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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

O profeta do terror que a laranja mecânica anuncia


Certa feita na aula de evangelização para crianças de 10 a 12 anos, cujo tema era “os problemas sociais”, comprei na banca alguns jornais do dia e pedi que elas separassem os principais problemas que elas viam ali. Como já era esperado, o grupo de matérias sobre violência foi predominante na escolha daqueles alunos, corroborando o que se ouve nas ruas, todos os dias.

A despeito dos avanços que fizemos em várias áreas do conhecimento humano, que se refletiram na redução de problemas de saúde, de comunicação, de educação, a violência, como problema percebido, persiste e emerge de forma cada vez mais pujante, em especial nos grandes centros, potencializada pela revolução das comunicações, que nos permite ver em imagens e sons o que ocorre pelo mundo, e o que viraliza geralmente é o que se tem de mais cruel.

O filme distópico britânico-americano de 1971, Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), dirigido por Stanley Kubrick, baseado no romance de 1962 de Anthony Burgess, traz o conceito de ultraviolência, ou seja, o uso da força em atos aleatórios e injustificados, motivada por questões comezinhas, ou pelo simples prazer. Um conceito atual, passados mais de cinquenta anos do livro.

Essa violência, torpe e cotidiana, em que pese seja rejeitada no discurso, é buscada avidamente pelas pessoas em produções cinematográficas, literatura, esportes ou mesmo em jogos eletrônicos, alimentando essa forma de interação e de resolução de problemas. Sim, a violência é uma forma de relação com o mundo, com suas questões, centrada em si, de forma imediatista e que não se importa com as consequências em relação aos outros.

Aí vê-se na imprensa brigas de trânsito, em elevadores, por lugares na praça de alimentação no Shopping, questões comuns que terminam com feridos e mortos, e que de forma contraintuitiva, são atos realizados por pessoas letradas. Situações que indicam que a violência surge como forma de resolução preferencial de conflitos, por vezes temperada com uma arma de fogo, como amuleto a defender o atemorizado cidadão das agruras da vida em sociedade.

A violência não é a antítese da paz. Ela é o oposto do diálogo. Resoluções possíveis, amistosas, mediadas, com empatia, se convertem em ações destrutivas, em soluções extremas, desproporcionais. A paciência dá espaço à explosão, a conversa cede ao xingamento, e a negociação se converte em luta corporal. A violência é o fracasso do ideal de convívio humano pacífico e harmônico, na superação dos desafios da vida encarnada.

Até a religião tem servido de plataforma para violência. Física ou simbólica, queremos impor nossas crenças, nossos hábitos, expulsar demônios, exilar pessoas de nosso convívio, destruir os que pensam diferente, em fogueiras agora virtuais. Fogem do espírito da prática religiosa, de conciliação e de amor, como reforça o capítulo XXIII de O Evangelho segundo o Espiritismo: “(...) decerto que ela formalmente condena toda violência. Disse Ele alguma vez a seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai os que não crerem como vós? Não; o que, ao contrário, lhes disse, foi: Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos perseguem”.

A violência não é oriunda da falta de Deus, da falta de Educação, dos próprios problemas humanos em si. Ela nasce de uma cultura de legitimização desta como meio preponderante de se comunicar com o mundo e seus desafios. Falamos “- Se você não fizer isso, vou te matar”, como expressão cotidiana. Vou explodir, vou bater, vou quebrar. Surge a destruição focada no outro, em palavras e gestos, como forma eficaz e eficiente de convívio. E isso não pode acabar bem.

Faz-se necessário estimular, diante dos problemas, uma cultura de diálogo, de compreensão, de empatia em relação ao outro e as suas dificuldades. Palavras mágicas como o “Desculpe”, pensamentos essenciais como “ele deve estar passando um problema”, posturas libertadoras como “Se eu fosse ele, como eu agiria”, rompem esse círculo que se alimenta de violência. Se é violenta, não é uma boa solução.

O medo, como distanciador das relações, também surge como um alimentador da violência e necessita de uma fé raciocinada que não se espante com as coisas que o mundo nos mostra pelas diversas telas, mas que nos permita entender como o mundo funciona e o nosso papel, em especial no que tange ao trabalho na casa espírita, que nos melhora, e também ao próximo.

Estamos em um momento da história no qual vemos falir nossos modelos, nossa crença no ser humano, de decepção e desesperança. E isso nos empurra para a violência, como solução definitiva, que apaga relações, não as reconstrói. No mundo da reencarnação para o nosso aperfeiçoamento, tudo conduz à reconstrução, à reparação, e o caminho do amor é sempre preferencial ao da dor.

Como se vê, temos no Espiritismo os elementos necessários para começar a reverter a crescente violência, a partir de nós mesmos. É preciso resgatar a chave do diálogo, como forma de enxergarmos a todos filhos do mesmo pai amantíssimo, para que a violência anunciada pela Laranja Mecânica dê lugar a distopias melhores, de um Espírito encarnado que avança no intelecto, mas não perde de vista a asa da moral, buscando ser pacífico, para um dia ser chamado de filho de Deus.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita