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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Na hora do testemunho


Aprendemos através das sábias lentes espiritistas que não há, na obra divina, privilégio de espécie alguma. Em decorrência disso, cedo ou tarde somos convocados a mostrar o valor da nossa fé e a profundidade da nossa crença. Posto isto, creio que posso comentar, apenas para ilustrar, o que se sucedeu comigo recentemente.

Minha querida companheira Edméa, com quem convivi por 27 anos, sempre levou muito a sério – como espírita sincera – a prática da caridade. Militante dedicada da doutrina sempre considerou essencial a necessidade de ações concretas em benefício do próximo. Em sua trajetória de mais de 55 anos de labor a favor dos ideais cristãos espíritas, levou, com absoluto fervor, tal missão. Além disso, presidiu por 15 anos determinado centro espírita na cidade de São Paulo, onde divulgou, compartilhou e elucidou, por meio de cursos e contatos com frequentadores e colegas, o rico conteúdo oferecido pela doutrina dos Espíritos. No entanto, a minha querida companheira sempre apresentou a saúde fragilizada. Durante a sua existência lutou bravamente contra várias enfermidades, especialmente as de natureza cardíaca e respiratória.

Em meados de julho último, adentramos às pressas num pronto-socorro com suspeita de “água” nos seus pulmões. Ato contínuo, os médicos drenaram 1,5 litro que lhe dificultava sobremaneira a respiração. Houve ainda a necessidade de se fazer outro exame suplementar (tomografia do tórax). Tomadas as primeiras medidas, o Plano de Saúde encaminhou-a a certa unidade hospitalar e, dois dias depois, fui convocado para uma séria conversa com os médicos, que me apresentaram um diagnóstico devastador: ela tinha um câncer de pulmão em estado terminal.

Para eles não havia mais possibilidade de intervenção cirúrgica ou qualquer outro tipo de tratamento alternativo, dada a magnitude do tumor. Diante da espinhosa revelação, fui tomado por imenso choque emocional. Em segundos repassei mentalmente todo o esforço despendido por ela ao recorrer a vários especialistas com frequência regular. Mas, paradoxalmente, nenhum deles percebeu a gravidade ali presente, e, assim, os tratamentos eram invariavelmente ineficazes. Definitivamente, por algum motivo “inexplicável”, não conseguiam alcançar o âmago do problema. As teias do acaso estariam operando ali? Obviamente, não. Afinal, em tudo há uma razão de ser, uma explicação, mesmo que aparentemente oculta.

Curioso, entretanto, é que no último estudo do Evangelho dominical – hábito que cultivamos durante toda a nossa relação – que antecedeu esse doloroso périplo, minha companheira divisou, através da sua capacidade de vidência, o Espírito da sua mãezinha, desencarnada há muitos anos atrás, sensivelmente rejuvenescida – conforme me relatou –, bem como uma de suas tias. Desse modo, enquanto eu lhe aplicava o passe energético, a tia me dava sustentação pela dimensão extracorpórea, numa inequívoca demonstração de que a vida continua estuante após a morte, assim como dos inquebrantáveis laços de amor. Ademais, a visão fora sintomática, isto é, prenúncio de que algo sério estava por acontecer como, de fato, se confirmou posteriormente.

A mensagem lida e interpretada naquela noite inesquecível – do livro Caminho, Verdade e Vida do Espírito Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier) –, cujo título era “Para Testemunhar”, fora peremptória. Nela, o benfeitor tece magníficos comentários a respeito das necessidades espirituais humanas. Por exemplo, ele afirma que: “Naturalmente que o Mestre não folgará de ver seus discípulos mergulhados no sofrimento. Considerando, porém, as necessidades extensas dos homens da Terra, compreende o caráter indispensável das provações e dos obstáculos”.

Em outro trecho, ele aduz: “O amigo do Cristo não deve ser uma criatura sombria, à espera de padecimentos; entretanto, conhecendo a sua posição de trabalho, num plano como a Terra, deve contar com dificuldades de toda sorte”. Explicitando com mais clareza ainda o seu pensamento iluminado, ele pontua: “[...] Quando o Mestre convida alguém ao seu trabalho, não é para que chore em desalento ou repouse em satisfação ociosa”. Por fim, ele arremata ao lembrar-nos que: “Se o Senhor te chamou, não te esqueças de que já te considera digno de testemunhar” (ênfase minha).

Devo confessar-lhes, com toda franqueza, do inesperado impacto que sentimos. Apesar disso, sabíamos que não havia outra coisa a fazer a não ser cumprir o nosso destino, consoante a vontade do Pai. Depois de 28 dias de intenso sofrimento – estive ao lado dela durante todo esse período acompanhando a sua luta –, minha querida companheira desencarnou. Ela teve uma existência de muita dignidade, e enfrentou o seu testemunho com sorriso e resignação até a hora derradeira, a ponto de gerar imensa simpatia, respeito e afeto por parte da equipe médica e dos que a conheceram. Indubitavelmente, ela deixou um lindo exemplo.

Até um dia, minha querida Edméa! Até a eternidade!
 


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita