Internacional
por Katia Fabiana Fernandes

Ano 12 - N° 576 - 15 de Julho de 2018

A pintura mediúnica de Florêncio Anton: transformando arte em solidariedade


Aproveitando a passagem de Florêncio Anton pela Europa, onde esteve recentemente proferindo palestras e encontros, em que pôde exercitar sua faculdade na área da pintura mediúnica, tivemos o privilégio de conhecê-lo e entrevistá-lo.

 

Florêncio Anton e a intérprete Silvia Gibbons na Sociedade Espírita
Francisco de Assis, em Londres

Nossa conversa ocorreu em Londres, capital da Inglaterra.

Num bate-papo bem descontraído, numa voz calma e com muita responsabilidade, Florêncio contou-nos a trajetória de sua vida desde criança até os dias de hoje, quando se utiliza da pintura mediúnica na divulgação dos ensinamentos espíritas.

Segundo ele, as comunicações começaram a acontecer na sua vida quando tinha 8 anos de idade, época em que ele ouvia vozes, via espíritos e presenciava os mais diversos tipos de fenômenos físicos em sua casa. A família, que na época não tinha nenhum conhecimento e, segundo ele, nenhum traquejo em lidar com as questões espirituais, reagiu de maneira muito ríspida, muito limitadora e um tanto agressiva até. Na escola de freiras, onde estudava, diziam que tudo aquilo que acontecia era devido à aproximação do demônio, porque ele não era batizado na Igreja Católica. Florêncio, então, sofrendo toda forma de pressão, passou muitos anos tentando repelir os espíritos com as costumeiras orações católicas. ”O que antes era natural, curioso, passou a ser amedrontador e ameaçador”, disse ele.

Numa passagem que aconteceu quando ele estava com sua avó, que tentava acalmá-lo, por conta do agitação que acontecia quando os espíritos se aproximavam, Florêncio então identificou uma pessoa que havia desencarnado de câncer naquela casa. Uma amiga de sua avó, babá de sua mãe, veio conversar com ele, citou seu nome e tudo o que havia acontecido com ela. Desde então passaram a lidar com sua mediunidade como algo genuíno, e a tratá-lo de forma mais condescendente e mais tranquila.

O primeiro contato com os livros espíritas

Numa certa ocasião, quando seus pais viajavam, Florêncio - muito traquina e curioso que era - foi bisbilhotar no guarda-roupa de sua mãe. Foi lá então que encontrou um compêndio de livros, as obras básicas da doutrina espírita. Vencido pela curiosidade e afoito pela leitura, ele vislumbrou ali conceitos que para ele não eram estranhos. “O livro tratava de manifestações do espírito, da imortalidade da alma, da existência de Deus e reencarnação”, conta-nos ele.

Foi aí então que, comentando o fato com outras pessoas, descobriu que na sua cidade, Tobias Barreto (SE), existia um centro espírita. Passou a frequentar a casa na sua adolescência, já participando na ocasião de estudos e trabalhos mediúnicos. Alguns anos depois, quando foi morar em Salvador, por conta dos estudos, passou a frequentar a Sociedade Espírita Leopoldo Machado. Em certa ocasião, numa reunião de educação mediúnica coordenada por Manuel Messias Canuto Oliveira, foi que a história com a arte mediúnica começou.

Florêncio conta que na segunda parte da reunião viu aproximar-se um grupo de espíritos muito diferentes, vestidos com roupas dos séculos 17, 18 e 19. Um dos espíritos aproximou-se dele e disse que no fundo da sala existia um armário com giz de cera e cartazes em branco e que precisavam daquele material para fazerem um exercício com ele. Ele perguntou-lhes: “O que vocês querem fazer?” Eles disseram: “Vamos pintar por seu intermédio”. Florêncio riu – ele diz que sempre teve muita Liberdade com os espíritos – e disse que não sabia desenhar coisa alguma. Os espírito respondeu então que a função dele era  fechar os olhos e se colocar em oração, que eles fariam o resto. Depois de entrar em transe e ter as mais diversas sensações, físicas e emocionais, Florêncio então “acordou” e viu, de fato, os cartazes pintados com uma qualidade muito boa, para surpresa de Florêncio e de todos. Essa mesma experiência se repetiu por algumas semanas com sucesso, até que os espíritos começaram a solicitar outros tipos de materiais.

Conta Florêncio, sorrindo: “Solicitaram pastel, e eu muito desconfiado. Porque pastel no Brasil é uma coisa que se come, aquela massa com recheio. Eu perguntei: onde já se viu pintar com pastel? Mas, quando fomos à loja, pastel era aquele pigmento prensado com óleo de linhaça. E disse: Olha, que coisa interessante!”.

A partir daí os exercícios continuaram a acontecer e no final de sete meses os grandes pintores foram-se aproximando. O primeiro quadro que recebeu dos mestres conhecidos foi de Renoir, seguido de Henri de Toulouse-Lautrec, Vincent van Gogh, Edouard Manet. “Estes foram os quatro espíritos que treinaram o meu psiquismo para a mediunidade pública de pintura”, esclareceu Florêncio.

 

Florêncio Anton e a obra de Cândido Portinari

 

Florêncio Anton e a obra de Picasso

 

Florêncio Anton e a obra de Van Gogh

Quando começaram as viagens ao exterior

Até o ano de 1999, Florêncio apenas fazia viagens a pequenas cidades do interior baiano. Foi então a partir desse ano, com a fundação do Grupo Espírita Sheila, que os convites para viagens ao exterior começaram a acontecer. “Hoje – informa ele – podemos dizer que já visitamos quase todos os países deste continente levando a mensagem espírita através da pintura mediúnica.”

Florêncio já produziu mais de 36 mil telas, executadas das mais diversas formas, por um grupo de 110 pintores desencarnados. A esse respeito, ele esclarece: “Acho importante deixar claro que o grande escopo deste trabalho não é apresentação de números ou de peripécias psíquicas, mas de abertura de espaço para a reflexão sobre a imortalidade da alma. Como eu sou espírita, eu me utilizo desta fenomenologia como uma alavanca de divulgação de princípios que acredito serem de excelência para a ressignificação do paradigma materialista que viceja na sociedade nos dias de hoje e que é responsável por muita infelicidade humana”.

Florêncio acredita que o Espiritismo tem verdadeiramente esta função: destruir o paradigma materialista e disseminar possibilidades de admissão de outro paradigma, o espiritual, em que o homem pense e se perceba espírito vivendo uma experiência transitória de aprendizagem por sobre a Terra.

Quando se prepara para uma sessão em que serão obtidas novas pinturas, Florêncio não tem conhecimento prévio do que vai acontecer. Diz ele que não pode nem mesmo garantir que os espíritos irão pintar. “Porque sabemos – acrescenta ele – que o médium não detém poder sobre a vontade dos espíritos. Então eu estou diante das pessoas e assumo o compromisso com muita boa vontade, de coração aberto e na esperança de que o fenômeno possa acontecer.”

Diz ele que chega ao local com a mesma expectativa das pessoas que lá estão. “Não sei a sequência ou quantos espíritos aparecerão. Sei o número de telas em branco que temos disponíveis, que poderão ser pintadas ou não. Só quando volto do transe é que vejo os quadros que foram pintados. O que acontece normalmente é que o primeiro quadro é de Renoir ou de Berthe Morisot, que são os coordenadores espirituais da equipe. Eles começam e harmonizam meu campo psíquico; depois se aproximam os outros escalados para o trabalho. Nem sempre são os mesmos pintores, mas os impressionistas franceses têm-se ocupado mais das atividades públicas, das formas mais inusitadas, com as duas  mãos ao mesmo tempo, com os pés, com a pouca utilização dos pincéis, com a não mistura das cores, com pano, com algodão, com cotovelo… rompendo todas as barreiras acadêmicas de pintar, sempre promovendo este espaço reflexivo em torno da imortalidade da alma.”

Para onde vão os recursos obtidos

Nessa trajetória, Florêncio diz que já aconteceram situações em que as telas foram pintadas em completa obscuridade, com filmagens com câmera infravermelha. “Isto também para convencer a mim sobre a veracidade do fenômeno, porque eu tenho uma mente cientista e estou construindo uma carreira acadêmica,  e obviamente eu não quero, como uma pessoa responsável, como uma pessoa séria, vender um falso positivo. E por isso mesmo os espíritos sempre trataram de me oferecer provas e evidências muito fortes de suapresença ao meu lado.”

Toda a renda decorrente da venda das telas reverte em benefício do Grupo Espírita Sheila, que atende hoje 85 crianças e um total de 46 famílias. O foco do trabalho social do grupo Sheila é a educação. Ao longo dos anos são oferecidos projetos nas áreas de música, artes, escrita etc. “É um projeto que eu penso seja inovador e o da construção do homem de bem” – explica Florêncio. “Nós trabalhamos valores cristãos com o conhecimento espírita, respeitando as crenças das crianças oriundas de diferentes religiões. O nosso maior objetivo mesmo é o desenvolvimento de valores de solidariedade e amor ao próximo.”

Paralelo a esse, existe também o projeto “Meu Lar”, se dedica à construção total  ou reforma de casas. A instituição oferece ainda bolsa de estudos para os afilhados que chegaram ao nível universitário. Todo esse trabalho se mantém graças às pinturas e à dedicação dos pintores desencarnados.

Concluindo a entrevista, Florêncio Anton falou-nos: “Eu costumo dizer que, simbolicamente, no terreno, na estrutura física da própria instituição, vamos encontrar tintas das mais variadas cores e nacionalidades diferentes. De maneira que eu sou muito grato à Europa e aos espíritas que lá residem, que me deram a oportunidade da transformação da arte em solidariedade”.
 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita