Artigos

por Rogério Coelho

 

O verdadeiro poder

 O maior no Reino dos Céus é aquele que haja sido o mais humilde na Terra


“(...) E o que a si mesmo exaltar será humilhado.” 
- Jesus.  (Mt., 25:12.)


Numa singular mescla de medo, covardia e presunção, Pilatos disse a Jesus[1]“Não sabes Tu que tenho poder para Te crucificar e tenho poder para Te soltar?”

Jesus, flagelado e indefeso, ante as sanhas imperial, farisaica e sacerdotal, respondeu: “nenhum poder terias contra mim, se de ‘Cima’ te não fosse dado”.

Jesus, que era todo poder, amor e bondade, afirmou com humildade[2]“(...) nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou”.

Amarrando as pontas das frases acima, concluímos que tudo procede de Deus, tudo está submetido à Sua santa volição. Portanto, a vaidade, o orgulho e o estrelismo não se justificam a não ser como apanágio da mediocridade. Só temos verdadeiramente em abundância os equívocos enquanto parcas são as virtudes. De que podemos nos envaidecer então?! Qual a justificativa para a busca dos holofotes do mundo?!

Kardec, juntamente com os Espíritos Superiores deixaram um aviso bem claro[3]“(...) Os Espíritos deixam cada homem na sua esfera. Daquele que só é apto a cavar a terra, não farão depositário dos segredos de Deus; mas sabem tirar da obscuridade aquele que seja capaz de lhes secundar os desígnios”.

O verdadeiro poder e os legítimos títulos de nobreza estão, segundo Lacordaire[4], na caridade e na humildade.

Não poucas são as criaturas que não perdem oportunidade para se colocarem sob os faróis da autopromoção. Comprazem-se, prazenteiras, com as luzes da ribalta da mediocridade erguidas no pedestal da vaidade, do qual caem fragorosamente em pouco tempo, quando, ao contrário, deveriam ter procurado enriquecer suas vidas sendo realmente úteis e fiéis à causa do Bem com Jesus. Ontem como hoje, continuam a se servirem d`Ele em vez de servi-lO.

Não foi sem motivos que o “discípulo amado” deixou registrado de forma claríssima nos escritos neotestamentários, esta frase do Batista[5]“é necessário que Ele cresça e que eu diminua. O homem não pode receber coisa alguma, se lhe não for dada do Céu”.

Quando João Batista cunhou essas frases, parecia que seus olhos alongavam-se além do seu tempo e enxergavam os magotes de “servidores” do Cristo no futuro distante, agindo de forma equivocada, portanto, incompatível com o “modus-operandi e vivendi”de Jesus, esquecidos de que o Mestre a Quem dizem servir foi o Vexilário Maior da humildade.

Parafraseando a nobre Mentora Joanna de Ângelis, poderíamos dizer, sem receio de equívocos, que o estrelismo anda de mãos dadas com o orgulho e a vaidade, sob os “spotlights” da imbecilidade, enquanto a humildade caminha sutil e silenciosamente, na semiobscuridade do anonimato desinteressado, da abnegação e do devotamento...

O homem sempre se preocupou com as questões da hierarquia, naturalmente ambicionando os seus patamares mais elevados, embora em contrapartida, nada fizesse por merecê-los. É a velha doutrina dos privilégios tão acoroçoada pelos poderes temporais civis e religiosos! Isso ocorreu até mesmo dentro do próprio Colégio Apostólico.

Quando Seus discípulos Lhe perguntaram quem é o maior no Reino dos Céus, Jesus respondeu[6]:“aquele que se tornar humilde como uma criança, esse é o maior no Reino dos Céus”.

Adolfo, bispo de Argel pergunta[7]:“(...) por que há de cada um querer elevar-se acima de seu irmão?” 

Ele mesmo responde: “(...) quando o orgulho chega ao extremo, tem-se um indício de queda próxima, porquanto Deus nunca deixa de castigar os soberbos. Se por vezes consente que eles subam, é para lhes dar tempo à reflexão e a que se emendem, sob os golpes que de quando em quando lhes desfere no orgulho para adverti-los. Mas, em lugar de se humilharem, eles se revoltam. Então, cheia a medida, Deus os abate completamente e tanto mais horrível lhes é a queda, quanto mais alto hajam subido.

Pobre raça humana, cujo egoísmo corrompeu todas as sendas, toma novamente coragem, apesar de tudo. Em sua misericórdia infinita Deus te envia poderoso remédio para os teus males, um inesperado socorro à tua miséria. Abre os olhos à luz: aqui estão as almas dos que já não vivem na Terra e que te vêm chamar ao cumprimento dos deveres reais. Eles te dirão, com a autoridade da experiência, quanto as vaidades e as grandezas da vossa passageira existência são mesquinhas a par da Eternidade. Dir-te-ão que, lá, o maior é aquele que haja sido o mais humilde entre os pequenos deste mundo; que aquele que mais amou os seus irmãos será também o mais amado no céu; que os poderosos da Terra, se abusaram da sua autoridade, ver-se-ão reduzidos a obedecer aos seus servos; que, finalmente, a humildade e a caridade, irmãs que andam sempre de mãos dadas, são os meios mais eficazes de se obter graça diante do Eterno”.

Com sua aguçada perspicácia e não menos superlativa sensibilidade, o Espírito Eros aduz com propriedade e sabedoria[8]: “(...) O verdadeiro poder é aquele que se irradia em vibrações de paz, irrigando a vida com o amor; o que se caracteriza pela suavidade da sua força; que se deixa conduzir por toda parte sem causar preocupação nem temor; que oferece confiança e concede proteção; que está presente e não impõe os­tentação; é natural, porque se conhece, resistindo a todas as investidas do mal através da não violência.

No mundo, o poder corrompe vidas, envenena almas, dilacera sentimentos, entorpece o caráter, macula as virtudes... Quanto atinge, contamina, terminando por vitimar aquele que o utiliza, quase sempre desordenadamente. Apresenta-se no disfarce da beleza, da fortuna, da sociedade, da política, da cultura vaidosa, da religião temerária...

Com a facilidade que alça ao pináculo da glória, da fama, da dominação, conduz ao corredor sombrio e estreito da loucura, do abandono, do crime e da morte...

O poder humano, considerado e temido, é nevoa que o calor do tempo dilui. Consiste em um empréstimo-provação das Soberanas Leis, para ser usado de forma edificante na construção do progresso e na sustentação das vidas. Os seus usuários, entretanto, raramente utilizam-no com sabedoria, sucumbindo sob a sua tormentosa constrição.

O homem que realmente pode é aquele que se domina, sem aos outros submeter; que se supera, sem aos demais vencer; que se liberta, a todos oferecendo campo para a própria ventura.

O único poder real é Deus.Transitórios, são todos os demais, que resultam da ilusão de amealhar, de dispor de servi­dores e áulicos, de soldados e bajuladores, pois que a morte a todos vencerá, igualando-os na horizontal do túmulo.

O poder do Espírito sobre si mesmo, haurido na meditação, na prece, na ação do bem, na autoiluminação, é o que nunca se perde, nem se decompõe, nem aflige. O poder moral, este sim, fomenta vida”. 


 

[1] - Jo., 19:10 e 11.

[2] - Jo., 8:28.

[3] - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte, cap. XXVI, item 294, § 29.

[4] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. VII, item 11, § 6º.

[5] - Jo., 3:27 e 30.

[6] - Mt., 18:1 e 4.

[7] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio: FEB, 2009, cap VII, item 12, § 4º e seguintes.

[8] - FRANCO, Divaldo Pereira.  A um passo da imortalidade.  Salvador: LEAL, 1989, p. 23 e 24.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita