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por Wilson Garcia

 

A Gênese: provas confirmam que Kardec não fez as mudanças contidas na 5ª edição francesa


Por mais que os defensores da 5ª edição francesa de A gênese, os milagres e as predições procurem inverter o ônus da prova e aleguem que não existem evidências de que as modificações em relação às edições anteriores, 1ª a 4ª, não foram feitas por Kardec, os fatos comprovam exatamente o contrário.

Isso fica medianamente claro após os estudos e pesquisas realizados por Simoni Privato Goidanich, reunidos em seu livro – O legado de Allan Kardec – escrito originalmente em espanhol, agora traduzido para o português e publicado pela USE de São Paulo. O seminário promovido também pela USE no dia 4 de março, na capital paulista, intitulado A Gênese, o resgate histórico, serviu para confirmar tudo aquilo que a autora havia coligido, estudado e reunido em seu livro, mas acabou por revelar inúmeros outros envolvimentos no assunto, de igual importância.

A questão é seriíssima e antiga. Apareceu de forma clara 12 anos após o lançamento da 5ª edição de A gênese, lançamento este ocorrido em 1872, três anos após a morte de Allan Kardec. E apareceu pela ação firme de Henri Sausse, com o apoio de Gabriel Delanne e Léon Denis, três nomes da mais alta consideração do espiritismo francês e mundial.  A edição de 1972, a 5ª, foi considerada a definitiva e passou a servir de base para as diversas traduções que se fizeram mundo afora, inclusive no Brasil, daí a sua importância.

Henri Sausse assustou-se quando percebeu os fatos. Publicou um vigoroso artigo no jornal O Espiritismo, da União Espírita Francesa, denunciando a adulteração e elencando as mudanças de textos, as supressões e as indevidas inclusões. Os autores desta infeliz façanha, Jean Leymarie à frente, jamais puderam comprovar que foi Allan Kardec quem promoveu as alterações, apesar das ameaças feitas a Sausse, inclusive de o levar às barras do tribunal.

Tradutores e editores da maioria dos países, a FEB aí inclusa, fizeram vistas grossas para o assunto e não o levaram a sério, aceitando as afirmações de Leymarie de que aquela era a edição definitiva e mantendo a verdade sob o véu do esquecimento. Por isso, as diversas traduções de A gênese, os milagres e as predições publicadas em nosso país estão baseadas na 5ª edição francesa. A imagem de Leymarie sempre divulgada conferia a ele um ar de austeridade e de um espírita dedicado e injustiçado, principalmente com o que se disse e se sabia sobre o famoso processo dos espíritas, no qual foi julgado e condenado, tendo, inclusive manchado a história de Amélie Boudet, viúva de Allan Kardec. Leymarie foi mantido historicamente como aquele que herdou e impulsionou o legado de Kardec. Os fatos, agora revelados em sua nudez absoluta, mostram exatamente o contrário: um Leymarie comprometido profundamente com a adulteração da obra final de Kardec e com muitos outros fatos lamentáveis, que mancharam uma história extraordinária, a do Espiritismo.

Mesmo condenada ao esquecimento, a adulteração de A gênese não se manteve totalmente nas sombras. Vez por outra, alguém a trazia a lume e questionava as mudanças ocorridas, o que, de um lado desagradava – como ainda desagrada – alguns e, de outro lado, conduzia outros a questionamentos, ora parciais, ora amplos. Alguns pensavam que houvera apenas supressão de um pequeno texto, o que já seria bastante para se reivindicar a correção, outros imaginavam mudanças mais amplas, de forma e conteúdo, enquanto outros, sem condições de ir a fundo nos estudos e pesquisas, pediam moderação e mantinham o argumento de que na dúvida nada devia ser feito.

Agora os fatos estão postos em sua nudez e negá-los será o maior desserviço que se poderá prestar à doutrina que Kardec exemplarmente legou. O trabalho louvável de Simoni Privato Goidanich, meticuloso, sereno, incansável, traz os documentos que provam definitivamente não ter sido Kardec o autor das profundas e amplas modificações que aparecem na 5ª edição francesa de A gênese. Não há como provar que teria sido Kardec o responsável, pelo contrário, tudo encaminha para a evidência de haver sido processada por Leymarie, às suas expensas, por sua vontade e sob sua responsabilidade.

Mostrar os fatos não é estabelecer julgamento; antes, é responder ao compromisso com a verdade. Não se pode mais negar essa verdade, negligenciá-la nem tergiversar com os fatos. Simoni respondeu exemplarmente ao questionamento, à dúvida que lhe foi colocada sobre qual seria a edição de A gênese a ser observada nas traduções: trata-se da uma das quatro primeiras, que são iguais e foram editadas sob a responsabilidade de Allan Kardec, conforme os documentos. A primeira possui os devidos registros nos órgãos competentes da época, feitos pelo codificador, e as três outras são simples reimpressão da primeira, apesar de serem nomeadas como edições. Portanto, a quinta, publicada em 1872, três anos após a partida de Kardec, revista, modificada e ampliada, não teve a mão nem o bom senso de Kardec.

A posição da Federação Espírita Brasileira precisa ser revista. Assim, também, daqueles que a apoiam

A FEB publicou, recentemente, documento que, em síntese, declara sua decisão de manter a 5ª edição francesa como a orientadora de suas traduções, sob o argumento de que não há provas de que as modificações feitas não foram de Kardec. Ela, com isso, inverte o ônus da prova, ou seja, a prova que se espera desde sempre é de que Kardec foi o autor, e não o contrário. Isso, porém, tornou-se absolutamente impossível, como o demonstra Simoni em seu livro. E mais, há evidências de que o seu autor verdadeiro é Leymarie.

O seminário do dia 4 de março, realizado sob a responsabilidade da USE-SP, uma das federativas ligadas ao CFN da FEB, além de outras três entidades respeitáveis, coloca a FEB em posição altamente delicada, seja porque a USE-SP não só demonstrou cabalmente que está em posição contrária à da FEB, pois não se limitou a promover o seminário, senão também em publicar o livro da Simoni em português. E mais, o seminário acabou por lograr outros aspectos relacionados ao assunto, o que trouxe à tona amplas críticas ao roustainguismo febiano, críticas feitas de público por lideranças até há pouco discretas sobre o assunto, além de uma séria acusação feita por um diretor da USE-SP a respeito da publicação em esperanto de A gênese feita recentemente pela FEB, na qual há a supressão de um texto que aparece em todas as edições anteriores, inclusive a 5ª edição francesa que acaba de ser condenada.

Por outro lado, as tentativas de defesa dessa 5ª edição feitas por espíritas e associações colocam agora todos em posição de referendar ou modificar sua posição. Porém, deverão assumir o ônus do descrédito no caso de referendar, uma vez que com isso estarão colocando-se ao lado de uma edição comprovadamente falsa. Não lhes será possível mais calar ante os novos acontecimentos, mesmo a título de prudência ou coisas do gênero. Agora os fatos estão postos e não podem ser escamoteados, sendo que quaisquer argumentos favoráveis à 5ª edição, que não venham amparados por documentos legítimos não passarão de filigranas, que o sim, sim; não, não se incumbirá de expelir do concerto filosófico do Espiritismo.

Argumentos jurídicos e documentos legais reforçam a posição contrária à 5ª edição

O seminário de São Paulo trouxe à tona outro aspecto da adulteração de A gênese, a questão jurídica e legal, que se desdobra em compromissos de ordem internacional, sob os aspectos do direito moral do autor de livros após a sua morte. O direito moral não se extingue, ou seja, é perpétuo, e por ele se garante a integridade das obras.

O documento pode ser lido aqui e está assinado por dois advogados integrantes da Federação Espírita do Amapá, especialistas no assunto e alinhados à autora Simoni Privato Goidanich, um deles, inclusive, vice-presidente daquela federativa. Trata-se de mais uma posição que, sem dúvida, aumenta o constrangimento à FEB.

Federação Espírita do Estado de São Paulo é lembrada quanto ao caso de adulteração de O evangelho segundo o espiritismo

J. Herculano Pires foi trazido à tona no episódio que ficou amplamente conhecido nos anos 1970 da publicação pela FEESP de uma tradução adulterada de O evangelho segundo o espiritismo, pela semelhança com o que ocorreu com a 5ª edição de A gênese, de Kardec.  Ao fazê-lo, os organizadores do seminário não apenas reforçam sua posição de condenação à adulteração do último livro de Kardec como, também, arrolam na mesma situação de gravidade o que ocorreu quando da tradução de Paulo Alves Godoy na FEESP.

A menção ao episódio não se limitou a mera citação, mas a uma ampla discussão que alcançou um momento solene de homenagem a Herculano pela sua incansável luta e pelos resultados que logrou do ponto de vista da manutenção da integridade da obra de Allan Kardec, homenagem esta feita na presença da filha, Heloisa Pires, que tudo acompanhou de perto no seminário, tendo agradecido pela lembrança e pelo resgate do fato e das lutas do seu pai.

Síntese do seminário é assinada por Antonio Cesar Perri de Carvalho, ex-presidente da FEB

Cesar Perri foi o coordenador do seminário apresentado pela autora Simoni Privato Goidanich e ao final do evento assumiu a tribuna ao lado de, entre outros, a presidente da USE-SP, Julia Nezu. Perri fez a leitura de um consistente resumo do seminário, elencando e apreciando criticamente os fatos apresentados pela autora do livro O legado de Allan Kardec.

Este documento, que pode ser lido aqui, reforça ainda mais a posição de Simoni e tem significativo apoio a ela e ao seu esforço de estudo e pesquisa do tema, agora esclarecido conclusivamente. Em se tratando de um ex-presidente da FEB que assume com clareza inquestionável uma posição contrária à 5ª edição de A gênese, declarando-o de público e, inclusive, solicitando com justiça o alinhamento de todos às conclusões do seminário, não há como negar que a FEB não pode mais fugir do tema nem se manter apegada a um documento comprovadamente adulterado, como o é a 5ª edição francesa de A gênese.

Fropo coloca às claras as relações deterioradas entre Leymarie e madame Amélie Boudet

Um dos grandes argumentos utilizados pelos defensores da tese de que Allan Kardec foi quem autorizou e fez as mudanças contempladas pela 5ª edição francesa de A gênese, é o de que a viúva de Allan Kardec não reclamou em momento algum do sucessor, Leymarie, quanto às referidas mudanças.

O recém-traduzido livro Muita luz, escrito pela amiga e confidente de Amélie Boudet, Berthe Fropo, que a acompanhou até o final da vida de Amélie, coloca luzes não só sobre a posição da viúva de Kardec quanto à condução do legado kardequiano conduzido por Leymarie, como deixa também claro que este colocou a viúva completamente à parte dos acontecimentos que envolviam este legado, num desrespeito àquela que foi a grande companheira do codificador, como, também, a que recebeu o legado como herança dele, confiando-o posteriormente às mãos de outros, indo este parar com Leymarie.

O livro pode ser acessado e copiado na internet e sua leitura se torna de fundamental importância para estudiosos e demais interessados nos fatos históricos e suas relações com a 5ª edição de A gênese.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita