Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

O exercício da paciência


Chama-nos a atenção, nas passagens evangélicas, o momento em que Jesus literalmente perde a paciência. Refiro-me ao relato de João: “E achou no templo os que vendiam bois, e ovelhas, e pombos, e os cambiadores assentados. E tendo feito um azorrague de cordéis, lançou todos fora do templo, também os bois e ovelhas; e espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derribou as mesas” (2: 14-15). 

Tal fato é inusitado na sublime figura de Jesus, pois foge completamente à descrição comportamental que temos dele. Ou seja, o Mestre é sempre retratado como um personagem dotado de inigualável paciência e compreensão, assim como exemplo máximo de perfeição (ver, a propósito, a questão nº 625 de O Livro dos Espíritos), de candura e entendimento das fraquezas humanasTodavia, naquela passagem até ele chegou, aparentemente, a perder as estribeiras diante da incomensurável hipocrisia humana.  

Ao que parece também ele teve um instante de “fúria e indignação”. Em razão disso, sou levado a inferir que talvez não haja virtude mais exigida de nós do que a paciência. Vivendo num orbe profundamente atrasado no aspecto moral, somos convocados a exercê-la todos os dias das nossas vidas. Não é de surpreender tal imperativo, dada a excessiva imperfeição que permeia todos os ambientes. No entanto, mais grave do que as estruturas e sistemas altamente deficientes, é o caráter humano. Nesse sentido, a hipocrisia tem posição de destaque no rol das falhas e fraquezas dos indivíduos.

Imagino que advenha daí o considerável desafio para termos uma vida menos complicada sob todos os aspectos e sentidos. Afinal de contas, os hipócritas estão por toda parte buscando – intensamente – prejudicar e/ou atrapalhar a trajetória dos seus semelhantes; são mestres em criar obstáculos, dissabores e aflições desnecessárias pelo caminho, e parece que sentem muito prazer nessa nefanda tarefa.

Lidar com eles requer, obviamente, substancial paciência, ou seja, algo que, às vezes, não dispomos na medida exata por vários motivos. Em determinadas ocasiões, lá estão eles tirando vantagem da boa-fé humana, “criando problemas” de toda ordem “para vender facilidades”, e, por extensão, tornando a nossa jornada mais áspera. Tais criaturas assemelham-se, em sua conduta desequilibrada, às aves de rapina. Com efeito, elas tentam, de todas as maneiras possíveis, sugar as energias das suas pobres vítimas.  

Em outras, postam-se como arautos da verdade e do conhecimento absoluto. Circunstancialmente, Deus os coloca em posições estratégicas para melhor avaliá-los. No meio acadêmico, por exemplo, há muitos pseudossábios fortemente engajados no mister de achar defeitos onde eles não existem. São indivíduos, via de regra, muito orgulhosos, geralmente portadores de títulos espaventosos, atuando como editores ou revisores de publicações científicas, ávidos por mostrar “serviço” às hostes do conhecimento humano. Mas devido à sua intransigência e estreita visão obstam o passo do progresso, impedindo que certas ideias ou temas venham à tona e prejudiquem o seu particular reduto de saber. 

Mas há outros que exercem o seu mando com mão de ferro. Temem, na sua imensa pobreza de espírito, serem alijados do poder, e, assim, se apegam à “letra morta” e não “ao espírito da letra”. São muito conhecidos pelo seu intenso labor a favor da burocracia e da ineficiência, especialmente nas repartições públicas. Sem ter a pretensão de esgotar todas as particularidades do assunto, pode-se afirmar que o hipócrita, de modo geral, tem uma conduta repulsiva.

Por isso, às vezes perdemos a paciência com eles. O único aspecto positivo em nossa relação/contato com eles é a nossa necessidade de exercitar a virtude da paciência. Eles estão basicamente em nosso caminho para essa finalidade – nada mais, nada menos.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita