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por Leda Maria Flaborea

  
Não te afastes


No Evangelho de Mateus encontramos a seguinte frase de Jesus: “Mas, livra-nos do mal” ¹. Quantos já não pronunciaram essas palavras, seja em estado de preocupação verdadeira, seja pedindo ao Pai para nos colocar a salvo de perigos e tentações, na vida diária.

Em dois momentos, mostra-nos o Evangelho, Jesus faz essa solicitação a Deus: primeiro, na oração que nos ensinou, ao encerrar o Sermão da Montanha, dizendo “não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal”; e, depois, no Sermão do Cenáculo ou última ceia como é conhecida essa passagem, quando, despedindo-se dos discípulos, o faz em voz alta, para que ficasse gravada na mente dos amigos queridos a Oração dos Discípulos, na qual diz: “não peço que os tireis do mundo, mas, sim, que os guardeis do mal”. Nas duas ocasiões, Jesus roga o amparo e a sustentação a nós e aos discípulos e não o nosso afastamento do mundo. E por que Ele age assim?

Para entender isso é necessário compreender o homem no meio em que ele vive. O homem é um ser biológico, enquanto matéria; um ser psíquico, enquanto Espírito; e um ser social, enquanto relacionado com outros. Assim, quanto mais o homem evolui, mais aumenta a interdependência dele com as outras pessoas. Por isso, o progresso só acontece quando há trabalho em grupo, ajuda mútua. Sozinhos nos embrutecemos e nos debilitamos, porque somos seres gregários, criados para viver em sociedade, equipados com todos os instrumentos que possibilitam tal convivência. Dessa forma, vamos ajudando e sendo ajudados, aprendendo e ensinando, amando e sendo amados. Com isto em mente, é fácil perceber que só seremos úteis vivendo em grupo. Então, quando Jesus nos ensina, no Pai Nosso, para que Deus nos livre do mal, e pede a Ele que não afaste os seus discípulos do mundo, mas que também os proteja do mal, deixa claro que os homens não precisam isolar-se a pretexto de melhor servirem a Deus.

Se antigamente o isolamento de homens, que até hoje são reverenciados, era para despertar esse mesmo homem para os problemas da alma, hoje esse comportamento “sem finalidade prática, sem proveito para os semelhantes, expressaria egoísmo e acomodação à boa vida. Significaria fuga ao trabalho”. ² O mundo é, sem sombra de dúvida, a grande escola dos Espíritos encarnados. Diante disso, podemos entender que é “impossível o ensinamento, fugindo à lição. Ninguém sabe, sem aprender”³.

Para tanto, citando judiciosa afirmação de Emmanuel, estimado benfeitor espiritual, é importante observarmos ao nosso redor para reconhecer “onde, como e quando Deus nos chama, em silêncio, para colaborar com ele no desenvolvimento das boas obras, na sustentação da paciência, na intervenção caridosa em assuntos inquietantes para que o mal não interrompa a construção do bem, na palavra iluminativa ou na seara do conhecimento superior, habitualmente ameaçada pelo assalto das trevas”.

Todavia, o que encontramos, ainda, é um grande número de discípulos do Evangelho que, ao entenderem, ainda que de forma incipiente, a luz espiritual, recusam-se a continuar aprendendo, tendo em vista a ideia enganosa de que já sabem o suficiente. Mas, se não aprenderam, não vivenciaram; e, se não vivenciaram, não podem dar testemunhos da sua evolução. Não aceitam as tarefas para as quais foram encaminhados e recuam, assim, diante do esforço que os levará à frente. Declaram-se desejosos da união com o Cristo, mas abandonam os irmãos necessitados de amparo, esquecidos de que o Mestre amado, em momento algum, afastou-se da humanidade terrena. Estimam a oração que ele ensinou, mas esquecem de que Jesus rogou ao Pai que nos libertasse do mal, e não que nos afastasse da luta.

Lembra-nos Emmanuel de que a sabedoria do Cristianismo não consiste em isolar o aprendiz na santidade artificialista, e, sim, em fazê-lo no campo de luta ativa de transformação do mal em bem, da treva em luz e da dor em bênção. A fidelidade que muitos dizemos ter ao Cristo não significa adoração eterna em sentido literal; significa, sim, espírito de serviço até o último momento das nossas forças físicas.

Em relação aos discípulos, no Sermão do Cenáculo, Jesus diz a Deus que Ele não pede que sejam tirados do mundo, mas, sim, que sejam guardados do mal, pois sabia das dificuldades pelas quais passariam, das lutas que enfrentariam, após sua morte, e que poderiam impedir os discípulos de darem continuidade à Sua tarefa. Tudo isso poderia criar um precedente perigoso para as futuras realizações do Evangelho.

Tanto eles, ontem, quanto nós próprios, hoje, não prescindimos das lutas terrenas, porque elas corrigem, aperfeiçoam e iluminam os Espíritos necessitados, que retornam ao corpo físico para prosseguirem sua jornada iluminativa.

O certo é que “ninguém pode dar testemunho de valor espiritual se não vive provas difíceis, dramas intensos, complicados problemas... Ninguém pode dar testemunho de resistência moral se não sentiu o impacto de fortes tentações, sobrepondo-se, no entanto, a todas elas, pela inabalável determinação de vencer, pelo desejo de realizar-se”4, ao menos aqueles que ainda estão atrelados à vida material grosseira, como é o caso da humanidade que vive sobre este planeta.

É prova difícil viver no mundo, sabemos; mas não impossível. Por essa razão o pedido de Jesus, tanto em uma quanto na outra oração, é exortação à vigilância, para que não venhamos a sucumbir ante o mal, nas suas mais diferentes manifestações, pois o mal, em qualquer circunstância, é desarmonia à frente da Lei, e todo desequilíbrio tem como consequência a dificuldade e o sofrimento.

Mas, independentemente de tudo isso, fortalecidos pelas eternas lições do Excelso amigo, nós nos converteremos, como muitos já o fizeram, em exemplos vivos e atuantes de amor e trabalho no bem.

O Apóstolo Paulo de Tarso, na Carta aos Romanos, capítulo 12, versículo 21, pede que não nos deixemos vencer pelo mal, mas que vençamos o mal com o bem, pois, passada a tempestade, tudo se encaminha para o reajustamento e a harmonia.

Sem dúvida, em lugar algum e em tempo algum, nada conseguiremos planejar, organizar, conduzir, instituir ou fazer sem Deus; no entanto, em atividade alguma, não nos é lícito esquecer de que Deus, igualmente, espera por nós.

 

Bibliografia:

1 - MATEUS, 6:13.

2 - PERALVA, Martins. Estudando o Evangelho, 6ª ed., Edições FEB – RIO DE JANEIRO/RJ - 1992 - cap. 5 – “O Cristão e o Mundo”, p. 40.

3 – EMMANUEL (Espírito). Vinha de Luz, [psicografado por] F. C. Xavier, 14ª ed., Edições FEB – RIO DE JANEIRO/RJ -  1996 - lição 57.

4 – PERALVA, Martins. Estudando o Evangelho, 6ª ed., Edições FEB – RIO DE JANEIRO/RJ - 1992 - cap. 5 – “O Cristão e o Mundo”, p. 41.



 

     
     

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