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por Maria de Lurdes Duarte

 

A ideia de Deus


Parte 1 - Impossível não acreditar


Deus existe, afinal? Começo este meu artigo com uma pergunta que pode parecer de simples retórica, já que a intenção é desenvolver um raciocínio, à luz da Doutrina Espírita, que não teria qualquer validade ou importância se partíssemos do pressuposto de que Deus não existe.

No entanto, poderemos, simplesmente, partir de um princípio e aceitar dogmaticamente toda e qualquer conclusão? Ensinam-nos os Espíritos que só é verdadeira uma Fé raciocinada, a que passa sem defeitos pelo crivo da razão. Só essa é consistente e duradoira. De outro modo, qualquer sopro do vento das marés e das modas a destrói, como poeira que se dispersa com a mais leve brisa.

Tudo está bem enquanto o Deus em que julgamos acreditar “joga” a nosso favor. Quando a tempestade desaba nas nossas vidas, tudo desmorona e Deus passa a não existir, já que deixa de servir os nossos interesses.

Lamentavelmente, as sociedades atuais têm descambado cada vez mais para um aparente ateísmo, a par de um agnosticismo, que parece alastrar-se sem limites. Não podemos estranhar que assim seja. Precisamente, porque durante séculos foi imposta a tal fé dogmática, que não admitia dúvidas, e muito menos, discussões, à medida que a inteligência humana se foi desenvolvendo, e habituando à reflexão, o Homem deixou de aceitar cegamente um Deus que não entendia e dogmas que lhe começaram a parecer contraditórios, absurdos e incongruentes.

O Deus que nos foi imposto durante tanto tempo deixou de nos interessar porque deixou de ter relação com o Ser Bom, Justo, Misericordioso, Sábio, Perfeito, que nos diziam ser, quando, por outro lado, tinha reações e atitudes injustas (segundo a nossa visão imediata), prepotentes, discriminatórias, vingativas, até mesmo cruéis.

Pena foi que, em vez de fazermos apelo a essa capacidade de reflexão que a inteligência cada vez mais desenvolvida nos oferece como recurso, em vez de empreendermos a busca por esse Deus de Amor e Sabedoria, desistimos de procurar e afastamo-nos do caminho que nos poderia levar até Ele.

Esse afastamento do verdadeiro Deus tem dificultado enormemente o avanço da Humanidade, fez a Terra perder imenso tempo, que só não é irremediável porque, na Sua Infinita Sabedoria e Misericórdia, Ele, esse Deus que desistimos de procurar, dá-nos sempre novas oportunidades de levantar e retomar o caminho. Porque Ele criou-nos para a felicidade. Nós desistimos Dele mas Ele não desiste de nós. No entanto, o que poderíamos alcançar através do Amor, que se consegue pelo entendimento e ajuste às suas Leis, acabaremos por obter apenas à custa da dor, de sacrifícios, do sofrimento.

Mas, afinal, onde procurar esse Deus de Amor e Sabedoria Infinita? Tal como disse Jesus, “O maior cego é aquele que se recusa a ver”. Allan Kardec e os Espíritos que o assistiram na construção de O Livro dos Espíritos, sublime obra que deu início à Codificação da Doutrina, esclarecem-nos: “Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e vossa razão vos responderá”. E acrescentam: “Para crer em Deus é suficiente lançar os olhos às obras da Criação. O Universo existe; ele tem, portanto, uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo o efeito tem uma causa, e avançar que o nada pode fazer alguma coisa” (O Livro dos Espíritos, As Causas Primárias, Provas da Existência de Deus, questão 4.)

 Não havendo efeito sem causa, conhecemos Deus através das Suas obras. Olhar em redor e refletir é o que tanto nos temos esquecido de fazer. Do alto do nosso orgulho, julgamo-nos senhores e donos do Universo, e rejeitamos a ideia de que algo ou alguém terá forçosamente de estar acima de nós, seres pequeninos e frágeis, incapazes de ter criado, apesar de toda a inteligência de que nos orgulhamos, a grande maioria das grandes como das pequenas coisas que os nossos olhos veem, os nossos ouvidos ouvem, os nossos instrumentos científicos captam, a nossa intuição antevê. Nada controlamos, mas achamos que sim, e daí ao descontrole que a sociedade hoje apresenta, foi preciso muito pouco.

As religiões falharam. Com isto não quero acusar nem ferir seja quem for. Muito pelo contrário. Sabendo, como sei, que sou o produto de uma longa caminhada pelos séculos e milênios, a minha razão diz-me que compactuei, saberá Deus quantas vezes, com os erros que levaram a Humanidade terrena à situação de descrédito num Deus que não entende e rejeita. Tenho, forçosamente, de dar a mão à palmatória. Se estivesse isenta de culpas, estaria noutro nível existencial, em mundos felizes e mais avançados. Não é o caso. Quando digo, com todo o respeito, que as religiões falharam com os seus dogmas absurdos, encobrimentos, deturpações e recriminações, não favorecendo o esclarecimento e a fé raciocinada, quero dizer que nós falhámos; eu falhei.

A ciência, fruto da evolução do conhecimento e da intelectualidade, que poderia ser uma grande mais-valia, também está em falha. Os estudiosos e investigadores, com todas as maravilhosas descobertas que se vão fazendo nos dias que correm, deveriam ser os primeiros a reconhecer a grandeza da Criação e a Infinitude dessa Causa Primáriaque, forçosamente, terá de estar na origem do Universo. Tomando a obra pelo Criador, vão, erroneamente, concluindo que o Universo é fruto de leis que (vá-se lá saber de que forma!) se criaram sozinhas. Tentam explicar o inexplicável e não avançam nas respostas que procuram.

Um destes dias, concluí a leitura de uma interessante obra literária (não espírita) de um escritor norte-americano, em que ele apresenta uma personagem, um cientista, que dedica toda a sua vida à difícil e dolorosa missão de provar a inexistência de Deus e a não necessidade Dele para explicar o Universo e a Vida. Tarefa árdua e infrutífera, a dessa personagem que, sendo fictícia, pode bem representar um sem-número de cientistas de todos os tempos. Vai, ao longo do livro, apresentando os seus estudos e argumentos, concluindo com a “brilhante” conclusão de que não necessitamos de qualquer tipo de divindade, já que o Universo se rege por leis e códigos (o genético, por exemplo) que tudo criam e tudo explicam. Julga ele, então, que deu o golpe de machado na ideia de Deus e nas religiões, sentindo-se, orgulhosamente, com a suprema capacidade de alterar o mundo e a ordem estabelecida, prestes a lançar o caos com a sua descoberta. A minha pergunta, ao longo de todo o desenrolar das cenas do livro, acaba o autor por fazê-la também: Se tudo se explica através de leis e códigos, quem ou o que está por trás dessas leis e códigos, que são, na realidade, prova irrefutável de intencionalidade e inteligência?

Concluí a leitura do referido livro com um sorriso. Por mais que os cientistas andem e lutem, não conseguem contradizer um fato: todo o efeito inteligente tem de ter uma causa ainda mais inteligente. É assim em toda a Natureza. É assim em todo o Universo. Onde pensam encontrar argumentos para destruir a ideia de Deus, e por mais que seja essa a sua intenção, acabam por ainda acrescentar mais provas de que Deus tem de existir. Não há como descrer.

Temos, aliás, a intuição da sua existência, desde os tempos mais remotos, desde os primórdios da evolução humana na Terra. É natural que assim seja, uma vez que somos emanações do Seu Amor e da Sua Vontade. Só o orgulho e a vaidade humana nos afastam daquilo que a razão dita e o coração sente.

Basta apreciar as maravilhas do Universo, as conhecidas da ciência terrena, já que não abarcamos a totalidade de toda a grandeza e infinitude, muito para além do planeta que habitamos. Basta lançar um olhar atento pelo esplendor da Natureza deste cantinho que é a Terra. Desde as maiores, às mais pequenas, na sua grandeza ou na sua singeleza e humildade, percebemos um equilíbrio, uma harmonia, uma beleza, que patenteia bem um ato de louvor a Deus como Causa Primária de todas as coisas, de Inteligência e Sabedoria Infinitas.

Sem esquecer as obras da Codificação, que qualquer espírita deve ler e estudar, porque são a base doutrinária segura para o esclarecimento, temos ao nosso dispor uma vasta panóplia de obras subsidiárias, que nos ensinam a ver e louvar Deus na Vida e na Natureza. De entre os grandes autores, gostaria de destacar Léon Denis, conterrâneo de Allan Kardec, cuja obra aconselho vivamente. O Grande Enigma, em especial, faz uma incursão pelo modo como vemos Deus na harmonia do Universo e da Natureza terrena. Quando atento na maneira tão bela como Léon Denis diz perceber Deus no mar e nas montanhas de França, seu país natal, no som dos pássaros, na simplicidade das flores, na grandiosidade das florestas, sinto-me identificada com a minha visão de Deus no mar e nas montanhas de Portugal, nos seus campos e florestas, como qualquer brasileiro, ou cidadão de qualquer outro país, também poderá sentir-se identificado com as mais belas paisagens da sua terra natal, e aí perceber os sinais de Deus.

Sem dogmas. Sem imposições. Sem fé cega. Apenas com olhos de ver e apreciar o que é belo, harmonioso, equilibrado. Com olhos de ver, coração capaz de sentir (ideia intuitiva de Deus) e inteligência capaz de discernir (Fé raciocinada).

Se Deus existe, afinal? De quantas mais provas precisaremos? Impossível não acreditar.



 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita