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por Eleni Frangatos

 

Caridade e "o homem do poço"


Domingo passado, estava eu preguiçosamente deitada no sofá, zapeando pela TV, sem prestar muita atenção, quando, de repente, vejo o Rodrigo Faro abraçando um homem humilde, franzino de compleição, meio encabulado, mas com uma firmeza no olhar que me chamou a atenção. Parei ali sem nem saber bem a razão – fiquei olhando e um misto de admiração, e de vergonha, foi crescendo no meu peito – e do nada percebi que estava sendo testemunha de uma grande lição de vida.

Pois pensem em Caridade e me acompanhem neste simples relato que vai nos mostrar o que é realmente CARIDADE – aquela de que tanto fala a Doutrina Espírita e sem a qual não há salvação.

Rafael, um cearense pequeno, seco de carnes, morando num vilarejo no interior do Ceará, naquela secura agreste, onde a vegetação já nasce seca, onde o calor do sol é tórrido, tudo esturrica e a sede e a pobreza são constantes, permanentes.

A casa de Rafael muito humilde, pobre, abriga Rafael, a mulher e uma filha de tenra idade.

Esse homem desempregado, sem dinheiro para sobreviver e desesperado porque a família e a comunidade não tinham água sequer para beber, quanto mais para cozinhar, tentou vários lugares escavando aqui e ali na procura do precioso líquido. O resultado era sempre negativo, a água não aparecia...

Uma noite, Rafael teve uma intuição, diz o Rodrigo Faro que ele ouviu Deus falando com ele, e resolveu que, ali mesmo onde dormia, haveria de encontrar água. Ele conta que foi a sua Fé inabalável que o levou a fazer algo que ninguém pensaria fazer.

O que decidiu aquele homem? Levanta, puxa a cama e outros parcos móveis para outra salinha e começa a cavar um poço dentro do próprio quarto.

Rafael levou 9 dias para completar um poço de quatro metros de profundidade por 1,80 de diâmetro. Haja poço! Haja trabalho árduo! O quarto sumiu é um buraco só!

Nesse período ele vendeu o pouco que ainda tinha em casa, um botijão de gás, uma motoca velha de 50 cilindradas, a também velha bicicleta da mulher... enfim, tudo isso para juntar míseros recursos para comprar o material necessário para a escavação do poço.

E agora vem a noção do que é CARIDADE de verdade.

Rafael encontra água boa, limpa, e alegra-se com isso, porque sua família não sentirá mais a falta dessa água bendita.

Mas Rafael, não contente com isso, chama os vizinhos e dá, oferece, distribui, reparte a água e não cobra nada por ela. Seus vizinhos fazem fila na sua porta, gente tão ou mais necessitada do que ele.

E, quando questionado pelo apresentador, se ele cobrava pela água, ele de cima de sua magreza, de sua pouca altura, se agiganta a nossos olhos quando diz com pureza e toda simplicidade:

- Eu não podia cobrar de meus vizinhos. Se eu fosse cobrar um real, esse real ia faltar para eles comprarem um arroz ou um feijão. E também não posso cobrar, porque a água nos é dada por Deus.

Para terminar esta quase Parábola, ao ser premiado pela sua coragem e caridade, quando o primeiro cheque de 10 mil reais lhe é entregue e Faro lhe pergunta o que vai fazer com esse valor, ele responde de novo com a humildade e a firmeza de um quase Jesus do sertão:

- Vou cavar mais poços para a comunidade!

E Rodrigo Faro insistia: mas este dinheiro é para você e não para os outros. Ele meneou a cabeça como que concordando, mas o seu olhar firme dizia o contrário: sua decisão estava tomada, ele iria gastar esse valor em mais poços para a comunidade... e pronto!

Pela idade e por tudo quanto já vivenciei nesta vida e não foi pouco, tenho o direito de chorar sem ter que me desculpar. Foi o que fiz.

Fiquei ali engolindo em seco, me questionando muito e refletindo muito sobre CARIDADE – a genuína, a autêntica, aquela de que Jesus falou tão claramente e que nós, em nossa arrogância, torcemos e distorcemos a nosso bel-prazer, nós a adequamos à nossa zona de conforto.

E pergunto:

- Qual de nós iria cavar um poço no nosso quarto para que toda a comunidade e nós mesmos tivéssemos água para beber e cozinhar? E qual de nós, se o fizéssemos levando em consideração apenas nosso clã familiar, deixaríamos de cobrar pelo menos um real aos vizinhos, mesmo sabendo que esse real faria falta para a alimentação deles?

Faça-se essa pergunta. Imagine sua casa, seu quarto, e um poço enorme. Você dormindo na sala, mal acomodado, e seus vizinhos entrando na sua casa com baldes e recipientes, a qualquer hora do dia ou da noite...

Estudamos muito a Doutrina Espírita, sabemos que o estudo é essencial, mas somos tão parcos na caridade que praticamos.

Oferecemos roupas e calçados usados, porque já não são de qualquer serventia para nós. Se um mendigo bate à nossa porta e pede algo para comer, quantos de nós damos uma comida que está na geladeira já há uns dias, gelada, e que iria para o lixo... Gente há que arranca até os botões bonitos de uma blusa ou de um casaco e doa a roupa sem botões... se alguém duvidou, garanto que isto é verdade, porque eu já vi e não foi apenas nem uma e nem duas vezes!!! Quando se pede uma contribuição para as cestas de Natal, ou de outra ocasião, em geral, vem um valor mínimo, acompanhado de mil desculpas de que a vida está difícil, estamos em crise, não há dinheiro para nada; ou então, o ego se sobrepõe e doa-se até mesmo um valor mais elevado, mas que é bem “apregoado” para que todo o mundo do Centro Espírita saiba que aquele foi um dos doadores que mais contribuiu.

Caridade é também ouvir alguém que esteja precisando desabafar, mas quando um amigo nos procura para se aconselhar, contar algo em segredo, quantas vezes, mal a pessoa se afasta, e vamos logo comentar com outro amigo ou alguém de nossa família o que segredo deveria ser e ficar para todo o sempre e esquecemos que um amigo outro amigo tem, e tudo se espalha maldosamente por debaixo dos panos – que maldade! Oh, falsa caridade!

E no Centro? Enchemos o peito de contrição hipócrita, colocamos um olhar de unção falso, e quantas vezes nas preleções falamos de caridade, uma caridade irreal, fictícia, utópica, surrealista.

Fora do Centro, no nosso dia a dia na rua, quantas vezes chega a nós um ser humano pobre, cansado desta vida, os olhos mortos e sem esperança, com fome e estende a mão.

O que faz a maioria? Desvia o olhar, faz de conta que não viu, ou até escuta: - Vai trabalhar seu vagabundo, você pensa que dinheiro cresce nas árvores, cachaceiro?

São todos assim? Não! Graças a Deus, NÃO. Mas a verdade deve ser dita: a maioria é assim, infelizmente.

E ficou martelando na minha cabeça, com a insistência de bate-estacas, me perguntando que caridade é essa que praticamos?

Essa caridade de que tanto se fala, mas que é realmente praticada por tão poucos no seu verdadeiro sentido de compaixão e amor pelo próximo.

Que exemplo de coração generoso, esse cearense pobre e humilde, de nome Rafael!

Se você não assistiu, entre na internet e procure no Google, programa de Rodrigo Faro, “o homem do poço” e assista.

Para ser caridoso, generoso, abnegado, altruísta, não precisa de muito estudo. Não estou aqui fazendo a apologia do não-estudo. O estudo é essencial, mas de que adianta um erudito de coração indiferente, frio, arrogante, egoísta?

O nosso querido Divaldo Franco, sendo entrevistado pelo Jô Soares, disse com a franqueza e singeleza que o caracterizam falando das várias facetas da caridade e, às tantas, completa: “Eu respeito mais um ateu digno do que um religioso hipócrita”.

Rafael é o exemplo do homem do sertão, com pouco estudo, mas com um coração iluminado, com a bondade que atende primeiro a seus irmãos e depois a si mesmo, se der tempo ou se sobrar alguma coisa – a verdadeira caridade.

Meditemos sobre este exemplo de vida. Adotemos a essência de sua caridade, porque Rafael só pode ter tido Jesus como seu Mestre direto.

E, como disse Fernando Pessoa, o grande poeta português, no seu poema Liberdade:

 

Mais que isto

É Jesus Cristo,

Que não sabia nada de finanças.

Nem consta que tivesse biblioteca...

 

 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita