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por Valéria de Oliveira Xavier da Silva

 

Encontro ou colisão?


Podemos dizer que nossas vidas diariamente se encontram. Mas também podemos dizer que, em muitas situações, se colidem. O que irá situar em uma ou em outra situação, sempre será o que fazemos com o que nos acontece, após cada uma das aproximações experimentadas. Minhas reflexões foram geradas após a leitura da reportagem no site Aleteia sobre uma cena comum de atropelamento que teve um final completamente incomum. O ocorrido foi em Manaus, onde um senhor idoso em seu carro atropelou um motoqueiro. Ladislau, uma terceira pessoa, que a tudo assistia e gravava com seu celular, contou que quando o idoso percebeu que com o impacto tinha jogado ao chão o rapaz, saiu do carro com as mãos na cabeça, em estado de plena agonia. A testemunha também relatou, na reportagem, que imaginou que a ação seguinte da vítima fosse de maltratar, xingar o causador do acidente. Mas algo maravilhosamente inusitado aconteceu: o atropelado se levantou e imediatamente foi ao encontro do atropelador, para lhe confortar e abraçar. O idoso chorou copiosamente nos braços do jovem, que lhe desculpou a falha por completo. A vítima do acidente quando interpelada por Ladislau, em lágrimas lhe explicou que tinha perdido o pai com 8 anos, e que dava muito valor às pessoas com mais idade. Ladislau também chorou pois sentiu a verdade existente nas palavras do rapaz. E foi assim que, em poucos segundos, em meio à fumaça de escapamentos, buzinas e olhares que olham, mas não veem, que o perdão se fez, em sua mais requintada forma: o perdão no qual o acusado busca o acusador, para lhe ofertar paz. Não foram conhecidos os nomes nem da vítima nem do atropelador. Mas eu pergunto: Isso consegue diminuir o esplendor do ato de perdão que aconteceu? De forma alguma.  É centelha divina, que brilha ainda com mais autonomia, devido ao anonimato de seus atores.

Fazendo um paralelo com os comentários sobre os primeiros  momentos de Jesus após o Calvário, presentes nas obras Boa Nova e Crônicas do Além-túmulo, ambos ditados pelo Espírito de Humberto de Campos e psicografados pelas mãos de amor de Francisco Cândido Xavier, vemos que Jesus se dirigiu imediatamente até as zonas abismais aonde Judas se encontrava, após ter se enforcado. Jesus, como está relatado no livro de Maria Dolores, Coração e Vida, na mensagem Amor e Perdão, sente Judas como seu amigo, apesar de tudo que este veio a lhe causar. No livro, consta a seguinte passagem: “Fui à sombra abismal para a grande procura. E ao reencontrá-lo  estava amargurado e louco, a ponto de não mais me conhecer. Demorei-me a afagá-lo, a pouco e pouco, conseguir que ele enfim pudesse adormecer. Senhor – interrogou Madalena – Quem é o amigo que te fez descer antes de procurar a Luz do Pai? Mas Jesus replicou em voz clara e serena: Maria, um amigo não esquece a dor do outro amigo que cai. Antes de me altear à celeste alegria, ao sol do mesmo amor a Deus em que te enlevas, vali-me após a cruz, das grandes horas mudas, e desci para as trevas, a fim de aliviar a imensa dor de Judas”. Essa passagem demonstra o amor pleno de misericórdia do Mestre Nazareno.

Quantos de nós já temos esse amor-perdão, que não se resguarda em dor, mas que se atira cheio de alegria e esperança sincera em ajudar quem o feriu? Muito, muito poucos. Porque ainda nos vitimizamos como medida de proteção. Sem a vitimização, temos receio de nos vermos desamparados. Isso, claro, trata-se de uma inverdade que criamos para nós mesmos, pois nunca estamos desamparados do amor do Criador, em qualquer circunstância da vida. Por isso que a cena acontecida em Manaus, ganha tanta relevância. É uma joia de fé, que quer nos recordar sobre o fato de que a brasa do amor está viva dentro de nossos corações, pulsante, pronta para acender e nos fazer ascender. “O espírito, na verdade, está pronto. Mas a carne é fraca”, já nos dizia o apóstolo Mateus (Mt, 26: 41). Leva-nos a meditar sobre a importância de vigiarmos e orarmos a fim de nos mantermos em alerta para o que a vida nos pede quanto aos bons sentimentos. E olhe que, neste texto, nós não estamos nem comentando sobre alguma dívida cármica que porventura possa ter sido resolvida ali naquele acidente de trânsito. Se levantássemos esse véu, com certeza daria um novo artigo. Estamos buscando concentrar nossa atenção no fato de que Cristo pede que estejamos vigilantes a todas as situações diárias de nossos cotidianos, a fim de evitarmos as colisões que somente nos trazem dissabores e desafetos para a existência. Ele pede que nossas vidas se perfaçam em encontros de amor, independente do que recebamos do outro. Jesus nos deu exemplo disso ao buscar o encontro de Sua alma com a de Judas, que tinha acabado de o trair. De uma colisão entre corpos de Manaus, surgiu um dos encontros mais lindos que pudemos testemunhar. O Cristo pede incessantemente a nossa intervenção transformadora para outra melhor realidade. Muito mais do que só transformar o limão recebido em limonada, a ideia cristã nos impele a partilhá-la com todos, em abundância! Daí surge o sentimento de completa fraternidade por quem nos oferta o limão, entendendo a situação como oportunidade redentora, eliminando a nossa fixação instintiva de só observar o que nos sucede de ruim pelo seu amargor. Pois foi apenas após aquele encontro é que nos tornamos melhores do que éramos. E isso nos fará felizes. Reflitamos sobre isso. Porque isso tem implicações diretas sobre nosso futuro. O que estamos produzindo como herança de nossos encontros uns com os outros para o mundo? Como podemos pensar que o orbe conseguirá adentrar a paragens regeneradoras de paz, de desprendimento do que nos torna tão egoístas e orgulhosos, se individualmente continuarmos aguardando que o outro faça a parte dele para, com muito custo, darmos um lânguido e diminuto passo em sua direção?

Jesus, o divino Rabi, aguarda nossa vontade resoluta de irmos a tudo o que ainda nos detém o caminhar, balizados na fé pura em Deus. A convicção íntima de que quando perdoamos o ofensor, quando escolhemos não colidir com o externo estamos nos encontrando com nosso próprio eu fará parte de nossos corações e seremos gratos por senti-la.  O sol que brilhou na Galileia se consumiu em vida, uma vida com tamanha abundância que continua deixando como legado, até hoje e sempre, a presença do perfeito amor em cada acontecimento de bondade que vemos por aí. Que possamos, portanto, querer ser luz, uma irradiação permanente de alegria, perdão e esperança, seja qual for a situação em que nos vejamos envolvidos. Tenhamos sempre em mente que, a cada colisão que evitarmos, o Cristo conseguirá dar um passo a mais ao encontro de nossos corações, nos trazendo, na justa medida, as capacidades que necessitamos para realizar o melhor de nós para nós mesmos e para a humanidade. Avante, amigos! O caminho é de luz, e o futuro promissor. Basta ofertarmos o primeiro passo ao encontro d’Ele.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita