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por Rogério Coelho

 
Lastros de aflições


Quem muito sofre deve reconhecer que muito tinha a expiar 


"As vicissitudes da vida derivam de uma causa e, pois, que Deus é justo, justa há de ser essa causa." - Allan Kardec[1]


No magnífico e incomparável discurso das Bem-aventuranças, Jesus exaltou o sofrimento ao enunciar[2]"bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados. - Bem-aventurados os famintos e sequiosos de justiça, pois que serão saciados. - Bem-aventurados os que sofrem perseguições pela justiça, pois que é deles o Reino dos Céus. - Bem-aventurados vós, que sois pobres, porque vosso é o Reino dos Céus. - Ditosos sois vós que agora chorais, porque rireis...”.  

Esclarece ainda o Mestre Lionês na obra citada em epígrafe: "somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra. Sem a certeza do futuro, estas máximas seriam um contrassenso; mais ainda: seriam um engodo. Mesmo com essa certeza, dificilmente se compreende a conveniência de sofrer para ser feliz. É, dizem, para se ter maior mérito. Mas, então, pergunta-se:   por que sofrem uns mais do que outros?  Por que nascem uns na miséria e outros na opulência, sem coisa alguma haverem feito que justifique essas posições?”

Responde Kardec[3]: "por virtude do axioma segundo o qual todo efeito tem uma causa, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente.  

Mas o homem nem sempre é punido, ou punido completamente, na sua existência atual; entanto, não escapa nunca às consequências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea; se ele não expiar hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando o seu passado. Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas atuais, são, muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, o homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer aos outros. Assim se explicam pela pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório, as anomalias que apresenta a distribuição da ventura e da desventura entre os bons e os maus neste Planeta. Semelhante anomalia, contudo, só existe na aparência, porque considerada tão só do ponto de vista da vida presente. Aquele que se elevar, pelo pensamento, de maneira a apreender toda uma série de existências, verá que a cada um é atribuída a parte que lhe compete, sem prejuízo da que lhe tocará no mundo dos Espíritos, e verá que a justiça de Deus nunca se interrompe”.

Continua Kardec[4]: "(...) mediante as diversas existências corpóreas é que os Espíritos se vão expungindo, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provações da vida os fazem adiantar-se, quando bem suportadas.  São o medicamento que limpa as chagas e cura o doente. Quanto mais grave é o mal, tanto mais enérgico deve ser o remédio.   Aquele, pois, que muito sofre, deve reconhecer que muito tinha a expiar e deve regozijar-se à ideia da sua próxima cura. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento e lhe não estragar o fruto com suas impaciências, visto que, do contrário, terá de recomeçar”.

"Por estas palavras[5]bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados, Jesus aponta a compensação que hão de ter os que sofrem e a resignação que leva o padecente a bendizer do sofrimento, como prelúdio de cura. Também podem essas palavras serem traduzidas assim: deveis considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o pagamento da dívida que as vossas passadas faltas vos fizeram contrair; suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura. Tal o sentido das palavras: bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados. São ditosos, porque se quitam e porque depois de se haverem quitado, estarão livres.”

Afirma Joanna de Ângelis[6] ser, "o êxito na Terra, miragem enganosa que perseguimos com insensatez. Semelhante à névoa, dilui-se ante a face clara da Alva ensolarada..."

Alerta-nos, então, a Mentora Amiga6: "(...) escutas tantas vozes a exaltarem os favores da glória e as fortunas do êxito, que te não passam pela tela mental outros ideais senão aqueles dos triunfos dourados, da fantasia endinheirada dos homens. 

As horas tens-nas divididas entre especulações da projeção social, quando não para ti próprio, para aqueles amados, por natural processo de transferência, e caminhas aos sobressaltos entre angústias e inquietações. O carro aurifulgente do êxito roda invariavelmente sobre desaires sem conto ou é constituído, não raro, com o material de muitas dores injustificáveis. Detém a imaginação!... As paisagens espirituais do teu domicílio devem chamar-te a atenção e o zelo. Os sofrimentos que te chegam de outros ninhos domésticos, onde a felicidade aparente antes triunfava, são sinais de advertência que não podes ignorar. Em rebeldia, conjecturas que estás sitiado por mil desgostos. Há, no entanto, mil outras concessões que te chegam e que são escassas noutros lugares.

Exercita a gratidão aos Céus e proclama tua comunhão com o Alto, mantendo atitude serena e bendizendo os favores que te chegam. Abaixo da posição em que te encontras, muitos rastejam famélicos, vencidos, pois, desabrochando sorrisos, muitos lábios estão com os maxilares em trismos de angústias... Rei Solar, Jesus não desdenhou as experiências da dor no caminho dos homens. Compreendendo, sábio, que a escalada do êxito terreno é ingrata, preferiu aparecer na condição de Mensageiro do Amor, em vez de se apresentar como conquistador glorioso em sólio esplêndido, para lecionar com segurança a ascensão integral.  

Bendize, pois, seareiro da luz, a tua quota de dor no oceano de tantas dores e renova-te para o êxito real e intransferível: a vitória sobre as tuas próprias paixões”. 


 

[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, cap. V, item 3.

[2] - Mateus, 5: 5 e 6; Lucas, 6: 20 a 25.

[3] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. V, itens 6 e 7.

[4] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo.125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. V, item 10.

[5] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo.125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. V, item 12.

[6] - FRANCO, Divaldo. Lampadário Espírita. 2. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1971, cap. 31.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita