Entrevista

por Wellington Balbo

O serviço ao próximo em face de suas necessidades é a mais bela das orações

O pensamento acima pertence a Cláudio Emanuel Abdala (foto), nosso entrevistado de hoje. Natural de Salvador (BA), ele atua profissionalmente como fisioterapeuta, professor e terapeuta transpessoal. Dinâmico, percorre Salvador e região proferindo palestras de divulgação do Espiritismo. Como dirigente espírita, é fundador do Campo da Paz, do qual é dirigente. Para falar sobre seu trabalho e a instituição que preside, ele concedeu-nos a entrevista seguinte.

Como conheceu o Espiritismo?

Em 1982, no dia 25 de agosto, faltando dois dias para completar 16 anos, recebi o maior e melhor presente de minha atual existência, o Espiritismo. Meu irmão, que já era espírita havia algum tempo, depois de vários convites, conseguiu levar-me ao Centro Espírita Luz e Caridade, no Barbalho, Salvador. Lembro-me de cada detalhe daquela noite memorável. Palestra de Rui Maia Diamantino sobre Reencarnação. Escutava a palestra com a convicção que já acreditava em todo seu conteúdo. Momento único e inesquecível.

Você tem percorrido diversas casas espíritas em Salvador e região. Compartilhe conosco sua visão sobre o movimento espírita baiano.

Por ser uma Ciência que apresenta consequências morais (religiosas) e filosóficas, o Espiritismo não possui hierarquia sacerdotal e consequentemente uma hierarquia institucional como outras religiões, em que os que estão na base recebem as diretrizes dos que se encontram no ápice da pirâmide. Cada Casa Espírita possui total independência e autonomia, isso faz com que se volte para suas atividades internas e resoluções das questões que naturalmente surgem. Essa postura, muito natural, faz com que se perca a visão de conjunto e de movimento único. A Federação Espírita do Estado da Bahia vem desenvolvendo um trabalho em busca da união e unificação do movimento. Acreditamos, pois, que estamos avançando, porém ainda estamos muito longe do ideal. Ainda existe uma fragmentação, que infelizmente faz surgir o chamado “Espiritismo à moda da casa”, em que, muitas vezes por falta de diretrizes e estudos, são implantados nas casas espíritas procedimentos, técnicas e conceitos que não são espíritas e, às vezes, totalmente conflitantes com os postulados da Doutrina, fato que não ocorre somente na Bahia. O movimento espírita, sendo feito por homens e mulheres falíveis, reflete o nosso nível moral, que ainda é de um mundo inferior, diferente da Doutrina Espírita iluminada e pura. Entretanto acredito que, ainda que lentamente, estamos avançando.

No tocante ao momento que vivemos no Brasil, de polarização e intolerância, como o Espiritismo pode colaborar para que a harmonia ou ao menos o convívio respeitoso seja a tônica entre as pessoas?

O Espiritismo enquanto doutrina, além dos postulados que nos apresenta (Deus, Imortalidade da alma, comunicabilidade dos Espíritos, Reencarnação, Pluralidade dos mundos habitados), é o Cristianismo Redivivo, nos convidando a reviver os ensinos do nosso Mestre Jesus como foram vividos pelos cristãos do primeiro século, superando essas mazelas morais/sociais que vivenciamos na atualidade. Entretanto a ação do Espiritismo na sociedade é feita pelos espíritas, e a capacitação deve ocorrer também dentro dos Centros e Federações Espíritas. Temas como racismo, homofobia, feminicídio, intolerância religiosa, aborto e suicídio são pouquíssimos abordados nas casas espíritas e Federações. Muitas vezes se coloca uma “redoma” invisível como que isolando a Casa Espírita da sociedade. Assistência e Promoção Social não é apenas distribuir cestas básicas, é principalmente ir ao encontro das aflições do mundo, dos nossos semelhantes e, na atualidade, algumas dessas aflições foram citadas acima e não devemos manter a postura de insistir que elas não existem. Racismo existe sim, homofobia existe sim, intolerâncias e discriminações existem sim. Necessitamos levar esses temas para a Casa Espírita, não só para estudar, mas também criar ações efetivas com as contribuições indispensáveis do Espiritismo.

Que você sugere de leitura para quem está dando seus primeiros passos no desabrochar espírita?

Toda construção começa pela base. No capítulo 3º de O Livro dos Médiuns, Allan Kardec afirma: “Aquele que quer seriamente conhecê-lo (o Espiritismo) deve, pois, como primeira condição, sujeitar-se a um estudo sério e se persuadir de que, como em toda outra ciência, não se pode aprender brincando”. Iniciar pela base, as Obras Básicas, depois os autores clássicos Léon Denis, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano dentre outros.

Fale-nos sobre o Campo da Paz.

O Campo da Paz é uma instituição espírita situada em Salvador, numa área de 2.305 m². Foi sonhada em 1985 e inaugurada em 2009. Numa área arborizada funcionam um Centro Espírita, um orfanato para crianças com deficiência e, neste ano, iniciaremos a construção do Lar dos idosos, socialmente desassistidos. Ainda faz parte do projeto, para o futuro, a ressocialização das pessoas em situação de rua.

O tempo que levou do início do sonho para a inauguração foi de 24 anos. Como aconteceu?

Acredito que tenha sido um teste de perseverança. Grupos se formaram e se diluíram, mas o sonho persistia. Houve um tempo em que, juntamente com um amigo, Hildebrando, saímos procurando um terreno para comprar sem termos dinheiro, e não foram poucas as vezes em que fomos chamados de loucos. Até que em outubro de 2004 aconteceu um fato inesquecível. Estava eu saindo de casa para atender um paciente, quando uma voz falou ao meu ouvido: “Volte e pegue o Projeto do Campo da Paz”. Imediatamente retornei e obedeci. Chegando ao condomínio vi um homem regando o jardim; a esposa do paciente disse que era um membro de uma banda de música. A voz disse: “Vá lá” e, eu fui. Entreguei o projeto e perguntei se ele poderia ajudar. Ele pegou, olhou e pronto. Fui atender o paciente sem nenhuma expectativa; seria mais uma porta de tantas em que eu havia batido até então. Para minha surpresa, quando eu estava na portaria indo embora, ouço gritos: “Minha esposa adorou o Projeto, temos um terreno de 2.305 m². Você quer?” Imaginem. Assim tudo começou.

Você teria outra lembrança do período da construção do orfanato que tenha sido marcante?

Sim, muito emocionante. Era uma sexta-feira de 2006 e tínhamos que pagar no sábado aos operários da obra R$ 1.500,00 e só tínhamos R$ 700,00. Busquei durante todo o dia e nada. Cheguei a casa às 22 h, sentei-me na cama em meu quarto, olhei o céu e as estrelas e disse inquieto: “Jesus, o Senhor viu que eu procurei o dia inteiro pelo dinheiro e não consegui. A gente faz o possível às vezes; o impossível é com o Senhor. Tô cansado, vou dormir”. Era, 23 h quando o telefone tocou e uma voz masculina diz: “Cláudio Emanuel, você não me conhece e nem eu te conheço. É que eu recebi um dinheiro que não esperava e soube que você e seu grupo estão construindo um orfanato para crianças com deficiência. Me passe os dados da conta bancária para eu fazer a transferência”. Eu perguntei quanto ele iria depositar e ele respondeu R$ 800,00, o valor exato que faltava. Pediu o endereço da instituição, mas nunca apareceu.

Como as pessoas podem ajudar a instituição?

Espiritualmente, com as orações e vibrações. Materialmente: para o orfanato, fraldas, material de limpeza. Para a construção do Lar dos Idosos estamos fazendo a campanha das latinhas de refrigerantes e água tônica para vendermos aos recicladores e obter a renda para comprar os materiais de construção. Temos também uma conta bancária: Bradesco – agência 3012,  conta-corrente 105199-7 - Campo da Paz - CNPJ nº 07.582.231/0001-08.

Suas palavras finais aos nossos leitores.

Acreditem na força do amor. Estamos no mundo por um propósito: tornarmo-nos criaturas melhores. Jesus, nosso Mestre e Senhor, se tornou o Caminho por onde devemos trilhar. Continuemos a acreditar no ser humano. Ele acreditou e continua acreditando. Somos mais, somos muitos mais, somos filhos de Deus. Vamos iniciar a construção do mundo que Jesus através do Espiritismo nos propõe. Teresa de Calcutá nos diz que “as mãos que servem são mais abençoadas que a boca que ora”, pois o serviço ao próximo em face de suas necessidades é a mais bela das orações. Crer, amar e servir. Paz e bem.
 
  

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita