Cinco-marias

por Eugênia Pickina

 

Avós: tempus fugit


Mãe, amanhã você vai trabalhar?

Sim, meu querido.

E com quem ficaremos?

Com sua avó, claro!


Diferente de ontem, quando possuíam um papel periférico na infância de seus netos, muitos avós hoje assumem de modo assíduo o cuidado com os netos e, por isso, estão em todas as partes: nas portarias dos colégios, nos consultórios dos pediatras, nas antessalas dos dentistas, nas conversas com as psicólogas, nos shoppings empurrando carrinhos de bebês…

Colaborar com o cuidado dos netos é um elemento importante para a velhice, mas desde que exija dos avós uma quantidade moderada de empenho, pois do contrário o estresse e a ansiedade roubarão o lugar da saúde indispensável à velhice. Além disso, avós não têm energia para vigiar e educar constantemente uma criança pequena. Muitos sofrem também ao assumir os netos em conformidade com o péssimo modo terceirizado contemporâneo. Pois muitos pais hoje em dia fazem dos avós babás, motoristas ou cuidadores de finais de semana de seus filhos.

A ideia não é coibir a ajuda episódicaque a filha (advogada) solicita à mãe para cuidar da meninazinha de dois anos – e que ainda não frequenta o jardim de infância. Mas é preciso lembrar que os avós não são substitutos dos pais, e são os pais que devem marcar as pautas educativas de seus filhos, reservando espaço e tempo para estar com eles desde pequenos.

Em certas situações, os avós necessitam sinalizar limites aos filhos, pois o avô ou a avó não pode renunciar à própria vida para que os filhos tenham, por exemplo, vida social, frequentem academia ou saiam de viagem no fim de semana para desfrutar o ócio. Os avós já criaram os próprios filhos e por isso os pais podem recordar sempre: avós são avós, pais são pais, e cada um tem que assumir, frente à criança, o papel correspondente. 

Um dos livros que mais me toca o coração (e eu o releio sempre) é a novela autobiográfica de Charles Bertin – Un Jardín en Brujas – narrativa que alude à infância do autor marcada com vivacidade pela presença da avó Thérèse-Augustine, uma “pequena dama” sempre ávida por aprender, ela quem arrasta, o pequeno Charles, aos imensos territórios do saber, afirmando-se uma cúmplice das primeiras leituras e ótima companheira de aventuras. No decorrer do precioso livro, o escritor confessa: “desde que abandonaste el mundo de los hombres, tu memoria ha continuado brillando em mi alma como uma estrela.” *

Uma das coisas que mais me encantava em minha vida de infância era passar o dia na fazenda dos meus avós maternos. Quando eu chegava, uma sucessão de lições sensíveis e atos felizes: andar a cavalo com meu avô, brincar com os filhotes dos carneiros, entender mais sobre árvores e jardinagem; depois do almoço, a piazada e minha avó a bater bolo na cozinha, colher hortelã na horta, brincar no riozinho sem hora, e depois, todo mundo quieto na varanda, e para ouvir histórias, nossas almas abastecidas… 

Possibilitar momentos de puro afeto e larga sabedoria – não será isso que manifesta, ainda em nossa época, a natureza única dos avós?

Notinhas

Tempus fugit é uma expressão latina que significa “o tempo foge” (às vezes aparece “o tempo voa”).

Piazada é expressão coloquial sulista que significa “grupo de meninos” (grupo de crianças).

No Brasil, México, Espanha etc., muitos filhos de pais divorciados ou de pais trabalhadores estão cada vez mais sob os cuidados diários dos avós – muitas crianças diariamente dividem o tempo entre escola e avós, o que define, infelizmente, uma rarefeita convivência com os pais (pais noturnos ou pais de fim de semana). Nos Estados Unidos, estudos recentes apontam que mais de três milhões de filhos de pais divorciados, trabalhadores ou adictos são criados pelos avós. Na velhice, assumir a educação dos netos é atividade onerosa, que perpetua ansiedade, preocupação e estresse, o que prejudica a saúde dos avós. Com exceção das situações de doença, pobreza ou morte dos genitores, é importante cada qual em uma família ampliada assumir o seu justo papel. Em termos simples: pai é pai e avô é avô... E cada um deve agir conforme o combinado para evitar conflitos.


*Cf. Bertin, Charles. Un jardin en BrujasTraducción Vanessa G. Cazorla, Madrid: Errata Naturae, 2015, p.143

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita