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por Leda Maria Flaborea

 

Eu no espelho


O que pensaria eu se me visse fazendo o que faço?
 Para responder a esta questão, seria preciso que tivéssemos a coragem de nos olharmos em um espelho e, afastando-nos dele, pudéssemos nos ver como um personagem, uma outra pessoa que, em ação e em determinada situação, colocasse em movimento todos os seus sentimentos, fossem eles bons ou maus.

O problema para se chegar a essa resposta não está na falta de consciência de que essa questão precisa e deve ser respondida, mas, sim, na nossa falta de coragem para encarar o que realmente somos, e não aquilo que aparentamos ser. É extremamente difícil aceitarmos nossas imperfeições, ligadas que estão quase sempre a sentimentos pouco nobres que procuramos, também, com muito esforço, fazer de conta não possuir, quando, minimamente, temos consciência de que eles existem. Assim, como não podemos ou não queremos nos ver, vemos o outro. Percebemos suas imperfeições morais, seus defeitos físicos e nos horrorizamos com eles, apontando-os, ostensiva ou veladamente, procurando diminuir-lhes o valor, não importando o que de bem ou de bom faça ou tenha feito.

O que deve nos preocupar nesse processo – gritante para nós – é que ao destacar-lhes as imperfeições, o fazemos tomando-nos como exemplo, pois precisamos de um modelo para que a comparação aconteça, caso contrário, passariam despercebidas. O belo nos chama a atenção porque conhecemos o feio – segundo nosso ponto de vista; só percebemos o dia porque convivemos, também, com a noite; e necessitamos da luz, porque já conhecemos a treva.

A falta de coragem vem, justamente, pelo processo comparativo que teríamos de fazer, caso quiséssemos nos ver, pois precisaríamos tomar alguém perfeito para nos servir de parâmetro. Todavia, ao fazermos isso, teríamos de destacar nossas imperfeições e, certamente, não é isso que desejamos.

Diante de tal quadro torna-se imprescindível nos atermos à nossa real situação em relação aos papéis que representamos na vida. Ao nos colocarmos como espectadores de nós mesmos, teremos grandes chances de nos ver como realmente somos e, como críticos severos dos outros, poderemos, com muita dificuldade, mas firme vontade de nos melhorarmos, sermos também, e com maior justeza, críticos ainda mais severos de nós mesmos, e não somente da vida alheia.

Certamente, teremos quedas nessas tentativas, mas se nos lembrarmos de que só cai quem caminha, nossas chances de acertos e de nos mantermos em pé serão cada vez maiores. Mister se faz que acordemos de vez dessa sonolência que a fantasia das nossas imperfeições cria em nossas mentes, na qual nos permitimos enredar. Como espectadores de nós mesmos, nos veremos, quase sempre, em um palco onde representamos vários papéis, dos quais, na maioria das vezes, nem nos damos conta tão arraigados estão em nosso inconsciente. Representamos cada um deles tantas vezes que acabamos por nos esquecer do que realmente desejamos e quem verdadeiramente somos.

É importante lembrarmos que não nos será possível, simplesmente, anular velhos papéis e, de imediato, colocar novos no lugar, pois esse processo é lento, a exigir perseverança e paciência, renúncias e sacrifícios, humildade e desprendimento, o que nem sempre estamos dispostos a fazer. Entretanto, se procurarmos desenvolver em nós qualidades contrárias às imperfeições morais que temos, ficará mais fácil, pois podemos ir enfraquecendo uma, enquanto fortalecemos a outra, o que nos permitirá deixar de ser personagens de vidas emprestadas, para nos transformarmos em autores das próprias existências.

O que percebemos como observadores de nós mesmos assusta-nos porque nos vemos piores do que realmente somos: intransigentes, intolerantes, impiedosos, ambiciosos e tantas outras imperfeições que nos ligam, ainda, à condição de inferioridade no caminho evolutivo.

E por que nos vemos assim? Na maioria das vezes não nos damos conta de que necessitamos estar acima dos outros e para que isso aconteça, precisamos anulá-los. Para tanto, é importante apagar-lhes o brilho, destacando-lhes as imperfeições. É na verdade a única maneira que temos de nos destacar e sermos aplaudidos e reverenciados. Triste realidade íntima essa nossa, que não nos deixa entender que somos capazes de brilhar sem precisar ofuscar o outro.

Todavia, não precisamos nos entristecer ou desanimar diante disso. Nesse momento, é importante parar e perceber que somos, na verdade, um farol direcionado para um objetivo de cada vez, e isto significa que em um momento nosso foco está para o ter material e, em outro, para o ter espiritual. São diferentes tempos no quadro de crescimento que nos levará, inexoravelmente, à unidade do ser, etapa final do caminhar evolutivo do Espírito.

Na medida em que evoluímos, esse refletor terá, cada vez mais, um campo maior de luz. De uma visão limitada, na qual cada um retém o que lhe é mais valioso no momento, passaremos a abranger um espaço cada vez mais amplo, não focalizando somente um aspecto ou um objeto para o nosso crescimento, mas buscando incorporar a esse aspecto único novos interesses que nos enriquecerão, permitindo que a luz se expanda em todas as direções, beneficiando também aqueles que compartilham conosco essa caminhada.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita