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por Eleni Frangatos

 

E foi assim que nasceu o Brasil...


E Deus caminhava pelo sertão agreste, seco, onde o sol escaldante tudo gretava numa dureza de seca nunca vista. Foi quando, de repente, colocando a palma da mão sobre os olhos, vislumbrou um pedaço de terra verdejante lá muito ao longe.

Deus apressou o passo. O suor escorria pelo corpo e sentia as longas barbas e os cabelos encanecidos gotejando. O bordão, ao qual se apoiava, calejara a palma da mão divina e enormes bolhas se formaram.

Quando Deus chegou à mata verdejante, uma sombra fresca, estuante de vida úmida, O acolheu e envolveu. O Senhor se sentiu bem melhor. Uma brisa constante refrescou-O e deu-Lhe um novo alento. Extasiado, olhou a Sua própria criação. Tanto havia criado que nem se lembrava bem daquele lugar. Seus olhos divinos, de um azul celeste límpido, cristalino, tentaram adivinhar quantos matizes de verde se espraiavam por aquela floresta exuberante. Desistiu. O gorjeio dos pássaros encantava Seus ouvidos e, ao longe, escutava o murmúrio dolente de águas correndo... uma cadência suave.

O Senhor estava sedento. O calor era abrasante. Ouvia, mais além, o rumorejar de ondas e caminhou mais um pouco até que chegou a uma praia linda. Orgulhou-se de Sua criação, com um orgulho beirando o embevecimento – o mesmo com que um pai ternamente observa um filho amado. A fita de areia branca estendia-se a perder de vista e um mar calmo, verde como esmeralda, espraiava-se lânguido em ondas sucessivas e mansas.

O Senhor nosso Pai aproximou-se de um coqueiro, colheu um coco e, com o dedo divino, onipotente, furou-o e, feito menino pequeno, sorveu, deliciado, aquela água adocicada e refrescante. Foi, então, que sentiu fome. Com a mão pescou um peixe de dentro do mar. Com a quentura do seu sopro divino, num instante, o peixinho estava pronto a ser degustado. E Deus mitigou a fome, saboreando lentamente cada pedacinho, chupando cada espinha, guloso, lambendo os dedos.

O Pai Divino sentiu um torpor invadi-Lo. Estava cansado. Caminhara muito, muito. O calor continuava sufocante, insetos zuniam e o som era convidativo para uma boa soneca após refeição tão frugal, mas saborosíssima. Deus espreguiçou-se, estendeu as mãos para o céu azul, colheu algumas nuvens e juntou-as, tecendo-as, interligando-as, formando uma rede.  Estendeu as nuvens e deixou-as esticadas entre duas árvores de copas frondosas.

Quando o Senhor preparava para se deitar, escutou a algazarra dos anjinhos que se aproximavam aflitos, afobados, pois haviam perdido Deus de vista, quando cabriolavam por entre as nuvens, brincando de escorrega e de esconde-esconde e, só agora, através da luz fulgurante que emanava do corpo divino por entre as copas das árvores, é que haviam conseguido localizá-lo. Daí a alegria barulhenta.

Envolveram Deus com mil perguntas e risadas de alívio por terem encontrado o Pai e, mais ainda, por Ele não ter bronqueado com eles pela sua ausência.

– Psiu, meninos – fez Deus levando o indicador aos lábios – quero dormir um pouco. Vamos parar com essa barulheira. Não vos cansais nunca? – advertiu com ternura na voz.

Deus deitou-se na rede de nuvens e os anjinhos, carinhosamente com desvelo, tiraram suas sandálias de couro e massagearam-Lhe os pés. Depois, colocaram-se três de cada lado da rede e, suave, lentamente, balançavam o Senhor, que já fechava os olhos numa modorra gostosa.

– Que lugar lindo! Se eu tivesse que viver na Terra, escolheria esse lugar pra minha velhice... – e o Senhor falou isto com uma voz mansa, cantando dolente cada palavra, abrindo as vogais, rolando-as por entre os lábios, pronunciando-as claramente em sua sonolência para que os anjinhos o entendessem logo e não tivesse que repetir.

Mas o menorzinho deles, moreninho, cabelos encaracolados, olhos vivos, irreverente, não se conteve na sua curiosidade:

–  Painho, que língua vai falar o povo deste lugar?

Deus pensou um pouco e com mansidão no coração falou devagar, bem devagar, como as ondas do verde mar que, lentamente e em suave cadência, beijavam a areia dourada pela luz do sol.

– O povo daqui? Pronto! Vai falar português, visse, minino?

E foi assim que nasceu o Brasil... 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita