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por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

  

As iniquidades da política


Conhecem-se, parcialmente, as movimentações pessoais e de grupo, para a ascensão e permanência em determinados cargos e funções, recorrendo-se, em muitos casos, a jogos de grandes trocas de influências, favores e, por vezes, fica-se com a sensação de que “Vale Tudo”, incluindo o que de mais negativo se possa imaginar nos comportamentos humanos.

Luta-se, algumas vezes, desesperada e traiçoeiramente, até contra aquelas pessoas que nos fizeram bem, que eram verdadeiramente nossas amigas, porque mais importante do que os valores humanistas do SER é o TER, possuir, ainda que à custa de méritos fabricados, de notoriedades exigidas, de posições de relevo público, que proporcionam privilégios de toda a ordem.

É interessante retirarem-se algumas ideias de quem, no terreno, porta-a-porta, vai tentando reunir pessoas, com caraterísticas heterogêneas e complementares, para se constituir uma equipe que reúna as melhores condições para desenvolver projetos de interesse público, para o bem comum, em que todos são beneficiados. As reações de muitas das pessoas contactadas são preocupantes, levam-nos a ter que parar para pensar.

O que se verifica é que as resistências são imensas, e as recusas são muitas: por um lado, parece existir um certo medo instalado; por outro lado, uma muito caraterística mentalidade, segundo a qual é melhor não nos envolvermos em certas atividades e estarmos de bem com todas as pessoas. Esta visão da participação na vida pública é, simplesmente, inquietante.

Com efeito, se se pensar que as pessoas não participam com receio de represálias, é possível que exista algum exagero, e/ou uma análise distorcida sobre as realidades locais em geral, e em relação às pessoas em particular, porque, apesar de alguns obstáculos, temos o privilégio de viver num país democrático, numa sociedade pluralista, com pessoas de bem, de boa formação ético moral, à frente de prestigiadas instituições, que têm revelado imensas competências: pessoais, profissionais, morais, éticas e cívicas, demonstrando muita sensibilidade para escutar, avaliar e tentar resolver os problemas que lhes são colocados, a par de uma educação e respeito de elevadíssimos níveis.

Por vezes afigura-se-nos que uma autoalegada elite persiste em métodos que nada têm de comum com os valores de uma sociedade civilizada, com as boas práticas democráticas, com os mais elementares preceitos de boa educação, do dever ético moral de ajudar as pessoas que, em dados períodos das suas vidas, precisaram de auxílio, sabendo-se que quem detém o poder também é passível da tentação de abuso de autoridade que todo o poder confere, no contexto e esfera legal em que ele deve ser exercido.

Acresce um outro medo, o qual resulta da eventual possibilidade de prejuízos resultantes da tomada de posições, a favor ou contra determinadas realidades político-ideológicas. Quem tem uma qualquer dependência do público, este, enquanto potencial cliente de bens e serviços, receia sofrer através da perda desses mesmos compradores porque, possivelmente, não comungam de ideais idênticos e, como forma de o demonstrar, no exercício de uma mentalidade muito afetada por exemplos correntes e concretos, uns mais recentes, outros mais remotos, deixam de ser consumidores dos produtos comercializados pelos primeiros. Então, a solução encontrada por estes é não se envolverem em nenhuma atividade que possa ferir outros ideais ou mesmo alguns preconceitos enraizados numa determinada cultura.

No que a um outro argumento é apresentado, para a recusa em participar, tem a ver com uma certa estratégia segundo a qual: “O melhor é estar de bem com toda a gente” ou, como se costuma dizer: “Agradar a Gregos e Troianos” e, ainda, “Estar de bem com Deus e com o Diabo” e assim, se não nos envolvermos em nada, e fizermos “boa” cara com todos, ninguém nos vai fazer mal.

Bom, este argumento que, infelizmente, até poderá ter algum fundo de verdade, não deveria colher a aceitação generalizada porque: “é praticamente impossível alguém dar-se bem com toda a gente, na medida em que nem todas as pessoas se dão bem comigo, logo, para eu me relacionar bem com toda a gente, sabendo eu que não sou bem aceito, considerado, estimado e respeitado por essa mesma gente, então, das três, uma: ou jamais serei aceito por toda a gente porque não agrado a todas as pessoas; ou, apesar de saber isso, se eu quero demonstrar que estou de bem com todas as pessoas e com elas me relaciono bem, então, talvez esteja a ser hipócrita, falso; ou, finalmente, não tenho o mínimo caráter, um pouquinho de vergonha e dignidade e, muito menos, respeito por mim próprio”. É impossível ser tudo, para todos, porque todos somos diferentes.

E se, em certas atividades, concretamente, todas dependem diretamente do público, é necessário utilizar-se um muito bem estudado e aplicado “marketing”; outras há que exigem, para quem assim for capaz de o fazer, sem vergonha nem sinceridade, um comportamento de simpatia, sorrisos, promessas e tudo quanto for de muito sofisticadamente afetivo, para captar, em certos períodos muito críticos, a adesão das pessoas, incutir-lhes uma determinada orientação político-partidária para, no culminar deste período, as pessoas estarem convencidas de que devem apoiar esta ou aquela ideologia; este ou aquele projeto, acreditando em promessas e noutras pessoas que, depois de eleitas para os cargos que ambicionavam, depressa se esquecem da palavra dada e de quem as apoiou.

E, enquanto os argumentos referidos são sistematicamente invocados, na busca da constituição de listas político-partidárias, conotadas a uma determinada força política, para as autarquias locais, ao nível das Assembleias de Freguesia/Juntas de Freguesia das pequenas comunidades rurais e semiurbanas, parece que já em relação à formação de equipes para as Câmaras Municipais, Assembleia da República e Parlamento Europeu, a dificuldade está em excluir tanta gente interessada, ao ponto de se verificarem conflitos internos nos próprios partidos e forças políticas proponentes, incluindo, de quando em vez, a demissão de personalidades que: ou não são integradas naquelas listas; e/ou alguém indicado por elas fica em lugar não elegível ou mesmo de fora.

Por outro lado, também é do domínio público que nas eleições para as grandes instituições nacionais e internacionais, os candidatos concorrentes partem como que protegidos por símbolos diversos, incluindo os de um aparelho partidário, e que é a força do partido que vence, porque muitos candidatos nem sequer são minimamente conhecidos dos eleitores, aliás, aqueles, quando figuras ditas importantes, se necessário, até se apresentam num círculo eleitoral, a centenas de quilômetros da sua área de residência, porque o importante, sob todos os aspetos, é ser-se eleito para órgãos de prestígio nacional e/ou internacional, que proporcionam jogos de influências, que são financeiramente bem remunerados e desfrutam de benefícios de sócio estatutário acima da média do comum dos eleitores.

Poder-se-á analisar o grau de exigência, a dimensão das responsabilidades e os requisitos para se ser integrado numa lista para a eleição a um determinado órgão do sistema político, depois, comparar com o que se pede à maioria dos candidatos, por exemplo, às Assembleias/Juntas de Freguesia da esmagadora maioria das autarquias locais, bem como o nível de comprometimento, conhecimentos, experiências e, eventualmente, habilitações literárias que lhes são exigidos.

No entanto, pergunte-se: a) Quantos autarcas das Câmaras Municipais e das pequenas e médias freguesias já foram julgados e condenados por alegados crimes, nomeadamente de corrupção, desvio de fundos, peculato, falsificação de documentos? b) Quantos deputados dos parlamentos nacionais e europeus foram sentenciados por idênticas infrações? c) Quantos membros dos governos nacional e europeu já forma castigados por semelhantes violações?

Pode-se, com direito ao contraditório, defender que, afinal, Presidentes de Câmara ou de Junta de Freguesia têm muito mais responsabilidades do que outros eleitos para órgãos de natureza legislativa e, inclusivamente, estão sujeitos a mais vulnerabilidades porque, sendo órgãos executivos, quantas vezes sem grandes apoios dos poderes centrais, para resolverem problemas complexos, de natureza social, cometem irregularidades, não em proveito próprio, mas para mitigar situações de autêntica miséria.

O Poder Local, ao nível das freguesias, tem sido, de fato, o parente pobre do sistema democrático. Os representantes do poder local ainda são vistos, por diversos políticos e muitos cidadãos nomeados, como uma alavanca para os projetar para órgãos de soberania, prestigiantes, influentes e rentáveis.

Ainda há quem olhe para os autarcas das freguesias rurais como uns cidadãos semianalfabetos, ou pouco menos, que sendo populares no seio das suas comunidades, são considerados excelentes “catalisadores” de votos que, no terreno, no “dia a dia”, no “cara a cara” com o povo, vão-se defendendo como podem, e ainda protegem a força política que representam, bem como os candidatos a cargos de superior categoria, prestígio e benefícios e, indiretamente, todos os que depois vão ser nomeados para secretariados e assessorias.

São também, e em certa medida, aqueles autarcas que, genuinamente, prestigiam e dão sentido à verdadeira democracia, que em muitas aldeias portuguesas mais se aproxima de uma democracia direta, isto é: os eleitos sempre no meio do povo, com o povo e preocupados com o seu povo.

Onde está o respeito pelas autarquias locais ao nível das Assembleias/Juntas de Freguesia? Onde está o reconhecimento pelo serviço prestado e a desenvolver por estes autarcas? Onde está a dignidade que a Nobreza do Poder Local Democrático das Freguesias deve merecer dos restantes órgãos de soberania? Quem está verdadeiramente ao lado dos autarcas das freguesias? Seguramente, o povo simples, anônimo, generoso, a quem retiraram, em mais de mil freguesias, o seu único “baluarte”?

A imposição da fusão das freguesias revela bem a consideração e o respeito que existe por estas autarquias locais, demonstra, inequivocamente, sob a capa de um qualquer argumento econômico, de uma alegada poupança de uns miserabilíssimos euros que, provavelmente, até será uma quantia ínfima se comparada com gastos luxuosos e supérfluos noutros níveis do poder, que os milhões de cidadãos, apoiados pelas suas Assembleias/Juntas de Freguesia, são cidadãos de segunda ou terceira categorias e que os seus autarcas são meros “peões”, jogados ao sabor de certas conveniências.

Peremptória, mas respeitosamente, deixa-se aqui o desânimo democrático de um tal estado de coisas. Rejeita-se aqui a indiferença e a humilhação que querem impor, apenas e por enquanto, aos autarcas das freguesias. Apela-se agora ao bom senso, aos valores magnânimos da democracia que no Poder Local das Freguesias têm, por ventura, o seu expoente máximo, conseguindo resultados fantásticos para a melhoria das condições de vida das populações.

É justo que se corte no suntuoso, no supérfluo, se apoie mais os carenciados, os desprotegidos, vulneráveis e enfraquecidos pelas agruras, quantas vezes de uma vida de privações, de doença, de sofrimento. São as Autarquias Locais, ao nível das freguesias, através dos seus eleitos, que melhor conhecem estas situações de um país que caminha para os vinte por cento da população no limiar da pobreza e a passar fome: crianças, jovens, adultos e idosos que já comem das “marmitas” que as Instituições de boa vontade vão distribuindo, quase pela calada da noite, nas grandes cidades. Que procuram nos caixotes do lixo alguns alimentos, roupas e outros objetos de primeira necessidade.

É por tudo isto que a dificuldade em constituir listas de cidadãos para as pequenas freguesias é muito difícil e, eventual e compreensivelmente, muitas pessoas, para este nível do poder local, não se querem envolver, todavia e talvez porque o regime esteja inquinado, se forem convidadas, algumas até serão “empurradas” e aconselhadas para outros níveis do exercício do poder político, seja de eleição, seja de nomeação, independentemente da experiência e da idade, elas surgem em altos e muito bem renumerados cargos. Tais cidadãos, muitos, ainda jovens, que até serão o futuro do mundo, deveriam passar, primeiro, pelo terreno; depois, para os gabinetes.

Todos estes jovens, depois de obterem estudos muito importantes em diversas áreas científico-tecnológicas, são necessários ao desenvolvimento do país, para contribuírem para a qualidade de vida das pessoas, referindo-se aqui, apenas, e a título de exemplo: médicos, enfermeiros, professores, investigadores, engenheiros, arquitetos, juristas e muitos outros profissionais qualificados, os quais poderiam dar a sua cooperação, no terreno, no seio das populações das nossas freguesias, em vez de emigrarem e colocarem ao serviço de outros  povos o que aprenderam no seu próprio país, à custa dos impostos dos seus concidadãos.

É urgente dignificar o poder local das freguesias, atrair os nossos jovens para esta primeira realidade da governação. Os jovens têm de ser incentivados a iniciarem a sua participação cívico-política no terreno das dificuldades, perante as situações concretas e complexas das populações para, um dia mais tarde, nos gabinetes da “alta governança”, saberem decidir com verdade, realismo, sabedoria, justiça e magnanimidade, porque, para se tomarem boas, sábias e íntegras decisões, é preciso conhecer-se a realidade profunda da sociedade.  

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita