Clássicos 
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 52)

 

Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Devemos ao acaso a direção dos fenômenos da Natureza?

Assim pensam os que negam a existência de um plano na obra da Criação. Aos estudiosos sensatos, tal ideia parece um absurdo. “Depois da constatação, tão evidente, da ordem que preside à economia física do planeta – disse o comandante Maury – poder-se-ia admitir que as rodas e peças de um relógio foram construídas e articuladas por acaso, dando-se ao mesmo acaso uma direção nos fenômenos da Natureza? Tudo obedece a leis conformadas ao fim supremo, tão claramente indicado pelo Criador, que quis fazer da Terra uma habitação para o homem.” [i]  (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

B. Em face das ideias citadas na questão precedente, qual a posição dos materialistas e negadores?

Para eles, nem ao menos conjeturar a respeito disso era admissível. As ideias de finalidade deveriam ser recusadas como fermento azedo, dizia G. Foster. E o autor de Lehre der Nahrungsmittel für das Volk, reiterando essa declaração, acrescentou: “quanto mais nos habituamos a combater, mais devemos temer as tentativas surdamente feitas para introduzir na Ciência a ideia de uma finalidade, a fim de esclarecer os fenômenos da Natureza”. Eis, numa palavra, o que eles tanto temiam – a luz! (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

C. Na origem das espécies vegetais e animais, o mar representou algum papel relevante?

Sim. Diz Flammarion que, tendo o mar recoberto outrora todas as regiões do globo, é natural conjeturar que todas as espécies, vegetais e animais, inclusive o homem, começaram pela vida dos peixes. Não há animal volátil ou rasteiro que não tenha no mar espécies semelhantes, ou aparentadas, e cuja transição de um para outro elemento seja impossível e, dir-se-ia, até provável com exemplos numerosos. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)


Texto para leitura


915. O que acabamos de expender com relação à vista pode também aplicar-se ao ouvido, que não é menos admiravelmente construído, conforme as leis da Acústica. Poderíamos, quiçá, conceder que os ignorantes, os que jamais fizeram observações anátomo-fisiológicas e desconhecem a Física, tivessem a fantasia de acreditar que olhos e ouvidos não foram feitos para ver e ouvir. Mas, que homens instruídos, depois de escalpelarem, de observarem e tatearem esses órgãos, nos venham dizer que eles são produto de forças cegas, isso é o que nos parece aberração de espírito, dificilmente justificável. Não teriam visto que a só modelagem ceroplástica de um desses maravilhosos aparelhos basta para exaltar-nos o espírito e levá-lo a reconhecer a existência de um mecânico conhecedor das leis da Natureza? Quem já se não sentiu tomado de admiração emocional em contemplando o mecanismo auditivo? O pavilhão exterior, cujas graciosas ondulações carreiam as ondas sonoras até o centro, mais não é que destinado a servir ao conduto auditivo. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

916. Este, transportando o som, do orifício do ouvido à membrana do tímpano, o transmite integral ao nervo que deve realizar a sensação, forrado de uma substância mucosa, onde as glândulas segregam um humor destinado a moderar a impressão muito irritante do ar, bem como a interditar a entrada de corpos estranhos. Atrás do tímpano fica uma pequena câmara com duas janelas, uma redonda e outra oval, contrapostas ao tímpano e comunicando-se com o ouvido interno. Este compõe-se, em primeiro lugar, de uma cavidade óssea contornada em espiral, chamada caracol, em seguida, de três cavidades semicirculares e, finalmente, de uma cavidade central, cheia de líquido aquoso, no qual se banha o nervo acústico que lá termina. As vibrações sônicas chegam às membranas da janela oval e da redonda, deslizam pela rampa do caracol, daí pelos canais semicirculares, chegando, finalmente, à cavidade central cheia do líquido aquoso, que transmite as vibrações ao nervo acústico. Este é apenas timbrado e a impressão transmitida ao cérebro é o que constitui a audição. Tal, em seu conjunto, o mecanismo da audição. (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

917. Não entramos em pormenores, para não aumentar complicações. Mesmo nos limites desta singela descrição, que espírito culto ousará contestar, a sério, que um tal mecanismo não prova que seu construtor soubesse que o som consiste em vibrações, e que estas não poderiam transmitir-se senão mediante uns tantos dispositivos, bem como que, para torná-lo integralmente perceptível ao cérebro, impunha-se um aparelho acústico fronteiro ao nervo? Que homem sensato recusará admitir que esse instrumento não podia construir-se de si mesmo, por acaso, sob o impulso de qualquer força bruta e sem plano preconcebido de construção? [ii]  (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

918. Ademais, se abstraindo-se do aspecto físico do ser pensante déssemos aos adversários a honra embaraçosa de penetrarem no caráter íntimo do pensamento? Se lhes perguntássemos como pode um som falar ao espírito e este atender ao ouvido? Se os convidássemos a demonstrar que o homem não é uma inteligência servida pelos órgãos, duvidamos pudessem eles safar-se airosamente, a menos que se não valessem dos subterfúgios próprios dos maus combatentes. Mas, ainda quando estivessem com a verdade acerca das relações de órgão e função, ainda mesmo que provado ficasse serem os órgãos desenvolvidos e constituídos pelo jogo das funções, ainda assim, restaria por explicar um fato bem mais geral e considerável. Que função explicaria a organização total da vida terrestre? Vede essas massas flocosas suspensas no firmamento como edifícios de prata, vaporosos, nuvens cuja sombra tempera o calor mortificante do dia. Elas nos vêm dos mares, trazidas sobre as vagas da atmosfera, dirigidas pelos ventos para os continentes e terras habitadas. Sob ação de uma força cega, que sucederia se elas deixassem de espalhar a chuva fecundante nos campos e nos prados? Prestes, uma seca impiedosa crestaria o solo, a vegetação se fanaria, toda a seiva de vida estaria morta. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

919. Se a organização geral da planta não é regulada por um espírito superior, ousarão presumir que foi à força de rolar no espaço que a Terra adquiriu sucessivamente a faculdade de viver e renovar-se em sentido constante e progressivo? Ainda nisto, opomos aos antagonistas ignorantes, ou sistemáticos, o testemunho dos exploradores do mundo físico, dos que descobriram o regime das correntes aéreas e marítimas. “Depois da constatação, tão evidente, da ordem que preside à economia física do planeta – diz o comandante Maury – poder-se-ia admitir que as rodas e peças de um relógio foram construídas e articuladas por acaso, dando-se ao mesmo acaso uma direção nos fenômenos da Natureza? Tudo obedece a leis conformadas ao fim supremo, tão claramente indicado pelo Criador, que quis fazer da Terra uma habitação para o homem.” [iii] (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

920. O panorama das obras da Natureza, de eloquente e irresistível beleza, não lhes fala ao coração nem à razão. Depois de o contemplarem declaram, sem cerimônia, que “os fatos apenas atestam formações orgânicas e inorgânicas, em renovações permanentes, sem que haja nisso ação direta de inteligência qualquer”. O instinto natural de criar é prescrito formalmente, afirmam eles,[iv] sem perceberem que suas mesmas afirmativas deixam entrever a necessidade de uma lei ordenadora na Natureza. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

921. De resto, com eles, não há conjeturar explicações de um plano qualquer na Natureza. As ideias de finalidade devem ser recusadas como fermento azedo, já o dizia G. Foster; e o autor de Lehre der Nahrungsmittel für das Volk, reiterando essa declaração, acrescenta: “quanto mais nos habituamos a combater, mais devemos temer as tentativas surdamente feitas para introduzir na Ciência a ideia de uma finalidade, a fim de esclarecer os fenômenos da Natureza”. Eis, numa palavra, o que eles tanto temem – a luz! Quanto mais escuro o labirinto, quanto mais cerrado o nevoeiro, tanto melhor para os alemães. Quiséssemos levar a defesa da nossa causa ao âmago das suas trincheiras, ficaríamos de antemão tão bem colocados que as nossas perguntas haveriam de parecer ridículas. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

922. Explicai-nos, por exemplo, conspícuos juízes, por que os olhos não brotaram nos pés e os ouvidos nos joelhos. Circunstâncias devidas à medula espinal... Vamos lá, pois: será que a medula saiba o que faz? Dizei porque as pálpebras e sobrancelhas não se formaram com o pavilhão auricular e porque este, à sua vez, não se contrai como aquelas. Sorrides, creio... Ainda bem, pois é a mais espiritual das respostas que nos pudestes dar até o presente. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

923. A adaptação do órgão às funções que devem preencher o estado orgânico do ser, segundo a sua função na economia geral, constitui exemplo tão evidente do plano da Natureza, que é preciso limitar-se a uma observação muito completa para desautorizar a nossa tese. Por qualquer aspecto que encaremos os seres vivos, esse plano se evidencia em caracteres bem legíveis. Sem a ideia de finalidade geral, o fisiologista não poderia determinar o jogo de qualquer órgão e a Ciência se esterilizaria. Elevando-nos dos fatos particulares aos fatos gerais, se considerarmos não já um órgão especial, mas um ser na sua individualidade integral, segundo a sua função na Natureza – o sexo, por exemplo – haveremos de reconhecer que tudo nesse indivíduo concorre para um fim determinado. (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

924. Não precisamos estender-nos mais sobre esse delicado aspecto da questão, ainda que previamente seguros da vitória, sobretudo se tomarmos por estalão o tipo médio do gênero humano, sensivelmente diferente do nosso, quer no seu caráter anatômico, quer na sua maleabilidade espiritual. De fato, o plano criacional está tão universalmente assinalado, que Rabelais poderia provar a existência de Deus pela imoralidade de umas tantas descrições. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

925. O velho problema da origem das espécies interessa mais ainda que o da adaptação dos órgãos aos seus fins. Já vimos que a vida planetária só se pode explicar mediante uma causa primária. Do ponto de vista das causas finais, aqui falamos somente da organização das espécies segundo o clima e o meio, e do enigma de sua transformação segundo os períodos geológicos. Os que negam a existência de um poder inteligente na direção do mundo, pretendem que as espécies podem transformar-se umas nas outras, a partir do mais baixo nível da escala zoológica, impelidas pelo meio e circunstâncias dominantes. É uma hipótese que, por incidir imediatamente no ponto nodal do problema, explica a adaptação ao meio, pois ensina que os seres são o produto desse meio. Vede, por exemplo, esta girafa: se tem um pescoço assim longo, é porque a primitiva espécie de que descende habitou regiões onde não havia frondes baixas. Obrigada a levantar constantemente a cabeça, o pescoço se foi sucessivamente alongando até chegar ao que é hoje. Tal pescoço não foi, portanto, dado à girafa tendo em vista a natureza da alimentação, mas é o resultado definitivo desse processo alimentar. (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

926. Uma águia cinde o espaço em voo rápido: admirais a construção engenhosa desse aparelho, até agora inimitável aparelho complexo, que faculta aos voltívolos o domínio dos ares. Pois bem: as asas não foram dadas às aves para que voassem e elas só voam porque tem asas. Como as adquiriram? Uma primeira espécie teria começado a saltitar e ter-se-ia comprazido com essa novidade. Primeiro, pulinhos curtos. Depois, exercitando-se, foi dando maior desenvolvimento aos membros anteriores e assim prosseguindo, por milhões de anos, acabaria provendo-se de uma transformação radical nos ditos órgãos anteriores. E aí está como as asas são o resultado do voo. Essa gente coloca o Criador em situação embaraçosa, visto que ele, o bom Deus, dera as asas para voar e eis que elas, por se adaptarem perfeitamente ao seu fim, acabam por não provar, mas contraprovar a inteligência de quem as fez! (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

927. Tendo o mar recoberto outrora todas as regiões do globo, é natural conjeturar que todas as espécies, vegetais e animais, inclusive o homem, começaram pela vida do peixe. Admira-vos a transformação de peixes em cavalos e homens? Pois não há motivo, que fatos há, mais maravilhosos na Natureza. Dignai-vos, ao menos, prestar um pouco de atenção ao editor responsável desta teoria, o falecido Sr. Maillet. Não há animal volátil ou rasteiro que não tenha no mar espécies semelhantes, ou aparentadas, e cuja transição de um para outro elemento seja impossível e, dir-se-ia, até provável com exemplos numerosos. Não nos referimos somente aos anfíbios, serpentes, crocodilos, lontras, focas e muitos outros que vivem tanto n'água como em terra, ou no ar, mas também aos de vida aérea exclusiva. (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.) (Continua no próximo número.)


 

[i]     Não podemos, a propósito, deixar de assinalar a confissão de um navegador ao comandante Maury: – “Vossas descobertas – diz ele – não nos ensinam apenas a seguir as rotas marítimas mais diretas e mais seguras, como também a conhecer as melhores manifestações da sabedoria e bondade divinas, que nos rodeiam constantemente. Há muito comando um navio e jamais fui insensível aos espetáculos da Natureza. Contudo, confesso que, antes de ler vossos trabalhos, atravessava o oceano como um cego. Não via, não concebia a magnífica harmonia das obras daquele a quem tão justamente denominais – o grande Pensamento primário. Sinto, muito acima da satisfação e dos benefícios devidos aos vossos trabalhos, que eles fizeram de mim um homem melhor. Ensinastes-me a ver por toda parte, em torno de mim, e a reconhecer a Providência em todos os elementos que me rodeiam.” (Geographie Physique)

Ajuntaremos, com dois outros oficiais de marinha, os Senhores Zurcher e Margollé, que o estudo das obras de Maury exalça a sua elevação de vistas, a sua fé religiosa, para aproximá-lo dos gênios que, como Cersted, Herschel, Geoffroy Saint Hilaire, Ampère, Goethe, nos revelam a suprema sabedoria, com o desvelarem a magnificência das obras divinas. Herschel dizia: Quanto mais se alarga o campo da ciência, mais numerosas e irrecusáveis se tornam as demonstrações de uma vida eterna, de uma inteligência criadora e onipotente. Geólogos, matemáticos, astrônomos, naturalistas, todos carrearam a sua pedra para o grande templo da ciência, erguido ao mesmo Deus.”

[ii]  Voltaire não podia sopitar a sua admiração diante dos negadores de uma causalidade geral. Em Filosofia, diz ele (Diccionaire Fhilosophique, Dieu). confesso que Lucrécio me parece muito inferior a um porteiro de colégio. Afirmou que olho, ouvido, estômago, não foram feitos para ver, ouvir e digerir; não é o maior dos absurdos, a mais revoltante das loucuras do espírito humano? Por muito céptico que sou, essa loucura me parece evidente e não vacilo em apontá-la.

[iii] Não podemos, a propósito, deixar de assinalar a confissão de um navegador ao comandante Maury: – “Vossas descobertas – diz ele – não nos ensinam apenas a seguir as rotas marítimas mais diretas e mais seguras, como também a conhecer as melhores manifestações da sabedoria e bondade divinas, que nos rodeiam constantemente. Há muito comando um navio e jamais fui insensível aos espetáculos da Natureza. Contudo, confesso que, antes de ler vossos trabalhos, atravessava o oceano como um cego. Não via, não concebia a magnífica harmonia das obras daquele a quem tão justamente denominais – o grande Pensamento primário. Sinto, muito acima da satisfação e dos benefícios devidos aos vossos trabalhos, que eles fizeram de mim um homem melhor. Ensinastes-me a ver por toda parte, em torno de mim, e a reconhecer a Providência em todos os elementos que me rodeiam.” (Geographie Physique)

Ajuntaremos, com dois outros oficiais de marinha, os Senhores Zurcher e Margollé, que o estudo das obras de Maury exalça a sua elevação de vistas, a sua fé religiosa, para aproximá-lo dos gênios que, como Cersted, Herschel, Geoffroy Saint Hilaire, Ampère, Goethe, nos revelam a suprema sabedoria, com o desvelarem a magnificência das obras divinas. Herschel dizia: Quanto mais se alarga o campo da ciência, mais numerosas e irrecusáveis se tornam as demonstrações de uma vida eterna, de uma inteligência criadora e onipotente. Geólogos, matemáticos, astrônomos, naturalistas, todos carrearam a sua pedra para o grande templo da ciência, erguido ao mesmo Deus.”

[iv] Force et Matiêre, capítulo 6º.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita