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por Cláudio Bueno da Silva

 
Múltiplos olhares


Algumas pessoas têm visão cerebral. Outras veem com o coração. Ainda outras sabem dosar a visão de um jeito que enxergam com o cérebro e o coração ao mesmo tempo. Creio que essa forma conjunta de ver é a ideal, pois, em muitas situações na vida, enxergar se mistura com sentir.

Parece complicado isso, porque ver não é o mesmo que enxergar, e muito menos sentir. Que mecanismo curioso é esse que faz umas pessoas apenas ver, enquanto outras enxergam com sentimento?  

Como as nossas decisões e atitudes dependem desse mecanismo, ou seja, da maneira como conhecemos ou entendemos as coisas, os fatos, os seres, enfim, do modo como olhamos a vida e o mundo, acho que essa reflexão parece ser pertinente.

Vou ser mais claro dando exemplos através de algumas cenas.

1 - Os olhos enlameados de sangue e pó de um touro arrojado ao chão de uma arena. O pouco que ainda resta da sua visão, voltada para a câmera fotográfica, roga piedade. Sobre suas costas há fincadas várias lanças mortíferas. O público aplaude de pé.

2 - O oportunismo profissional de um fotógrafo flagra, dentro também de uma arena, o dorso curvado e partido de um bezerro recém-derrubado pelo peão vencedor de rodeios. A galera possivelmente delira.

3 - Uma cena chocante: em avenida movimentada de uma grande cidade, um condutor abre a porta do seu carro e lança fora um cãozinho – provavelmente considerado inútil – que se desespera. Os motoristas desviam seus veículos.

4 - Ainda numa arena (por que sempre ela?), dois homens se batem com fúria, cercados por câmeras de TV que cobrem a peleja esportiva. Uma plateia torce aos gritos. O piso manchado de sangue, os rostos vermelhos, deformados pela violência dos golpes e a exaustão das forças, determinam o fim da luta.  Apesar de tudo, parece ter havido entre eles um vitorioso!!!

5 - Uma história inesquecível, narrada por Jesus: um homem desce de Jerusalém para Jericó, a estrada é longa e perigosa. Assaltantes tomam-lhe os pertences e o deixam semimorto. Dois religiosos passam pelo caminho, olhando, e não se importam. Um terceiro passante, samaritano herético, se aproxima e enxerga as feridas expostas, e sente compaixão. Por amor ao próximo, socorre o infeliz.

Há uma infinidade de outras ações cotidianas que expressam a forma de olhar das criaturas, traduzindo superioridade ou inferioridade. Vamos ficar apenas com as citadas.

Quem são, na verdade, esses protagonistas? O que há por trás das suas escolhas? Com o que se interessam, e por quê? De que se servem para viver? O que os faz acatar ou descartar, acolher ou rejeitar, ser dóceis ou indiferentes, pacíficos ou agressivos?   

Estudando a “Escala espírita” em “O Livro dos Espíritos”, colhemos com Allan Kardec alguns subsídios que podem lançar luz sobre essas questões, ou até mesmo resolvê-las. Os Espíritos não são todos iguais, pertencendo a diferentes ordens, conforme o grau de perfeição a que chegaram. O número dessas ordens é ilimitado em função mesmo da variação de progresso entre eles.

Para efeito de estudo, os Espíritos Superiores organizaram tudo em três grupos, levando em conta as características gerais dos Espíritos: os Espíritos puros, que atingiram a perfeição; os que chegaram ao meio da escala, em que o desejo do bem é a sua preocupação; e os Espíritos imperfeitos, que se caracterizam pela ignorância, o desejo do mal e todas as más paixões que lhes retardam o desenvolvimento.

Todas essas referências dizem respeito aos que habitam o mundo espiritual e também aos que estão encarnados, pois são parte da mesma humanidade, ora lá, ora cá.

Já que as ideias, a linguagem, o comportamento e as ações dos indivíduos revelam suas condições íntimas, a “Escala Espírita” bem estudada possibilita identificar “o grau de confiança e estima que eles merecem” de nossa parte em todo e qualquer cometimento.

A humanidade se desenvolveu em muitos aspectos ao longo do tempo, e dá mostras de ter suavizado hábitos e costumes. Porém, restam ainda em seu espírito cicatrizes e feridas que ainda sangram, de um passado violento e odioso, e que precisam ser curadas. Os homens ainda não isolaram completamente de si os vírus da barbárie e da ignorância, responsáveis pela sua dor, sofrimento e loucura.

Há muita gente lutando surdamente contra a própria escuridão interior, e as lições psicológicas sobre a natureza humana, colhidas nas doutrinas espiritualistas de todos os tempos e lugares, pedem compreensão e tolerância para com todos os que ainda não acharam um caminho.

Nossa atuação no mundo está vinculada ao grau da nossa maturidade espiritual. Isso precisa ser meditado e compreendido.

Os Espíritos afirmam que todos progridem gradualmente e que ninguém permanecerá para sempre na mesma faixa de experiências. Isso é natural e parece ser bem coerente.


  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita