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por Eurípedes Kühl

 

Síndrome do calvário


O Natal é data de comemorações, religiosas principalmente, festejando o nascimento de Jesus Cristo. É data considerada sagrada por uns, simplesmente de alegrias para outros.

Modo geral, o Natal movimenta fortemente as forças vivas dos países cristãos, incrementando o comércio (e o consumismo...), o turismo, mas principalmente as reuniões familiares.

Tudo isso, no “mundo cristão”, formado por 2,18 bilhões* de pessoas que se declaram cristãs, ou pelo menos, adeptos da fé cristã, sendo que a Humanidade tem cerca de 7,6 bilhões de pessoas**.

No Natal, também, a alegria é contagiante, espontaneamente induzindo as pessoas à união, à afetividade, ao companheirismo — ao amor, enfim. É época para balanço de vida para alguns, despertando-lhes promessas de humanitarismo e de correção de rota vivencial, que depois nem sempre se concretizam. Infelizmente.

Porém, de forma estranha, inexplicável, à aproximação do Natal, pessoas há sem os sentimentos acima; ao contrário, cultuam solidão, percebem-se carentes de amizades, excluídas de demonstrações carinhosas e fraternais; ausentes de humor, tristezas visitando-as, passam a demonstrar apatia, melancolia, insensibilidade quanto ao mundo que as rodeia. Passadas as comemorações, voltam ao normal.

É que, na época do Natal, e apenas nessa época, ano após ano, afloram comportamentos diferentes em algum parente, amigo ou apenas em conhecidos. Atônitas, pessoas que os observam veem que eles não sentem, como a maioria, o intenso significado do Natal.

Angústia mal disfarçada é grave e traz à tona sentimentos confusos, altamente comprometedores quanto à vontade de viver...

E então, eclode a depressão, por vezes prolongada, mas passageira na maioria das pessoas melancólicas, tão logo terminadas as festividades natalinas.

É que a pujança da vida induz a todos retornarem às suas responsabilidades, com a rotina das jornadas diárias de cada um.

Subsiste a candente pergunta:

— Por que só no Natal algumas pessoas mudam o comportamento, declaradamente ficando depressivas?...

Psicólogos, muitos, se manifestam, respondendo a essa interrogação, sugerindo que tal se dá naqueles que têm mágoas, dificuldades financeiras, desamores, lembranças negativas, às vezes rancor por alguém, desemprego, doenças reincidentes, perda de entes queridos, e tantas outras realidades que causam tristezas.

É nesse ponto que o Espiritismo, com claridade solar, oferta à razão reflexões que esclarecem e confortam os que passam por tais tristezas, justamente quando tudo em volta é alegria — Natal, Natal!

Como espírita, formulo respeitosa hipótese, remontando ao que aconteceu lá em Jerusalém, quando a mesma multidão que acolheu Jesus no “Domingo de Ramos”, diante do mais infame plebiscito da História, açulou Pilatos, gritando sobre o Mestre: “que seja crucificado”!

É precisamente aqui que, com todo o respeito, e apenas a título de hipótese, reflito que alguns dos hoje tristes na época do Natal, talvez — só talvez —, sejam os mesmos que induziram o poder romano a crucificar Jesus, o que ocorreu no monte denominado Calvário (ou Gólgota). Efetivada a maior ingratidão de todos os tempos — até a eternidade —, o tempo encarregou-se de mostrar, senão a todos, ao menos para a maioria daqueles açuladores, o terrível equívoco que cometeram.

E hoje, ralados de remorso, ata­vicamente angustiados no subconsciente, relembram aquele erro e por isso manifestam a dor do arrependimento. Acontecendo isso, essa seria a “Síndrome do Calvário”.

Obs.: Desaconselhável atirar a primei­ra, segunda ou terceira pedras: eu próprio, ou qualquer outro, com ou sem nostalgia no Natal, podemos ter estado lá, em Jeru­salém, como partícipe da infâmia...

No livro "Vida de Jesus", de Antônio Lima (1864-1946), Ed. FEB/RJ-RJ, cuja 1ª Ed. data de 1939, na abertura encontra-se comovente exposição do autor, parte da qual transcrevo:

"DE JOELHOS - Amado Mestre Jesus - Outrora fui decerto um dos sicários que gritaram contra ti, impondo a Pilatos: "Crucifica-o!".

Quero resgatar uma centésima milionésima parte da minha antiga dívida. Aqui deponho às tuas sagradas plantas esta mísera migalha da minha pobreza mental - oásis onde me refugiei para balbuciar timidamente um poema indigno da tua excelsitude, para soluçar vexado um abafado cântico ao teu amor inefável.

Temo agravar o meu delito pela audácia em er­guer os olhos para o teu augusto sólio. Com tinta, outros disseram da tua obra. Eu, foi com soluços de arrependimento que escrevi e orvalhei estas laudas - foi em lágrimas de sangue que molhei a pena”.

A sublimidade do Natal é abençoada oportunidade de resgate para os que por algum motivo sintam tristezas, melancolia e depressão: vivam com Jesus em seus corações e atos, o que os libertará da nostalgia.

Vinte séculos se passaram e, confiantes na Justiça Divina, relembrem as últimas palavras do Mestre Excelso, antes de expirar: “Perdoai-os Pai, eles não sabem o que fazem”. Indispensável, também, o autoperdão...

 

* Segundo relatório do Instituto de Pesquisa americano Pew Research Center, na internet;


** Segundo dados da ONU, referentes a 2017.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita