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por Flávio Bastos do Nascimento

 

A (in)tolerância nossa de cada dia


Ninguém, como Jesus de Nazaré, soube nos exemplificar sobre a tolerância, modelo e guia da humanidade terráquea que é, conforme lemos em a questão de no. 625 de O Livro dos Espíritos.

Os Evangelhos estão repletos de passagens que relatam como o Mestre de todos nós era todo mansuetude e serenidade, ante os desafios repetidos cotidianamente:

“- Senhor, até quantas vezes devo perdoar o irmão que pecou contra mim? Até sete vezes?

- Não somente sete vezes, Simão, filho de Jonas, mas até setenta vezes sete vezes!”

(...).

“- Senhor, suplico que conceda aos meus filhos queridos a honra de assentarem-se ao seu lado, no Reino dos Céus!

- Quanto a isto, só o Pai pode decidir, mas, dizei-me, estão preparados para beber da taça de amarguras e de aflições que devo sorver?”

(...).

“- Mestre, encontramos pelo caminho alguém que expulsava demônios em Teu nome e o repreendemos, pois que não partilha do nosso círculo de aprendizes...

- Fizeste mal, pois todo aquele que não é contra nós, é por nós.”

(...).

“- Vínhamos discutindo pela estrada qual dentre nós será o maior no Reino de Deus!

- Pois aquele que quiser ser o maior no Reino do Pai, faça-se o menor, o servo de todos os demais...”

(...).

Observemos a Sua conduta no episódio das crianças impedidas pelos Apóstolos de se aproximarem d’Ele...

Ainda, perante os sofredores de todo o porte, em todos os degraus da escala incomensurável das desditas humanas: a mulher hemorroíssa, os leprosos, os obsidiados, os obsessores, os avarentos, os orgulhosos, os de ânimo alquebrado, os de vontade enfermiça, enfim, todos os doentes do corpo físico e da alma, aliás, localizando-se na esfera invisível as matrizes que poderão se apresentar, ou não, na dimensão de matéria mais densa na qual estagiamos.

E o Nazareno inesquecível sempre e sempre, invariavelmente, nos demonstrava do que é capaz quem é versado na Ciência da Paz, a Paciência...

Jesus nos ensina, assim, que por meio das pequenas ou grandes concessões que vamos fazendo no dia a dia, em benefício da harmonia do conjunto, seremos capazes de alcançar, um dia, o supremo sacrifício, a doação de nós mesmos, a entrega total ao Bem.

Enquanto não suportarmos com galhardia, com bom humor e mesmo com alegria os pequenos reveses da vida, não estaremos aptos aos grandes gestos em favor dos que nos cercam.

Se nos irritamos até à exasperação ante as “fechadas” no trânsito das grandes cidades, se não relevamos um leve esbarrão de alguém distraído (e os distraídos hoje se contam aos milhares!), se nos ofendemos com as piadinhas dos colegas de trabalho, quando é que nos disporemos a vivenciar a Boa Nova, em plenitude, nestes dias da Grande Transição Planetária?

Com que autoridade, com qual máscara de nogueira ou de imbaúba, também conhecida como “cara de pau”, nos atreveremos a “doutrinar” irmãos decaídos que se apresentam, que se desnudam diuturnamente nas nossas reuniões mediúnicas, se não esquecemos, ao contrário, se fazemos questão de trazer à tona, de revolver as chagas do remorso em companheiros nossos de casas espíritas, que tenham tido a infelicidade de cometer algum deslize contra nós?

É impressionante como nos admiramos, como nos dizemos chocados com irmãos desencarnados cristalizados em sua “sede de justiça” (entenda-se: na sua vontade de “dar o troco”) e fazemos questão de ressaltar algum equívoco, alguma atitude mais ríspida e insensata de irmãos e irmãs espíritas, ainda que os meses ou os anos tenham rolado sobre os fatos passados.

É urgente que despertemos para a realidade, ou seja, que nós também não somos infalíveis, ao contrário, arrastamos conosco inúmeras imperfeições, defeitos muitas vezes graves e, no entanto, os que convivem conosco realizam verdadeiras maratonas de indulgência e de benevolência, de modo a não nos complicarem a problemática, oferecendo “a outra face”, isto é, renovando oportunidades ao Bem, até que enxerguemos o quanto estivéramos equivocados, esgrimindo frases duras e exigindo atestados de santidade dos outros, sendo que nós ainda engatinhamos nos primeiros degraus da escada evolutiva.

Enquanto não nos dispusermos a esquecer todo o mal e a registrar e reforçar todo o bem, não alcançaremos a tão sonhada e desejada paz, está claro; é lógico que não respiraremos em clima de calmaria, entretecendo laços de ódio, açulando nos demais os sentimentos de desforço, de vingança, ao estimularmos o sectarismo, a separatividade, a dissensão, a discórdia, espalhando más notícias e malquerenças, difundindo fofocas e apoiando o racismo, a “guerra dos sexos” e o nacionalismo apaixonado.

É imprescindível que realizemos a operação reversa, qual seja, que extraiamos de nós a in-tolerância, que foi introjetada, cultivada em nossa intimidade e entronizemos a tolerância, para que passe a reinar sobre nós.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita