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por Vladimir Polízio

 
Exemplos que venceram o tempo


"A gazela abre os olhos ao canto do pássaro; a pedra, entretanto, somente acorda a explosões de dinamite."[1]


Santo Agostinho (354-430 de nossa era), se antes de abraçar o Cristianismo viveu a vida material que lhe convinha, depois, ao sentir-se chamado por Jesus ao ouvir as prédicas de Santo Ambrósio, mudou radicalmente seu comportamento de maneira exemplar e profícua.

Seus passos, que foram marcados por uma vida agitada na mocidade, tiveram a trajetória alterada ao ser atraído à vida religiosa, o que mudou a sua existência e o projetou além dos limites de Tagaste[2], onde nasceu, no nordeste da Argélia, na costa Norte da África. Contava então com pouco mais de 30 anos.

Procurou conciliar o platonismo com o dogma cristão e a inteligência com a fé. Na verdade, esse sábio entendimento já expressa, por si só, a importância e valor que dava ao Espírito, pois, sendo este eviterno, criado para a eternidade, não seria lógico e nem sábio viver somente com vistas à vida terrena. Daí destaca-se a origem desse conflito que não deixou passar despercebido para ninguém, pois não admitia uma vida como sendo de origem pura e simplesmente espontânea. Agostinho mantém permanentemente esse conceito em todas as consequências lógicas que ele comporta, dentre as quais, a principal é a ideia da ascendência hierárquica da alma sobre o corpo. Isso já diz tudo.

Portanto, não é sem razão que o venerável bispo de Hipona[3], Aurelius Augustinus. manifesta-se contrário aos conceitos estabelecidos a respeito de alguns dos procedimentos adotados pelo Catolicismo e solidamente por ele combatidos, como o confessionário, o batismo, e sobre a 'inocência' das crianças, dentre outros.

Estes fatos, aliás, não são narrados por instituições religiosas, mas pelo próprio Santo em "Confissões", que faz parte das oito obras que deixou para a posteridade. Nesse trabalho, que particularmente entendo ser o que mais apresenta fatos relacionados com sua vida terrena, suas aventuras e seus feitos, o sofrimento com a morte prematura de seu filho Adeodato, então com 15 anos, e outros conceitos trazidos de seu conhecimento sobre a espiritualidade e a vida, também encontramos suas observações negativas, em face dos conflitos ideológicos. Dentre as citações elegemos algumas que seguem abaixo:

1. Sobre o fato de um amigo ter sido batizado em seu leito de morte, pois estava lutando contra a febre e sendo o caso desesperado, se posiciona: “Não me importei com isto, persuadido de que o seu Espírito reteria antes o que de mim recebera, do que a cerimônia feita sobre o corpo inanimado. Tentei pôr a ridículo, na sua presença, o batismo que recebera, com privação de entendimento e dos sentidos”.

2. Sobre a inocência das crianças, no sentido de isenção total de débito, se nem sequer ainda tiveram tempo para a prática do mal, Agostinho afirma categórico: “Quem poderá recordar o pecado da infância, já que ninguém há que diante de Vós esteja limpo, nem mesmo o recém-nascido, cuja vida sobre a Terra é apenas  um dia?”. "Assim a debilidade dos membros infantis é inocente, mas não a alma das crianças”.

3. A respeito do ato de confissão, diz: “Que tenho eu a ver com os homens, para que me ouçam as confissões, como se houvessem de me curar das minhas enfermidades? Como hão de saber que lhes declaro a verdade, se ninguém sabe o que se passa num homem, a não ser o Espírito desse homem que nele habita?”

Na Doutrina Espírita, a participação desse cristão virtuoso é vigorosa.

Aurélio Agostinho despediu-se da "Cidade dos homens" em 23-8-430 com destino à "Cidade de Deus", como ele próprio definia a Terra e o Mundo Espiritual, respectivamente.

Com acentuada participação na estrutura do alicerce dos ensinamentos espíritas, Aurélio Agostinho – Santo Agostinho – é considerado por Erasto "um dos maiores propagadores do Espiritismo e um dos firmes pilares do Evangelho" e, por Allan Kardec, que reforça a condição de "comunicante habitual" da Sociedade Espírita e "propagador do Espiritismo, porque nele vê o cumprimento das predições".      

Emmanuel, mentor que esteve com Chico Xavier (1910-2002) durante 75 anos, destaca que "O campo magnético e as conjunções dos planetas influenciam no complexo celular do homem físico, em sua formação orgânica e em seu nascimento na Terra; porém, a existência planetária é sinônimo de luta. Se as influências astrais não favorecem a determinadas criaturas, urge que estas lutem contra os elementos perturbadores"[4]. Este entendimento sugere que não devemos nos acomodar, nunca.

Este outro exemplo vem da história antiga e está figurado na pessoa de Demóstenes que viveu no ano de 384-322 a.C., na Grécia:

“O mais célebre dos oradores atenienses, após ser vaiado diversas vezes, aperfeiçoou seu estilo e empregou seu talento e eloquência em combate aos projetos ambiciosos de Felipe, rei da Macedônia, que queria reduzir a Grécia à servidão.

Esse grande orador não parecia fadado pela natureza para as lutas da tribuna e se lhe tornou necessário empregar extraordinária força de vontade para se desembaraçar dos graves defeitos que, no princípio da sua carreira, o haviam exposto às vaias dos auditórios.

Avultava entre eles um vício ridículo de pronúncia. Para corrigir, Demóstenes declamava longos discursos com a boca cheia de seixos, e também ia discursar à beira-mar, onde se esforçava por dominar com a voz o fragor das vagas, a fim de, mais tarde, poder dominar os clamores da multidão. Outras vezes encostava seu peito à ponta de espada, a fim de corrigir movimentos desordenados.

Mercê de sua perseverança conseguiu adquirir as qualidades oratórias que lhe asseguraram o primado da eloquência na Antiguidade.

Seu estilo é um modelo de concisão e de pureza”. Assim sendo, em todas as situações, embora capituladas no campo das "influências que cada um merece", são passíveis de empenho moral, buscando na batalha íntima a possível vitória da mudança. Na verdade, o impossível mora nos dedos inertes daqueles que não tentam, pois, se o remédio é esse, portanto, imutável o quadro, somente o saberemos se tentarmos, e isso vale para todos os problemas, inclusive de saúde. Para saber se é possível vencer é preciso ir à luta; somente será conhecido a que veio o problema se após todo o empenho exercido como tentativa, ao final, restar frustrado. Somos donos e responsáveis únicos pelo nosso próprio destino.

Portanto, nascer sob certa influência astral com resultados nada agradáveis ao Espírito encarnado, requer pensamento e ação na medida necessária para opor-se à imposição temporal que impele a arrastamentos nocivos. 

Vamos encerrar com as palavras de Santo Agostinho[5]: "O progresso é uma das leis da Natureza; e, não avançar, é recuar".    


 


[1] Falando à Terra, de Espíritos diversos, por Chico Xavier - FEB.

[2] Tagaste: Este foi o antigo nome da cidade onde nasceu Santo Agostinho, na Numídia, atual república da Argélia. Sobre suas ruínas, posteriormente, foi edificada a atual cidade de Souk Ahras.

[3] Hipona: Hippo Regius, que os franceses chamaram mais tarde de Bône ou Bona e, posteriormente, Annaba, onde o Santo está sepultado.

[4] O Consolador, de Emmanuel, por Chico Xavier - FEB.

[5] O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec - Cap. III - (capítulo integral sob o amparo de Santo Agostinho).


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita