Clássicos 
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 56)

 

Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Como explicar a vida de um rouxinol, seus cuidados com a prole, os atos do nascituro e tudo o mais que compõe a vida de uma ave?

Depois de descrever o que pôde ver na vida de um casal de rouxinóis e seus filhotes, Flammarion não tem dúvida em afirmar que aquele que criou o rouxinol, e quis nos alegrasse ele com o seu canto vespertino, é o mesmo que criou o mundo e houve por bem dar-lhe as leis da própria conservação. Não há ideia mais simples e majestosa, nem que mais satisfaça a nossa necessidade de conhecimento. Para negá-lo é preciso ser estólido ou vítima de aberração espiritual. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

B. O belo é o esplendor da verdade?

Segundo Platão, sim. E a Natureza, diz Flammarion, é verdadeiramente bela. Longe de desviar os olhos sempre que encontramos uma forma expressiva da beleza eterna, admiramo-la e reconhecemo-la tão sinceramente quanto o fazemos a uma verdade matemática. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

C. Qual é a mais vigilante das mães?

Para Flammarion não existe dúvida: a Natureza é a mais vigilante das mães. Qual a afeição mais tenra, o amor mais carinhoso, o devotamento mais extremado de mãe, qual a inteligência mais lúcida, a previdência mais sábia de um pai, que poderiam rivalizar com os cuidados incessantes e universais da Natureza, tão profusa, infatigável e prodigamente despendidos na proteção individual, ativa, a cada um de seus filhos? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)


Texto para leitura


980. Aludindo aos rouxinóis cujo ninho se lhe deparava bem próximo, Flammarion escreveu:

“Que família encantadora! E como prezam a vida todos os seis! Os raios solares coam-se através dos ramos, do vale evolam-se perfumes, é a vida a espanejar-se em luz nesta temperatura tépida de Maio. Por vezes, o minúsculo casal suspende a tarefa e contempla os filhotes com ar de contentamento e movimentos de cabeça significativos. Também se fitam silenciosos, colam-se as cabeças e confundem-se os bicos, como num beijo de amor.. Depois, ei-los como a se consultarem. Uma nuvem refrescou a atmosfera. O pai voou, a mãe aninhou-se, abrindo as asas de maneira a cobrir todo o ninho e, todavia, mantendo alto a cabeça, por ver o horizonte e sondar as redondezas. Mas, agora, eis que regressa o rouxinol e se coloca, tal como antes, na beira do ninho, a procurar o bico da companheira. É que chegou a hora do jantar da família e o chefe solícito lhe traz o cibo preferido. Quanto a ela, parece não lhe desprazer o regime, de vez que aspira, como inebriada, o manjar que lhe trazem. Tremem-lhe as asas, todo o corpo lhe palpita, enquanto o marido vai e volta num afã constante, carreando-lhe no bico um repasto completo. Muito lhes cabe fazer pela prole. Agora. ei-los sérios. Há 15 dias, passavam o tempo a cantar, a saltitar de galho em galho, a brincar, a amar... Agora, nada fazem assim, estão casados, chefes de família, responsáveis por uma nova geração. Até que os filhotes emplumem, precisam levar-lhes à boca o que mais convém na sua idade e preocupam-se já com o seu destino. Amam-nos e talvez eles não compreendam aquela afeição maternal. É possível que voem, tão logo a mãe lhes ensine a voar; é possível que subitamente a releguem a uma solidão definitiva, sem jamais se lembrarem da infância. A afeição é como os rios; desce e não sobe.” (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

981. Em que pensam, hoje, esse rouxinol e a sua companheira? Sem dúvida, ao cogitarem do futuro dos filhos, não têm em mente as profissões sociais e os princípios de honorabilidade que devem nortear todas as carreiras. Sem dúvida que não serão atormentados por cálculos econômicos, tantas vezes falaciosos para o homem. Mas aos que negam o instinto, perguntaremos: em que escola essa esposa, antes de ser mãe, aprendeu a construir o ninho que lhe haja de receber os ovos? Ela tinha apenas um ano e ainda não havia chocado: quem lhe ensinou a fazer esse ninho, precisamente assim e não de outro modo? Quem lhe teria falado de temperatura necessária à incubação e eclosão do ovo fecundado? Quem lhe diria que chocando, aquecendo por 15 dias aqueles ovos, facultaria a sua geração? Posição de constrangimento, apesar do alívio que experimenta, tornar-se-ia insuportável à sua vivacidade, se um determinismo instintivo não a amparasse. E quando os ovos vingaram, quem lhe disse que precisava sair do ninho e que, vivos e precisando subsistir os pequeninos seres, importava granjear-lhes alimentação adequada? Quem a forçou a passar mais quinze noites de asa aberta sobre o ninho, na mais fatigante das posições para uma ave que deve dormir sobre as patas? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

982. A estas, poderíamos juntar mil outras advertências. Hão de responder-nos que a primeira espécie aprendeu tudo isso pelo hábito, e que as tendências se transmitem por hereditariedade; mas é recair no mistério das gerações, é não mais que recuar o problema à primeira espécie, ou melhor ainda, se o quiserem – aos primeiros tipos, supostos geradores de todas as variedades. Ora, admitindo-se mesmo, contra toda a probabilidade, que a construção dos ninhos, a incubação e os primeiros cuidados com a prole sejam mostras de inteligência, não do instinto, e que as espécies tenham, sucessivamente, aprendido a proceder dessa maneira – o que, digamo-lo ainda uma vez, nos parece inadmissível – como resolver as questões atinentes à formação do ser dentro do ovo? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

983. Quem construiu o ovo, berço de uma geração futura? Quem criou e colocou o germe no centro desse ovo? Mediante um poder misterioso, um ser da mesma natureza dos pais vai mover-se neste fluido, o ovo incipiente vai sofrer a mais maravilhosa das metamorfoses, vai viver! Completada a transformação, surge uma ave! Assaz débil para expor-se fora, não se exterioriza e, enquanto aguarda, ei-la cercada pela clara do ovo, que é precisamente o alimento que lhe convém até o nascimento. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

984. Assim, pouco a pouco, se forma inteiramente, asas e patas se desligam, a cabeça sobreleva o peito, só lhe resta deixar a prisão e para isso o bico se reveste de um esmalte, que cai logo depois do nascimento. Com o bico assim aparelhado, ele se põe a quebrar a casca do ovo, até que consegue pôr de fora a cabeça. Utiliza, então, as asas e acaba por libertar-se inteiramente. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

985. Pois bem: – que os adversários, em tudo isto se esfalfem por formular as mais vastas e intermináveis teorias, que acumulem hipóteses sobre hipóteses, que recusem chamar instinto aos atos do nascituro, como da ave que o engendrou; que embrulhem o assunto com explicações tortuosas, confusas, e nem por isso deixamos de aí ter um fato natural, eloquente na sua simplicidade e que eles, os adversários, não poderão derrocar.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

986. Aquele que criou o rouxinol e quis nos alegrasse ele com o seu canto vespertino criou o mundo e houve por bem dar-lhe as leis da própria conservação. Não há ideia mais simples e majestosa, nem que mais satisfaça a nossa necessidade de conhecimento. Negar as leis conservadoras da vida é negar toda a Natureza. A nós nos parece que para ir a tais extremos é preciso ser estólido ou vítima de aberração espiritual. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

987. A verdadeira Ciência está muito longe de tais negações! Seria, na verdade, uma desgraça se o fruto da sabedoria redundasse em aniquilamento das leis que regem o Universo e constituem a sua unidade viva. Por que, pois, em face de fatos tão irresistíveis quanto os do instinto animal, não confessar uma verdade bela e tocante ao mesmo tempo? Será precisamente por bela e tocante que a recusam? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

988. Seríamos quase levados a supô-lo, pois nestas teorias materialistas, basta seja uma coisa agradável ao espírito para logo ser repelida. Esta, contudo, não é uma razão assaz suficiente. Para nós, ao contrário, contemplamos a Natureza em todos os seus aspectos. A verdade não pode deixar de ser bela e não é só Platão a pensar que o belo é o esplendor da verdade. A Natureza é verdadeiramente bela. Longe de desviar os olhos sempre que encontramos uma forma expressiva da beleza eterna, admiramo-la e reconhecemo-la tão sinceramente quanto o fazemos a uma verdade matemática. Não é a Natureza a nossa mãe? Onde já passamos horas mais deliciosas e instrutivas do que as vividas intimamente com ela, no seio das matas silenciosas? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

989. Contemplemos, na sua maravilhosa harmonia, a lei de continuidade da espécie humana, procuremos aprofundar a ordem misteriosa que preside à nossa geração e crescimento. Que maior prova de habilidade pudera dar a Natureza ao envolver cada sexo nessa atração indefinível, que o escraviza suavemente aos seus desígnios soberanos? Que sabedoria não nos testemunha ela, organizando, em bases rígidas, a vida oculta do ser em formação, que até o dia do nascimento se beneficia de uma existência inteiramente diversa da de todos os outros seres vivos? Que previdência não demonstra ao criar, para nutrição do tesouro oculto, órgãos diferentes dos que lhe haverão de servir na vida atmosférica e ao preparar para os primeiros dias a mais pura das ambrosias? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

990. Perguntemos às jovens mães quantos cuidados requerem esses recém-nascidos fragílimos e trêmulos. E, contudo, a Natureza ainda será a mais vigilante das mães. Qual a afeição mais tenra, o amor mais carinhoso, o devotamento mais extremado de mãe; qual a inteligência mais lúcida, a previdência mais sábia de um pai, que poderiam rivalizar com os cuidados incessantes e universais da Natureza, tão profusa, infatigável e prodigamente despendidos na proteção individual, ativa, a cada um de seus filhos? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

991. Sobre a previdência da Natureza, poderíamos escrever grossos “in-fólios”. Poderíamos perguntar se é por acaso e sem objetivo que as espécies mais fracas e expostas à morte são precisamente as mais fecundas, como sejam galináceos, perdizes etc., pondo dezenas de ovos fecundados e deixando, ao fim de um ano, centenas de rebentos, enquanto as aves de rapina, condores, águias etc. se apresentam, comparativamente, quase estéreis. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

992. Poderíamos, também, perguntar se é às cegas que a Natureza decora de encantos particulares os pequeninos seres sem força e sem amparo, despertando-nos interesse e atenção para essas cabecitas louras que, privadas de assistência, acabariam dormindo em seu berço um sono eterno. Poderíamos, ainda, invocar aqui o espetáculo integral da Criação vivente, mas, intimamente convencido da adesão dos leitores, neste particular, não insistiremos inutilmente. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

993. Parece-nos que esses eminentes trabalhadores fizeram entusiasmados o maior trecho do caminho e que, não possuindo vista telescópica capaz de distinguir o fim, esquecem que o progresso das ciências tem verdadeiramente um fim e estacam, inertes, depois de provarem uma capacidade ativa incontestável. Nossos opugnadores pretendem fazer ciência quando declaram que a organização dos seres não justifica o ascendente de um desígnio na Natureza. Em lugar de ciência, o que eles fazem é puro sistematismo, arbitrário, nisto como em tudo o mais. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.) (Continua no próximo número.)



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita