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por Rogério Miguez

 

Nem todo livro que se diz espírita é espírita


Como se tem debatido a questão das obras espíritas! Artigos, palestras, exposições, livros, farto material e recursos humanos têm sido dispendidos para orientar e balizar, em alguns casos alertar os leitores sobre a literatura oferecida a todo o momento como sendo espírita.

A velocidade da publicação de livros ditos espíritas é impressionante. Vários médiuns, após alguns poucos anos de trabalho mediúnico na psicografia, já se apresentam desejosos de tornar público o material contido nas mensagens por eles recebidas do Além, ou mesmo por eles mesmos concebidas. Por outro lado, praticantes do Espiritismo frequentemente se apresentam para produzir literatura dita espírita oriunda da escassa experiência adquirida ao longo de alguns anos de envolvimento com a prática doutrinária, agravado pelo fato de não terem, em muitos casos, realmente entendido os princípios espíritas, fato este de grande risco para o caminhar do Espiritismo.

É um contingente enorme de candidatos aspirantes a escritores espíritas, ávidos de dividir os conhecimentos obtidos, frutos de seus relativos esforços no aprendizado da Doutrina dos Imortais.

Já o diga, por exemplo, o artigo de Geraldo Campetti Sobrinho1, quando informou sobre a existência de mais de dois mil títulos espíritas publicados no Brasil, ao final da década de 90, e mais, esta estimativa foi obtida em 1998, de lá para cá já se foram outros 20 anos. Alguém poderia argumentar nada há com que se preocupar sobre esta montanha de livros, considerando a sociedade moderna tão desejosa pela aquisição de conhecimentos novos, deveria ser visto como excelente indicador da expansão do Espiritismo, infelizmente, este não é o caso.

Por onde anda a cifra sobre a quantidade de obras ditas espíritas editadas ao se alcançar quase o final da segunda década do século XXI? Três, quatro, cinco mil títulos! Desconhecemos totalmente a nova realidade do mercado literário espírita.

Este verdadeiro tsunami de livros, usando uma expressão bem atual, não seria benéfica ao movimento espírita? De fato, poderia até ser, se todos estes livros tivessem realmente sido analisados sob o ponto de vista estritamente doutrinário, recebendo a chancela de que são realmente livros espíritas, lamentavelmente, temos a absoluta certeza de que boa parte não o foi, basta ler algumas obras lançadas no mercado para facilmente se convencer desta realidade.

Para resolver este dilema, facilmente, pois, decidir se uma obra é espírita ou não dá trabalho, pede critério, alegam alguns que em todo livro contemplando na contracapa a palavra Espiritismo, é, sem sombra de dúvida, literatura espírita! Veja-se assim a que ponto chegamos.

Por comodismo, incompetência ou mesmo desconhecimento doutrinário, muitos dirigentes espíritas entendem que qualquer literatura trazendo em sua capa os dizeres: Livro mediúnico, ditado pelo Espírito tal, seria comprovada garantia de que a obra é de boa qualidade, permitindo, desta forma, que tais literaturas sejam incorporadas às bibliotecas, livrarias ou mesmo colocadas à venda como livro usado, quando assim forem recebidos através de doações, visando angariar algum recurso financeiro. É de “arrepiar os cabelos”, quem os tem, evidentemente.

Como é possível um dirigente dito espírita promover a divulgação de livros na casa espírita em que atua quando jamais leu a obra, desconhece quem é o médium, não sabe se existiu mesmo um Espírito ditando a obra, pois há inúmeros casos de animismo, e muito menos ouviu falar do autor encarnado, tampouco da Editora!?

É uma situação muito delicada esta da atualidade. O mercado editorial já percebeu existir um grande filão a explorar, e algumas destas editoras, óbvio, não são todas, o fazem até a exaustão, aproveitando-se sem qualquer critério deste aparente inesgotável veio. É uma mina de ouro! O comércio dos livros é justificado pelo ingresso de numerário para custear as atividades e despesas das casas, mantendo igualmente seus possíveis trabalhos assistenciais.

Contudo, como distinguir a Verdadeira Doutrina da falsa doutrina? Certamente não seria observando os Índices para Catálogo Sistemático, constando na contracapa dos livros, porquanto, o autor, junto com o seu editor, quando não são os mesmos, ali colocam o que desejam, e se o autor é um falso profeta desejando se misturar à Doutrina, é óbvio, informará ser o livro sobre Espiritismo. Não, não pode ser este o critério, o bom senso, a razão, a sensatez assim em coro o dizem.

É preciso analisar, ler, esmiuçar as obras ditas espíritas de modo a se ganhar confiança de que o material lá contido representa o Espiritismo, e este trabalho deve ser realizado por espíritas conhecedores da Doutrina, não superficialmente, mas aprofundadamente.

Recordemos o pensamento de Joaquim Travassos2: “O sistema de educação intelectual experimenta a supervisão constante de inspetores, fiscais e conselhos de ensino que verificam os mínimos incidentes do currículo escolar; entretanto, nas casas espíritas, em muitas ocasiões, se um companheiro de boa vontade assinala esse ou aquele senão, em favor da segurança da obra, muito dificilmente escapa de ser apontado à conta de elemento indesejável, corroído de obsessão...”

As agremiações espíritas assemelham-se aos educandários intelectuais, pois têm também como objetivo primordial educar, contudo, moralmente. Então, como podemos entender que não se acolham recomendações e questionamentos sobre a literatura divulgada na casa espírita, feitos por companheiros mais atenciosos com a Doutrina?

Se a casa não possui trabalhadores experientes capazes de ajuizar se uma obra é verdadeiramente espírita ou não, opte-se pelo lado seguro, isto é, só utilize obras consagradas, aquelas representando genuinamente a base doutrinária, ou seja, todas as escritas por Allan Kardec e, para apoio, de outros autores que pela sua própria seriedade e exemplos de dedicação, ganharam a confiança do movimento espírita, sendo legítimos continuadores do Codificador, entre outros, a saber: Léon Denis e Gabriel Delanne. O primeiro na vertente filosófica da Doutrina, o segundo na parte científica.

 Em relação aos autores pós-Kardec: obras psicografadas por Zilda Gama, Yvonne Pereira, Chico Xavier, Divaldo Pereira Franco e Raul Teixeira. Apenas estes cinco autores produziram várias centenas de confiáveis livros, podendo ser estudados por uma vida inteira, se o leitor assim o desejar. Os dois últimos, particularmente, abordaram vários temas hodiernos, nos deixando seguros sobre as questões surgidas ao longo deste iniciante século.

Sugerindo este último quinteto, jamais poderá se inferir não existir outros autores de verdadeiros livros espíritas, sejam encarnados ou desencarnados, não, não se conclua desta forma, a lista de livros seguramente espíritas é considerável, entretanto, não seria factível citá-los todos aqui.

Estudando estes livros mencionados, principalmente os escritos por Kardec, poder-se-á no futuro avaliar qualquer outra obra dita espírita, decidindo se é ou não é uma legítima representante do acervo de livros doutrinários.

Na dúvida, não compre, se houver qualquer incerteza sobre a obra, indague, se informe antes de adquiri-la, pois assim o fazendo, se a obra for falsa, contribuiremos para a manutenção do tsunami literário pseudoespírita assolando o movimento, em vagas cada vez maiores.

Por outro lado, prefira as obras originais, no lugar de apostilas e resumos das mesmas, leia as frases e pensamentos dos próprios autores, medite, reflita, peça apoio ao seu guia espiritual, se esforce, nada vem ao acaso, tudo deve ser conquistado.

Erasto, discípulo dileto de Paulo de Tarso, entre outras sábias frases, registrou no único tratado sobre mediunidade existente, O livro dos Médiuns3Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea, todavianos tempos atuais, diante deste momento, considerando a falta de critério na circulação de textos e publicações supostamente espíritas, podemos, com extremado respeito ao insigne pensador, adaptar seu pensamento reescrevendo-o: Melhor é não divulgar dez verdades do que divulgar uma única falsidade, uma só teoria errônea.

Bons Estudos!

 

Referências:

Reformador. Literatura Espírita: Uma breve reflexão; nº 2.026. jan.1998.

2 VIEIRA, Waldo. Seareiros de volta. Autores diversos. cap. Estudo espírita.

3 KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 62. Ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1996. Cap. XX. It. 230.



Nota: 
Joaquim Travassos foi o primeiro tradutor para o português de obras fundamentais da Codificação nos anos de 1875 e 1876.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita