem conta este apólogo*. Aqui, eu apenas o reconto com minhas palavras.

Foi pelo ano de 1427, mais precisamente nos primeiros dias do mês de setembro. Nesse período, Francisco, o poverello de Assis, era docemente lembrado pelos devotos que comemoravam a data do seu nascimento.

Havia em Sena, na Itália, um franciscano, senhor respeitável que mais tarde seria chamado pela igreja católica de São Bernardino de Sena, que participava ativamente dessas homenagens. Tomando de um púlpito improvisado, pregava às pequenas multidões lições morais graciosas e cheias de verdade.

Assim fazia durante muitos dias, renovando sempre os assuntos e dando às prédicas cores vivas e ares de muito interesse.

Numa dessas pitorescas reuniões, São Bernardino contou a seguinte parábola: “Certo monge, por ter acumulado vasta experiência do mundo, entendia ser impossível viver na Terra de modo a contentar a todos.

Pensando em dar um ensinamento moral sobre essa questão ao menino que o auxiliava nos serviços religiosos, pediu-lhe que trouxesse o burrico que os servia, pois partiriam em viagem. Subiu no animal, sendo puxado pelo auxiliar que ia a pé. Logo à frente, deram com um lamaçal. Ao verem a pequena comitiva, alguns passantes comentaram com ironia: – Que frade espertalhão! Vai bem montado, enquanto o menino amassa a lama.

Ouvindo os comentários, o velho monge trocou de lugar com o aprendiz e passou, ele, a puxar o burrico. Mais um trecho, e outro lamaçal se apresenta. Um transeunte, ao ver a cena, se mostra indignado: – Este frade perdeu a razão? É velho, é o dono do burro, e vai a pé. O menino não se importaria com a lama, no entanto, está protegido!

Ante às observações bizarras, o monge decidiu continuar a viagem ao lado do auxiliar, e subiu também para o burro. Não tinham avançado muito, quando ouviram novas exclamações: – Vejam só! Dois em cima de um burrico fraco. Querem matar o infeliz animal!

O frade resolveu fazer diferente. Pulou do burro junto com o menino e a pé seguiram, puxando o animal pelo cabresto. Mais alguns passos, e são surpreendidos pelas risadas de alguns viajantes que não se conformaram ao ver a dupla patinhando no barro e o burro livre.

Dando-se por satisfeito, o velho monge parou, deu meia-volta e determinou o retorno ao convento. Ali, chamou o aprendiz e perguntou: – Viste, meu filho, o que nos aconteceu nessa curta viagem? Como o jovem titubeasse na resposta, o monge esclareceu: – Reparaste que, por mais que fizéssemos para contentar aos que nos censuravam, havia sempre quem achasse que estávamos em erro? Anote então, filho, o recado que a experiência nos traz: qualquer que seja o bem que façamos nesse mundo, e apesar dos esforços para realizá-lo, não evitaremos que se diga mal de nós. Resta-nos zombar do mundo, meu filho, sem nenhuma esperança de nos pôr de acordo com ele”.

Com essas palavras, São Bernardino finalizou o apólogo, desceu do púlpito e saiu caminhando por entre o povo simples.


***


A Doutrina Espírita endossa as lições desse monge, que conhecemos através da narrativa de Humberto de Campos. Fazer o bem pelo bem é um dever da consciência livre e responsável. E fazê-lo despreocupado das opiniões do mundo que, em verdade, não são capazes de atender às reais necessidades do Espírito imortal.


* Humberto de Campos, em Lagartas e Libélulas, “O Sermão de São Bernardino”, 1933.

 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita