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por Rogério Coelho

 
Caráter das principais variedades de Espíritas


Só praticando a lei de amor e de caridade que um laço fraternal sério pode se estabelecer. - Allan Kardec[1]


Traçamos em O Livro dos Médiuns, o caráter das principais variedades de Espíritas. Cremos de toda utilidade dever lembrá-lo: podem-se colocar em primeira linha aqueles que creem, pura e simplesmente, nas manifestações. O Espiritismo não é para eles senão uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos; a filosofia e a moral são acessórios, dos quais pouco se preocupam, ou dos quais não supõem a importância. Nós os chamamos Espíritas experimentadores.

Vêm em seguida aqueles que veem no Espiritismo outra coisa senão os fatos; compreende-lhe a importância filosófica; admiram a moral que dele decorre, mas não a praticam; extasiam-se diante de belas comunicações, como diante de um eloquente sermão que se escuta sem aproveitá-lo. Sua influência sobre seu caráter é insignificante ou nula; não mudam nada em seus hábitos e não se privariam de um único gozo: o avarento é sempre sovina, o orgulhoso sempre cheio de si mesmo, o invejoso e o ciumento sempre hostis; para eles a caridade cristã não é senão uma bela máxima, e os bens deste mundo dominam, em Sua estima sobre os do futuro: esses são os espíritas imperfeitos.

Ao lado daqueles há outros, mais numerosos do que se crê, que não se limitam a admirar a moral espírita, mas que a praticam e lhe aceitam, por si mesmos, todas as consequências. Convencidos de que a existência terrestre é uma prova passageira, tratam de aproveitar seus curtos instantes para caminhar na senda do progresso, esforçando-se por fazer o bem e reprimir seus maus pendores; suas relações são sempre seguras, porque sua convicção os distancia de todo pensamento do mal. A caridade é, em todas as coisas, a regra de sua conduta; esses são os verdadeiros Espíritas, ou melhor, os Espíritas cristãos.

Se se compreendeu bem o que precede, compreender-se-á também que um grupo exclusivamente formado de elementos dessa última classe estaria em melhores condições, porque é só entre pessoas praticando a lei de amor e de caridade que um laço fraternal sério pode se estabelecer. Entre homens para quem a moral não é senão uma teoria, a união não poderia ser durável; como não impõem nenhum freio ao seu orgulho, à sua ambição, à sua vaidade, ao seu egoísmo, não lhes imporão mais às suas palavras; quererão preponderar quando deveriam se abaixar; irritar-se-ão com contradições e não farão nenhum escrúpulo em semear a perturbação e a discórdia. Entre verdadeiros Espíritas, ao contrário, reina um sentimento de confiança e de benevolência recíproco; sente-se à vontade nesse meio simpático, ao passo que há constrangimento e ansiedade num meio misturado.

 Isto está na natureza das coisas, e nós não inventamos nada a esse respeito. Segue-se que, na formação dos grupos, seria preciso exigir a perfeição? Isso seria muito simplesmente absurdo, porque seria querer o impossível, e que, nessa conta, ninguém poderia pretender dela fazer parte. Tendo o Espiritismo por objetivo a melhoria dos homens, não vem procurar aqueles que são perfeitos, mas aqueles que se esforçam por se tornar a pôr em prática o ensinamento dos Espíritos. O verdadeiro Espírita não é aquele que chegou ao objetivo, mas aquele que quer seriamente atingi-lo. Quaisquer que sejam, pois, seus antecedentes, é bom Espírita desde que reconheça suas imperfeições, e que é sincero e perseverante em seu desejo de se emendar. O Espiritismo é para ele uma verdadeira regeneração, porque rompe com seu passado; indulgente para com os outros, como gostaria que fossem para consigo, não sairá de sua boca nenhuma palavra malevolente nem ofensiva para ninguém. Aquele que, numa reunião, se afastasse das conveniências, provaria não só uma falta de saber viver e de urbanidade, mas uma falta de caridade; aquele que se magoasse com a contradição, e pretendesse impor sua pessoa ou suas ideias, daria prova de orgulho; ora, nem um nem o outro estariam no caminho do verdadeiro Espiritismo, quer dizer, do Espiritismo cristão. Aquele que crê ter uma opinião mais justa que os outros, fa-la-á bem melhor aceita pela doçura e pela persuasão; o amargor seria de sua parte mau cálculo.

A simples lógica demonstra, pois, a quem conhece as leis do Espiritismo, quais são os melhores elementos para a composição dos grupos verdadeiramente sérios, e não hesitamos em dizer que são aqueles que têm a maior influência sobre a propagação da Doutrina; pela consideração que impõem, pelo exemplo que dão de suas consequências morais, dele provam a gravidade e impõem silêncio à zombaria, que, quando ela ataca o bem, é mais do que ridícula, porque é odiosa; mas o que quereis que pense um crítico incrédulo quando assiste a experiências cujos assistentes são os primeiros a fazerem delas um jogo?! Delas sai um pouco mais incrédulo do que nelas entrou...

Acabamos de indicar a melhor composição dos grupos; mas a perfeição não é mais possível nos conjuntos do que nos indivíduos; indicamos o objetivo, e dizemos que quanto mais dele se aproveitar, mais os resultados serão satisfatórios. Algumas vezes, é-se dominado pelas circunstâncias, mas é a remover os obstáculos que é preciso pôr todos os seus cuidados. Infelizmente, quando um grupo se cria, é-se pouco rigoroso na escolha, porque se quer, antes de tudo, formar um núcleo; basta, na maior parte do tempo, para nele ser admitido, um simples desejo, ou uma adesão qualquer às ideias mais gerais do Espiritismo; mais tarde, percebe-se que foi muito fácil.

Num grupo, há sempre o elemento estável e o elemento flutuante. O primeiro se compõe de pessoas assíduas que lhe formam a base; o segundo, daquelas que nele não são admitidas senão temporária e acidentalmente. É na composição do elemento estável que é essencial pôr uma atenção escrupulosa, e, neste caso, não é preciso hesitar em sacrificar a quantidade à qualidade, porque é ele que dá o impulso e serve de regulador; o elemento flutuante é menos importante, porque se é sempre livre para modificá-lo à sua vontade. Não é preciso perder de vista que as reuniões espíritas, como de resto todas as reuniões em geral, tiram as fontes de sua vitalidade na base sobre a qual estão assentadas; tudo depende, sob este aspecto, do ponto de partida. Aquele que tem a intenção de organizar um grupo em boas condições deve, antes de tudo, se assegurar do concurso de alguns adeptos sinceros, tomando a Doutrina a sério, e cujo caráter conciliador e benevolente lhe seja conhecido. Estando esse núcleo formado, não fora senão de três ou quatro pessoas estabelecer-se-ão regras precisas, seja para as admissões, seja para a correção das sessões e a ordem dos trabalhos, regras com as quais os novos que chegam serão obrigados a se conformarem. Essas regras podem sofrer modificações segundo as circunstâncias; mas há algumas delas essenciais.

Sendo a unidade de princípio um dos pontos importantes, essa unidade não pode existir naqueles que, não tendo estudado, não podem ter formado uma opinião. A primeira condição a impor, se não se quer estar, a cada instante, distraído por objeções ou por perguntas ociosas, é, pois, o estudo preliminar. A segunda é uma profissão de fé categórica, e uma adesão formal à Doutrina de O Livro dos Espíritos, e tais outras condições especiais que se julgarão apropriadas. Isto é para os membros titulares e dirigentes; para os ouvintes, que vêm geralmente para adquirir um acréscimo de conhecimentos e de convicção, pode-se ser menos rigoroso; entretanto, como há os que poderiam causar perturbação com observações deslocadas, é importante se assegurar de suas disposições; é preciso, sobretudo e sem exceção, afastar os curiosos e quem não fosse atraído senão por um motivo frívolo.

A ordem e a regularidade dos trabalhos são coisas igualmente essenciais. Consideramos como eminentemente útil abrir cada sessão pela leitura de algumas passagens de O Livro dos Médiuns, e de O Livro dos Espíritos; por esse meio ter-se-ão sempre presentes à memória os princípios da ciência e os meios de evitar os escolhos que se encontram, a cada passo, na prática. A atenção se fixará, assim, sobre uma multidão de pontos que escapam, com frequência, numa leitura particular, e poderão dar lugar a comentários e a discussões instrutivas, nas quais os próprios Espíritos poderão tomar parte.

Não é menos necessário colecionar e passar a limpo todas as comunicações obtidas, por ordem de datas, com indicação do médium que serviu de intermediário. Esta última menção é útil para o estudo do gênero de faculdade de cada um. Mas, frequentemente, ocorre que se perdem de vistas essas comunicações, que se tornam, assim, letras mortas; isso desencoraja os Espíritos que as deram tendo em vista a instrução dos assistentes. É, pois, essencial fazer uma coleção especial das mais instrutivas, e fazer delas, de tempos em tempos, uma nova leitura. Essas comunicações, frequentemente, são de interesse geral, e não são dadas pelos Espíritos para a instrução de alguns somente, e para serem escondidas nos arquivos. É, pois, útil e conveniente que sejam levadas ao conhecimento de todos pela publicidade.                                                                                    

 

[1] - KARDEC, Allan. Revue Spirite. Dezembro de 1861. Araras: IDE, 1993, p. 375-379.

 

 

     
     

O Consolador
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