Clássicos 
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 59)

 

Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Como Platão define Deus?

Deus é o geômetra que opera eternamente. Não é, pois, como dizia Lutero, “um quadro vazio, sem outra inscrição além da que lhe apomos”. Deus é, ao contrário, a força inteligente, universal e invisível, que constrói sem cessar a obra da Natureza. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

B. Podemos dizer que a Natureza é um ser vivo e animado?

Sim. Segundo Flammarion, a Natureza é um ser vivo e animado, e mais ainda – um ser amigo. Onipresente, fala-nos pelas suas cores, pelos sons e pelos movimentos; tem sorrisos para as nossas alegrias, gemidos para as nossas tristezas, simpatia para todas as nossas aspirações. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

C. As leis da Natureza nos indicam que existe, por trás delas, uma inteligência ordenadora?

Evidentemente. As leis da Natureza nos têm provado que existe uma inteligência ordenadora, e essas leis – diz John Herschel – são não somente constantes, mas concordantes e inteligíveis. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)


Texto para leitura


1039. Deus – O prisma através do qual nos permitimos concluir a nossa demonstração geral é antes síntese que peroração; e se é verdade que a Ciência e a Poesia estão intimamente associadas na contemplação da Natureza, não podemos, judiciosamente, impedir o sentimento poético de se manifestar nestas últimas impressões que o panorama do mundo nos sugere.(Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.)

1040. Apenas, necessário fora nos consagrássemos agora a um estudo especial da causa divina, visto que por essa causa temos combatido de início, neste longo arrazoado, e todas as conclusões atingiram esse alvo supremo. Contudo, vale enfechá-las numa conclusão geral. Assim como o naturalista, o botânico, o geômetra, o lavrador, o operário ou o poeta, depois de examinar as particularidades de uma paisagem e galgar a colina de cujo cimo se abrangem os pontos estudados, volta-se por contemplar de conjunto a distribuição, o plano e a beleza do panorama, assim também, após o estudo particularizado das leis da matéria e da vida, apraz-nos a ele voltar e calmamente admirá-lo. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1041. Aos olhos da alma apraz embevecer-se na radiação celeste, que inunda toda a Natureza. Aqui, já não é a discussão, mas a contemplação recolhida da luz e da vida resplandecentes na atmosfera, que brilham no cromatismo das flores e refulgem nos seus matizes; que circulam na folhagem dos bosques e envolvem num beijo universal os inumeráveis seres palpitantes no seio da Natureza. Depois da potência, da sabedoria, da inteligência, é a bondade inefável o que se faz sentir; é a universal ternura de um ser misterioso sempre, fazendo sucederem-se na superfície do globo as formas inumeráveis de uma vida que se perpetua por amor e que jamais se extingue. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1042. A correlação das forças físicas nos mostrou a unidade de Deus, sob todas as formas transitórias do movimento. Pela síntese, o espírito se eleva à noção de uma lei única – lei e força universais, que valem por expressão ativa do pensamento divino. Luz, calor, eletricidade, magnetismo, atração, afinidade, vida vegetal, instinto, inteligência, tudo deriva de Deus. O sentimento do belo, a estesia das ciências, a harmonia matemática, a geometria, iluminam essas forças múltiplas e lhes dão o perfume do ideal. Seja qual for o prisma pelo qual o pensador observe a Natureza, encontra uma trilha conducente a Deus – força viva, cujas palpitações, através de todas as formas, ele as sentirá no estremecer da sensitiva, como no canto matinal dos passarinhos. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1043. Tudo é número, correspondência, harmonia, relação de uma causa inteligente, agindo universal e eternamente. Deus não é, pois, como dizia Lutero, “um quadro vazio, sem outra inscrição além da que lhe apomos”. Deus é, ao contrário, a força inteligente, universal e invisível, que constrói sem cessar a obra da Natureza. É sentindo-lhe a presença eterna que compreendemos as palavras de Leibnitz: “há metafísica, geometria e moral por toda a parte”, bem como o velho aforismo de Platão, que poderemos assim traduzir: Deus é o geômetra que opera eternamente.(Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.)

1044. É fora dos tumultos da sociedade mundana, no silêncio das profundas meditações, que a alma pode rever-se, em face da glória do invisível, manifestada pelo visível. É nessa visualização da presença de Deus na Terra que a alma se eleva à noção do verdadeiro[i] (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1045. O ruído longínquo do oceano, a paisagem solitária, as águas cujos murmúrios valem sorrisos, o sono das florestas entrecortado de anseios suspirosos, a altivez impassível das montanhas, tudo abrangendo de alto, são manifestações sensíveis da força que vela no âmago de todas as coisas. Abandonei-me, algumas vezes, a contemplar-vos, ó esplendores vívidos da Natureza, e sempre vos senti envoltos e banhados de inefável poesia! Quando meu espírito se deixava seduzir pela magia da vossa beleza, ouvia acordes desconhecidos escapando-se do vosso concerto. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1046. Sombras noturnas que flutuais pela encosta das montanhas, perfumes que baixais das florestas, flores pendidas que cerrais os lábios, surdos rumores oceânicos que nunca vos calais, calmarias profundas de noites estreladas, tendes-me falado de Deus, certo, com eloquência mais íntima e mais empolgante que todos os livros humanos! (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1047. Em vós encontrei ternuras maternais, blandícias de inocência, e sempre que me deixava adormecer no vosso regaço despertava alegre e venturoso. Coloridos de esplêndidos crepúsculos, deslumbramentos de clarores moribundos, visões de sítios ermos, que deliciosos momentos de ebriedade não concedeis aos que vos amam! O lírio desabrocha e bebe, em êxtase, a luz que derrama dos céus! Nessas horas contemplativas, a alma transforma-se em flor, aspirando, ávida, as irradiações celestes. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1048. A atmosfera já não é, tão somente, uma mistura de gases; as plantas deixam de ser simples agregados atômicos de carbono ou hidrogênio; os perfumes não se reduzem a moléculas impalpáveis e só derramados à noite, para resguardar as flores da friagem; a brisa embalsamada significa algo mais que uma simples corrente de ar; as nuvens não representam apenas vesículas de aquoso vapor; a Natureza não se oferece exclusivamente qual laboratório de química, ou gabinete de física... (Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.)

1049. Antes, pelo contrário, pressentimos em tudo uma lei de harmonia soberana, que governa a marcha simultânea de todas as coisas, que cerca os mais íntimos seres de uma vigilância instintiva, que guarda ciosamente o tesouro da vida em plenitude de pujança e que, por seu perpétuo rejuvenescimento, desdobra em potência imutável a fecundidade criada. Em toda esta Natureza há uma espécie de beleza universal, que a nossa alma respira e identifica, como se essa beleza ideal pertencesse unicamente ao domicílio da inteligência. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1050. Vésper que antecedes a noite! carro do Setentrião! Magnificências estelares! Misteriosas perspectivas de abismo insondável! Que olhar, apercebido de vossas munificências, poderia fitar-vos indiferente? Quantos olhares sonhadores se têm perdido nos vossos desertos, ó solidões do espaço! Quantos ansiosos pensamentos têm viajado de ilha em ilha, no vosso luminoso arquipélago! E nas horas da saudade e da melancolia, quantas pupilas molhadas têm baixado sobre os olhos fitos numa estrela predileta!(Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.)

1051. É que a Natureza tem nos lábios palavras doces, no olhar tesouros de amor e no coração sentimentos afetivos de uma preciosidade esquisita, e isso porque ela, a Natureza, não consiste somente numa organização corporal, mas também tem alma e vida. Quem quer que só a tenha entrevisto no seu aspecto material apenas lhe conhece a metade. A beleza íntima das coisas é tão verdadeira e positiva como a sua composição química. A harmonia do mundo não é menos digna de apreço do que o seu movimento mecânico. (Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.)

1052. A direção inteligente do Universo deve ser constatada ao mesmo título das fórmulas matemáticas. Obstinar-se em só considerar a criatura com os olhos do corpo e jamais com os do espírito é parar voluntariamente à superfície. Bem sabemos que os adversários vão objetar-nos que o espírito não tem olhos, que é um cego de nascença e que toda afirmativa, não originária dos órgãos visuais, perde todo o valor. Mas, isto também não passa de um conceito arbitrário e, ao demais, infundado. Temos visto que é possível, de boa fé, pôr em dúvida as verdades de ordem intelectual e que é em nosso próprio senso que se forma a convicção de toda e qualquer verdade. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1053. Transporemos, portanto, sem receio, essas mofinas objeções. Para nós a Natureza é um ser vivo e animado, e mais ainda – um ser amigo. Onipresente, fala-nos pelas suas cores, pelos sons e pelos movimentos; tem sorrisos para as nossas alegrias, gemidos para as nossas tristezas, simpatia para todas as nossas aspirações. Filhos da Terra, nosso organismo está em consonâncias vibratórias com todos os movimentos que constituem a vida da Natureza: ele os compreende e deles compartilhamos, de modo a nos deixarem n'alma uma repercussão profunda, a menos que o artifício nos tenha atrofiado. Congênita do princípio da criação, nossa alma reencontra o infinito na Natureza.(Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.)

1054. Para a ciência espiritualista, não mais se defrontam um mecanismo automático e um Deus retraído na sua imobilidade absoluta. Deus é potência e ato naturais; vive na Natureza, como nele vive ela. O Espírito se faz pressentir através das formas materiais, mutáveis. Sim, a Natureza tem harmonias para a alma, tem quadros para o pensamento, tem tesouros para as ambições do espírito e ternuras para as aspirações do coração. Sim, ela os tem, porque não nos é estranha, não está de nós segregada e somos um com ela. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1055. Ora, a força viva da Natureza, essa vida mental que reside nela, essa organização peculiar ao destino dos seres, essa sabedoria e onipotência no entretenimento da criação, essa comunicação íntima de um Espírito universal entre todos os seres, que coisa outra poderá significar senão a revelação da existência de Deus, a manifestação de um pensamento criador, eterno, imenso? (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1056. Que significam a faculdade eletiva das plantas, o instinto inexplicável dos animais, a genialidade do homem? Que será o governo da vida terrestre, sua direção em torno do seu foco de luz e de calor, as revoluções solares, a movimentação de mundos incontáveis a gravitarem conjugados no infinito? Que significará tudo isso, senão a demonstração viva, imperiosa, de uma vontade que subordina o mundo inteiro à sua potência, como envolve as nossas obscuridades na sua luz? Que será o aspecto espiritual da Natureza, senão pálida radiação da beleza eterna? – esplendor desconhecido, que os nossos olhos, desviados por falsas claridades da Terra, mal podem entrever, nas horas santas e benditas em que o divino Ser nos permite sentir sua presença. (Deus na Natureza – Quinta Parte. Deus.)

1057. As leis da Natureza nos têm provado que existe uma inteligência ordenadora. Essas leis – diz John Herschel[ii] – são, não somente constantes, mas concordantes e inteligíveis. E são fáceis de apreender com o auxílio de algumas pesquisas, mais próprias a estimular que a extinguir a curiosidade. (Deus na Natureza – Quinta Parte.Deus.) (Continua no próximo número.)



 

[i]     Bellarmin – Ascencio mentis in Deum per scalas rerum creatarum.

[ii]    On the Study of the Natural Fhilosophy.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita