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por Maria de Lurdes Duarte

 
Destino ou livre-arbítrio?


Fui, recentemente, ao assistir a uma conversa entre familiares, posta perante esta dicotomia destino / livre-arbítrio, que deu origem a uma interessante discussão, envolvendo vários membros da família, cada um contribuindo com valiosos argumentos contra ou a favor de cada uma das posições defendidas.

Este tema de conversa forneceu-me matéria para uma oportuna reflexão, tendo como base os conhecimentos que o Espiritismo coloca ao alcance de quem busca orientação segura que proporcione uma verdadeira fé raciocinada.

Comecemos, então, por refletir sobre os verdadeiros objetivos da nossa existência terrena. Ou, melhor ainda, comecemos pela seguinte questão: terá, realmente, a nossa existência, um objetivo predefinido ou será uma simples obra do acaso? Partindo do princípio básico, largamente aceito, quer pela ciência quer pela nossa própria razão, de que no Universo “Todo o efeito tem uma causa”, somos forçados a concluir que também a nossa presença na Terra tem de ter uma causa.

A esse respeito, importa termos bem presentes que, segundo a definição dada pelos Espíritos a Kardec, nós, Espíritos, somos “os seres inteligentes da Criação” e fomos criados simples e ignorantes com destino a, pelo esforço próprio, degrau a degrau, subirmos a escada do progresso até atingirmos a perfeição. Entendamos por perfeição o estado de equilíbrio entre moral e conhecimento, num grau de tal modo sublimado que todo o nosso tempo, empenho e saber sejam empregados na prática do Bem e na cooperação total com os desígnios de Deus, perfeitamente ajustados a Suas sábias Leis.

Dizem-nos os Espíritos que “Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, ou seja, sem conhecimento. Deu a cada um deles uma missão, com o fim de os esclarecer e progressivamente conduzir à perfeição, pelo conhecimento da verdade e para os aproximar dele. A felicidade eterna e sem perturbações, eles a encontrarão nessa perfeição. Os Espíritos adquirem o conhecimento passando pelas provas que Deus lhes impõe” (O Livro dos Espíritos, Livro segundo, VI - Escala Espírita, Progressão dos Espíritos, 114.). De resto, é o próprio Cristo quem nos aponta a perfeição como meta: “Sede vós logo perfeitos, como também vosso Pai Celestial é perfeito. (Mateus, V: 44-48; O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XVII, Sede Perfeitos.)

Perante isto, não podem restar dúvidas de que cada vinda nossa a este mundo, ou a qualquer outro mundo material, visando a objetivos muito concretos, tem de ser rigorosamente pensada e programada, de modo a que dê frutos. Se assim não fosse, seria como imaginarmos empreender uma grande viagem, perfeitamente ao acaso, sem planejamento, ou imaginar um curso escolar que não obedecesse a qualquer currículo ou programação.

A Terra, para nós, é um lugar de aprendizagem, uma escola abençoada, onde apendemos e pomos em prática. Como em qualquer escola, quem se empenha e trabalha com dedicação vai, progressivamente, ingressando em níveis superiores, até atingir o máximo que ela permite. Após isso, quando provar estar preparado, passará para outra escola, de cariz universitário, para novas e sempre mais exigentes aprendizagens. Por outro lado, quem não se dedica, quem teima em encarar a escola como um vulgar passatempo, lugar de divertimento, quem empata o seu tempo de forma inútil e fútil, muitas vezes acumulando problemas para si e para os outros, não terá tão cedo condições para avançar nos degraus dos diversos níveis que a escola proporciona, e, muito menos, de avançar para escolas de níveis superiores. Ver-se-á na contingência de ficar retido as vezes que forem necessárias, afastando-se, inclusive, do seu grupo de amigos, repetindo experiências até que a sua consciência o alerte para a importância de encarar as oportunidades com mais seriedade e responsabilidade. Podemos dizer que a obrigatoriedade de estudar, trabalhar, esforçar-se são fatalidades. Não se lhes pode fugir. São também fatalidades a exigência de só avançar nos diversos níveis quem tem condições para tal, bem como a exigência de retenção e de repetição de experiências como oportunidades de progresso (reencarnações).

Mas o modo como cada um encara as suas obrigações escolares/experiências terrenas é pessoal, ou seja, é o livre-arbítrio em pleno funcionamento. E, precisamente por isso, no exercício do nosso livre-arbítrio, principalmente nos primeiros estágios da nossa caminhada evolutiva, nem sempre avançamos sem desvios, de consequências mais ou menos funestas. Na busca do Bem, que é o nosso destino, até que nos ajustemos às Leis Divinas, vamos cometendo erros de que, libertos da nossa condição material, ao regressarmos à Pátria Espiritual, nos vão levando ao arrependimento, mais ou menos rápido e sincero conforme o estado da nossa consciência, o que equivale a dizer, conforme o grau evolutivo em que nos situamos. É aí que surge em nós a ânsia de expiação, pela dor ou pelo amor, não porque Deus exija de nós o resgate como forma de castigo, mas, antes, porque reconhecemos ser a única forma de nos libertarmos dos males que nos pesam e entravam o prosseguimento da marcha rumo à felicidade.

Voltar à Terra não é um castigo, mas é, convenhamos, uma fatalidade, porque se insere dentro das leis de Deus que são imutáveis. Mas não podemos voltar de qualquer maneira. Para que os objetivos sejam atingidos, muita coisa tem de ser planeada com cuidado, desde a escolha da família que nos acolhe (onde vamos encontrar, na maioria das vezes os desafetos com que temos de saldar dívidas, mas também os afetos que nos ampararão e fortalecerão para ajudar a evitar novas quedas) ao corpo, templo abençoado do Espírito, que nos proporcionará as situações de saúde/doença, conforme o que mais convenha às necessidades evolutivas, às provas pelas quais teremos de passar, à forma como se dará o desencarne/regresso ao Mundo Espiritual…

No entanto, nem aqui se dará violação da nossa liberdade, uma vez que toda a programação é feita com o nosso conhecimento e intervenção (salvo as exceções impostas por extrema falta de condições do Espírito reencarnante, como é o caso das reencarnações compulsivas) e, só após intensa preparação do Espírito, ele empreenderá essa importante jornada de regresso ao mundo material.

Talvez, àquilo que vulgarmente chamamos destino, seja mais adequado chamar programação de vida. Não deixa de ser verdade que o destino está nas nossas mãos, se pensarmos que apenas está a cumprir-se aquilo que nós mesmos planeamos. E que aquilo que encaramos como fatalidades, nada mais é do que grandes oportunidades, fruto da Justiça, mas também do infinito Amor e Misericórdia do Pai.

É, no entanto, errado pensar que, forçosamente, toda a nossa caminhada tem de ser pontuada exclusivamente pela dor e pelo sofrimento. Se é verdade que continuamos num mundo de provas e expiações, porque ainda não temos condições de acesso a outro mais feliz, é também verdade que Pedro nos disse que “O amor cobre uma multidão de pecados”. Dois caminhos nos são oferecidos: o amor e a dor. Temos o livre-arbítrio. Cabe-nos escolher.

Não esqueçamos: a sementeira é livre. A colheita é obrigatória. Cabe-nos a escolha de como empregamos o nosso tempo. Se podemos semear o Bem, por que escolher continuar presos a dívidas e resgates que nos prendem por tempo indeterminado a colheitas dolorosas? Somos Espíritos eternos e ser felizes é o nosso destino. Mas, precisamente, pelo respeito ao nosso livre-arbítrio, Deus espera-nos, dependendo, apenas de nós, chegar mais depressa ou com mais demora. 
 

Maria de Lurdes Duarte reside em Alvarenga, Arouca, Portugal. 

        



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita