Correio mediúnico

Espírito: Antônio Sampaio Júnior

 

Companheiro de regresso


Meus amigos:

Louvado seja Nosso Senhor Jesus-Cristo.

Sou o Sampaio, de volta ao nosso grupo. Dou, de imediato, o meu cartão de visita para que o pensamento de vocês me ajude a falar com segurança.

Reconheço-me ainda como o pássaro vacilante a arrastar-se fora do ninho, movimentando-me qual convalescente em recuperação depois de moléstia longa. Mesmo assim, venho agradecer-lhes as preces com que me ajudam.

Recebam todos o meu reconhecimento por essa dádiva de carinho, porque assim como, para apreciar verdadeiramente um remédio, é preciso haver sofrido uma enfermidade grave, para reconhecer, de fato, o valor de uma oração, é necessário haver deixado o corpo da Terra.

Por outro lado, nossos Benfeitores permitiram amavelmente que eu lhes falasse, por haver prometido a mim mesmo trazer-lhes alguma notícia, depois da grande passagem. Escusado será dizer que me lembrei dos irmãos de ideal na última hora... Não houve tempo, contudo, para qualquer recomendação. A morte arrebatou-me a vestimenta de carne, assim como a faísca elétrica derruba a árvore distraída.

Quanto a dizer-lhes, porém, com franqueza, o que me sucedeu, devo afirmar-lhes que, por enquanto, me sinto tão ignorante do fenômeno da morte, assim como, quando estava junto de vocês, desconhecia totalmente o processo de meu nascimento na esfera física. Creio mesmo que, em minhas atuais condições, guardar a lembrança de que sou o Sampaio já é demais... Posso, em razão disso, apenas notificar-lhes que acordei num leito muito limpo, acreditando-me em casa.

O corpo não se modificara. Em minha imaginação, retomava a luta cotidiana em manhã vulgar... Mas quando vi minha mãe ao pé de mim, quando seus olhos me falaram sem palavras, ah! meus amigos, o meu deslumbramento deve ter sido igual ao do prisioneiro que se vê, repentinamente, transferido de um cárcere de trevas para a libertação em plena luz.

Graças a Deus, entendi tudo!...

Abracei mãe Antoninha(1) com as lágrimas felizes de uma criança que retorna ao colo materno... Rebentava em mim, naquela hora, uma saudade penosamente sofrida, com muito choro represado no coração. Que palavras da Terra descreveriam meu júbilo?

Ainda nos braços de minha mãe, compreendi que o Espiritismo no caminho humano é assim como a alfabetização de nossa alma para a vida eterna, pois não precisei de argumento algum para qualquer explicação a mim mesmo. Entretanto, cessada que foi aquela primeira explosão de alegria, recordei o Sampaio carnal e vigorosa dor oprimiu-me o peito. Minhas velhas contas com a angina pareciam voltar. A dispneia assaltou-me de improviso, mas nova expressão de ventura aguardava-me o sentimento.

Nosso Dr. Bezerra(2) veio ter comigo e pude beijar-lhe as mãos. Sabem lá o que seja isso? Bastou que sua destra carinhosa me visitasse a fronte, para que o velho trapo de carne fosse esquecido...

Desde esse instante, vi-me à maneira do colegial satisfeito em nova escola. Mãe Antoninha informou-me de que um hospital-educandário me havia admitido.

Meu tratamento restaurador obedeceu aos passes magnéticos e à linfoterapia, palavra nova em minha boca. Termas enormes recolhem os enfermos, cada qual segundo as suas necessidades. Por minha vez, de cada mergulho na água benfazeja e curativa, regressava sempre melhor, até que minhas forças se refizeram de todo.

Regularmente recuperado, pude voltar, em companhia de nossos Benfeitores, às minhas casas inesquecíveis de trabalho e de fé, o “Regeneração”(3) e o “Meimei”.(4)

Graças a Jesus, tenho escutado o Evangelho com outros ouvidos e aprendido a nossa Doutrina com novo entendimento. Tenho agora livros e livros ao meu dispor.

Muitos companheiros são trazidos ao nosso hospital, em terrível situação. Não se alfabetizaram para o continuísmo da existência e sofrem muito, requisitando o concurso de magnetizadores que lhes extraem as recordações, quais médicos arrancando tumores internos de vísceras doentes. Essas recordações projetam-se fora deles para que compreendam e se aquietem.

Mas, por felicidade deste criado de vocês, venho tomando contacto com a memorização, muito vagarosamente. É imprescindível muita precaução para que nosso Espírito, despojado da matéria densa, não penetre de surpresa nos domínios do passado, habitualmente repleto de reminiscências menos dignas, que podem perturbar muitíssimo os nossos atuais desejos.

Via de regra, no mundo, sentimo-nos sequiosos pelo conhecimento do pretérito. Aqui, suplicamos para que esse conhecimento seja adiado, reconhecendo que, na maioria dos casos, ele nos alcança qual ventania tumultuosa, abalando os alicerces ainda frágeis das boas ideias que conseguimos assimilar. Por esse motivo, sou agora um aprendiz de mim mesmo, agindo com muita cautela para não estorvar a proteção que estou recebendo.

“Tudo aqui é como aí”, hoje percebo melhor o sentido da pequena mensagem que recebemos juntos: “Tudo aqui é como aí, mas aí não é como aqui”.(5)

Nossas vestes, utilidades e alimentos, no plano de recém-desencarnados em que me encontro, embora mais sutis, são aproximadamente análogos aos da Terra.

Tenho perguntado a muitos amigos, com quem posso trocar ideias, quanto à formação das coisas que servem à nossa nova moradia... Todos abordam o assunto, de maneira superficial, como acontece no mundo, onde um químico discorre sobre a água, um botânico expõe teorias quanto à natureza das plantas ou um médico leciona sobre o corpo humano... Mas, no fundo, o químico estuda o hidrogênio e o oxigênio sem conhecer-lhes a origem, o botânico fala da planta, incapaz de penetrar-lhe o segredo, e o médico avança desassombrado em torno da constituição do corpo humano, ocultando com terminologia complicada o enigma da simples gota de sangue.

Aqui também, na faixa de luta em que me encontro, apenas sabemos que a matéria se encontra em novo estado. Dinamizada especificamente para nossos olhos, para nossos ouvidos e para as nossas necessidades, como na Terra surge graduada para as exigências e problemas da escola humana.

Não me alongarei, porém, neste assunto. Somente aspiro a algum contacto com vocês para dizer-lhes que o velho amigo está reconhecido e satisfeito. Desfruto hoje a alegria do paralítico que recobrou os movimentos, do cego que tornou à claridade, da criança embrutecida que alcançou o princípio da própria educação... Sinto-me outro, contudo devo afirmar-lhes que a desencarnação exige grande preparo a fim de que seja uma viagem tranquila.

Tudo aqui sobrevive. Os hábitos, os desejos, as inclinações, as boas ideias e os pensamentos indignos reaparecem conosco, além-túmulo, tanto quanto as qualidades nobres ou deprimentes ressurgem, acordadas em nós, na experiência física, depois do repouso noturno, cada manhã.

Dois flagelos ainda agora me atormentam: o costume de fumar e a conversação sem proveito. Tenho sido carinhosamente auxiliado para que me liberte de semelhantes viciações. Com respeito ao fumo, o verdadeiro prejudicado sou eu próprio, no entanto, a palavra inútil impõe-me o remorso do tempo perdido pela desatenção. Apesar de tudo, estou renovado e otimista, esperando continuar estudando o Evangelho, para que eu possa transferir-me, do hospital-educandário, em que ainda me vejo, para o trabalho ativo, porquanto, aprendendo a viver em regime de utilidade para os outros, estarei cooperando em favor de mim mesmo.

Que Jesus seja louvado!

 

(1) Refere-se o amigo à sua genitora, há muito desencarnada.

(2) Dr. Adolfo Bezerra de Menezes.

(3) Grupo Espírita Regeneração, sediado no Rio de Janeiro.

(4) Grupo Meimei, sediado em Pedro Leopoldo, Minas.

(5) Refere-se o visitante à singela mensagem que ele e Arnaldo Rocha, organizador desta obra, receberam juntos no Grupo Espírita Meimei, quando um amigo desencarnado sintetizou para ambos suas notícias do mundo espiritual com as seguintes palavras: - “Tudo aqui é como aí, mas aí não é como aqui.”

 

Do livro Vozes do Grande Além, obra mediúnica recebida psicofonicamente pelo médium Francisco Cândido Xavier.

 
 


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita