Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 31)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. Como Flammarion se refere ao cérebro?

Diz Flammarion que, seja qual for a opinião a respeito da natureza do espírito, não há duvidar de que o cérebro não seja o órgão das faculdades intelectuais. Não há no corpo humano nenhum órgão que, com um número proporcionalmente tão diminuto de elementos anatômicos a lhe constituírem a substância, possua tamanha quantidade de partes diferentemente conformadas e provando, à evidência, por sua forma exterior e estrutura interna, sua posição e relações mútuas, que elas presidem a funções especiais, que ainda não foi possível fixar. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

B. Pode-se dizer que o pensamento é proporcional ao número e à irregularidade das circunvoluções?

É o que se entendia na época de Flammarion, ou seja, que o pensamento é proporcional ao número e à irregularidade das circunvoluções. Segundo as conclusões de sua época, o que sobretudo distingue o cérebro humano do simiesco é que, entre as circunvoluções que se dirigem do lobo occipital para o temporal, duas há, no homem, que não se encontram no macaco, sendo este um dos maiores contrastes que separam os dois cérebros. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

C. Qual é, em média, o peso normal de um cérebro humano?

Ele varia entre três libras e três libras e meia. Cada libra equivale a 453 gramas. O peso do cérebro dos cretinos desce, por vezes, a uma libra. O de Cuvier pesava mais de 4 libras. Afora a questão do peso, o tamanho, a forma e o arranjo da composição do cérebro eram também invocados pelos anatomistas como correlatos à inteligência. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)


Texto para leitura


564. Em regra, os homens que encaram com desdém e displicência quaisquer questões são os que pretendem opinar com maior segurança, e isto simplesmente porque, não as tendo profundado, são incapazes de avaliar as dificuldades que elas apresentam aos pesquisadores. Ainda hoje, temos metafísicos que cerram os olhos para melhor se verem a si mesmos, e sem noção alguma de método experimental. Esses, pois, que vêm repetindo há 50 anos, sem se precatarem das dificuldades da proposição, que a alma é um ser encarnado no corpo e independente desse corpo, terão muito o que meditar na sequência dos fatos que vamos desenvolver. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

565. Seja qual for a opinião a respeito da natureza do espírito, não há duvidar de que o cérebro não seja o órgão das faculdades intelectuais. Examinemos-lhe a estrutura. Esta, diz Carl Vogt[i], é extremamente complicada. Não há no corpo humano nenhum órgão que, com um número proporcionalmente tão diminuto de elementos anatômicos a lhe constituírem a substância, possua tamanha quantidade de partes diferentemente conformadas e provando, à evidência, por sua forma exterior e estrutura interna, sua posição e relações mútuas, que elas presidem a funções especiais, que ainda não foi possível fixar. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

566. Quanto às partes elementares, componentes da substância cerebral do homem e dos animais, formam elas dois grupos principais: – uma substância cinzenta, mais ou menos escura, ou amarelada, que oferece a olho nu uma aparência bastante homogênea, e uma substância branca na qual podemos distinguir feixes mais ou menos aparentes, projetando-se em direções determinadas. A substância parda forma, certamente, o núcleo principal da atividade nervosa, e a branca, ao contrário, parece ser a parte condutora. Se cogitarmos de conceber as relações da estrutura cerebral com o desenvolvimento intelectual, é, sobretudo, na substância parda e nos pontos em grande parte formados por ela, que importa atentar, de preferência. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

567. O cérebro divide-se em dois hemisférios laterais por um sulco profundo, que segue sua linha mediana e na qual se intermite uma dobra da dura-máter, chamado foice do cérebro. Uma segunda prega dessa membrana, tenda do cerebelo, estende-se horizontalmente na região posterior do crânio e separa o cerebelo dos lobos posteriores do cérebro, servindo-lhe de suporte. O cérebro propriamente dito forma, assim, um todo completo, que, conforme o comprovam o desenvolvimento embriológico e a anatomia comparada, avoluma-se e acaba comprimindo e avassalando as demais partes. Esse aumento de volume, nos animais, corresponde à sua elevação na escala, com acentuada tendência para o tipo do cérebro humano. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

568. Examinando por cima, cada hemisfério parece formar uma massa distinta, apresentando à superfície uma porção de sulcos de contorno, permeando cordões intestiniformes, ou circunvoluções. Comumente, os dois hemisférios são semelhantes e se dividem em três segmentos sucessivos, de diante para trás: – os lobos frontal, parietal e occipital. Visto de lado, haveria que juntar o lobo inferior temporal e, além deste, um pequeno lobo oculto, chamado ilha, ou lobo central. Os anatomistas antigos pouca atenção ligaram às circunvoluções, ainda porque tardaram em reconhecer que os dois hemisférios não são inteiramente simétricos. Assim, consideravam fortuita a distribuição das ditas circunvoluções, ou, conforme diz um observador, como um punhado de intestinos lançados ao acaso, de sorte que os desenhistas costumavam fantasiá-los assim nas suas estampas anatômicas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

569. As observações mais aprofundadas destes últimos tempos ensinaram-nos, entretanto, que essa bela desordem é um efeito artístico da Natureza e que existe um plano definido, uma certa lei que então não fora notada, de vez que as investigações se haviam limitado quase exclusivamente ao homem. Dá-se com os naturalistas o mesmo que com os homens pouco versados em Arquitetura, os quais, no meio da profusão de elementos que sobrecarregam um estilo, não podem decifrar o plano fundamental. Segundo as últimas investigações, estas circunvoluções cerebrais teriam capital importância e delas trataremos antes de nos ocuparmos com as relações de peso e volume. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

570. Na opinião de Gratiolet, essa conformação cerebral é peculiar ao macaco e ao homem, e existe ao mesmo tempo nas túnicas cerebrais, quando surgem, uma ordem geral, uma disposição típica e comum às duas espécies. “Essa uniformidade na disposição das pregas cerebrais, no homem e nos símios, diz esse fisiologista, merece a mais acurada atenção dos filósofos. Há também um tipo particular de pregas nos makis, nos ursos, felinos, caninos, etc.; enfim, para todas as famílias animais. Cada qual tem suas características, sua norma, e em cada grupo podemos facilmente reunir as espécies pela só confrontação das túnicas cerebrais”.[ii] (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

571. Parece que o pensamento é proporcional ao número e à irregularidade das circunvoluções. O homem, o orangotango e o chimpanzé têm circunvoluções no lobo médio, ao passo que nas outras espécies de macacos e nos outros animais esse lobo é absolutamente liso. A figura desses sulcos e dos que descrevem meandros irregulares nos outros lobos é tanto mais irregular, quanto mais caracterizado o pensamento. Os animais gregários como a foca, os elefantes, cavalos, renas, carneiros, golfinhos, apresentam um desenho menos regular que o dos outros animais. Deste ponto de vista, o que sobretudo distingue o cérebro humano do simiesco é que, entre as circunvoluções que se dirigem do lobo occipital para o temporal, duas há, no homem, que não se encontram no macaco, sendo este um dos maiores contrastes que separam os dois cérebros[iii]. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

572. Nas espécies animais e na humana, a superioridade da inteligência parece tanto mais elevada quanto mais sinuosas sejam as anfratuosidades do cérebro, mais profundos os sulcos e mais numerosas as impressões e ramificações, a assimetria e irregularidade. As estrias, muito visíveis no cérebro do adulto, não se evidenciam no da criança. O cérebro de Beethoven apresentava anfratuosidades duplamente mais profundas que os cérebros comuns[iv]. Poderão alguns anatomistas responder que grandes animais muito broncos, tais como o asno, o carneiro, o boi, apresentam maior número de circunvoluções que animais de maior inteligência quais o cão, o castor, o gato. Mas, é preciso não esquecer os matemáticos e considerar que os volumes são, entre eles, como os cubos dos diâmetros; ao passo que as superfícies são como os quadrados entre si. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

573. O volume do cérebro do tigre está para o seu corpo na mesma razão que o do gato; mas a superfície é proporcionalmente menor e, para atingir um igual desenvolvimento, é preciso que ela se retraia e se enrole. Estas circunvoluções têm, sem dúvida, a sua importância, mas era natural se imaginasse que o peso comparativo do cérebro das diferentes espécies deve ter não menor importância e que as suas variantes na espécie humana devem ser tomadas em consideração. De fato, parece que os seus efeitos estejam em proporção com a massa. Assim é que, na criança e no velho, ele é menor que no homem maduro. A alma da criança como que se desenvolve, à medida que aumenta a substância cerebral. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

574. O peso normal de um cérebro humano é de três a três meia libras[v]. O peso do cérebro dos cretinos desce, por vezes, a uma libra (453 gramas). O de Cuvier pesava mais de 4 libras. O tamanho, a forma, o arranjo da composição do cérebro, são também invocados pelos anatomistas como correlatos à inteligência[vi]. A Anatomia comparada mostra-nos, em toda a escala animal, inclusive o homem, que a energia da inteligência está em relação constante e ascendente com a constituição material e o tamanho do cérebro. Os acéfalos são os que ocupam o primeiro grau da escala. O homem, supõe-se, tem o maior cérebro real, pois, ainda que o de alguns animais, no conjunto, sejam mais volumosos, o humano é o mais considerável nas partes que dizem com as funções do pensamento. O resultado geral das operações anatômicas demonstra que a diminuição do cérebro animal aumenta à proporção que baixa a escala zoológica, e que os animais dos primeiros degraus, como sejam os anfíbios e os peixes, são os de menor cérebro. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

575. Esses fatos gerais não deixam de ter exceção, como veremos daqui a pouco, mas cumpre-nos expô-los conscienciosamente, antes de os discutir ou explicar. A convicção da grande importância que tem a conformação cerebral, nos mamíferos, chegou a ensejar a proposta de uma nova classificação baseada nessa conformação. A nós nos parece, contudo, que não é tanto no peso absoluto do cérebro, como na sua relatividade com o peso do corpo, que devemos atentar. Seja o cérebro do elefante ou do hipopótamo mais pesado que o de qualquer rapariga, não há nisso nenhum caráter distintivo, favorável aos primeiros. É mais razoável considerar as relações, sem chegar a concluir daí que o cérebro de um magro pensaria melhor que o de um gordo. Sob este aspecto, os macacos e as aves ocupam a primeira linha. O cérebro do asno não pesa mais que 250 partes do corpo; ao passo que o do rato dos campos corresponde a trinta e uma partes, o que levava o espirituoso Andrieu a dizer que os ratos tinham um focinho muito espiritual. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

576. Como circunvoluções, peso absoluto, peso relativo, deixassem grandes incertezas sobre as relações do cérebro com o pensamento, supuseram que a superioridade do ser estaria em relação com a quantidade de gordura contida no cérebro. O homem tem no cérebro mais gordura que os mamíferos, e estes mais que as aves. A massa cerebral do bovino não atinge a 1/6 da do homem[vii]. O que caracteriza o cérebro do feto, durante a gestação, é o fato de não conter quase gordura, sobretudo fosforada. Nos recém-nascidos a gordura já se encontra assaz aumentada e, daí por diante, avulta rapidamente com a idade. A distinção racial não se nota no cérebro da criança, branca ou preta. São crânios que apresentam as maiores semelhanças. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.) (Continua no próximo número.)

 


 


[i]     Leçous sur I’Homme, 3º.

[ii]    Gratiolet – Anales des Sciences Natur, 3ª série, t. 14º página 186.

[iii]   Tiedemann – Das Hirn des Negers mit dem des Europaers und Ouran-Outang verglichen.

[iv]   Wagner – Procès-verbal de dissetion.

[v]    Veja-se Vogt, Hoffmann, Tiedemann e Lauret. Schneider avalia-o em 3 libras; Pozzi em 3 libras e 8 onças; Sennert atribui-lhe 4; Arlet 4 e 3 onças, Haller 4, Bartholin 4 a 5, Picolhuomini mais de 5. Lelut admite 1 quilo, 320 gramas para os cérebros comuns, de 20 a 25 anos, e Parchappe 1 quilo e 325 gramas.

[vi]   Preciso é, com efeito, reunir estes diferentes caracteres para poder estabelecer uma relação entre o cérebro e o Espírito. Não bastaria, para tanto, o peso real. “Afirmou-se outrora, diz Charles Vogt, que, de todos os animais, o homem era o que tinha o cérebro mais pesado. É uma verdade, mas não absoluta, porquanto não tardou que os colossos inteligentes do reino animal, quais o elefante e os cetáceos, demonstrassem o exíguo valor dessa proposição. Disseram então que, não sendo o peso absoluto, seria, ao menos, o relativo. Em média, o peso do corpo humano está para o do cérebro na razão de 36:1, ao passo que nos mais inteligentes ele raramente passa de 100:1. Entretanto, se os gigantes contrariam a primeira proposição, temos que os anões afirmam a segunda. A chusma de pequenas aves canoras apresenta uma relação de peso muito mais favorável do que a cifra normal humana e os pequenos macacos americanos oferecem um peso muito superior ao do rei da criação.” Vogt pensa, com razão, que, se o peso do cérebro pudesse ser comparado com qualquer outro fator numérico tomado do corpo humano, esse fator só poderia ser uma extensão, que, inteiramente sujeita à flutuação, seria, por isso mesmo, muito limitado. Melhor conviria, talvez, tomar o comprimento da coluna vertebral para termo de relação com o peso do cérebro. Homens que nos parecem estar no mesmo nível intelectual, podem, certamente, ter cérebros de peso desigual; homens notáveis podem apresentar pesos inferiores aos de craveira medíocre; mas isso não impede que haja uma relação aproximativa do peso com o grau da inteligência e que a determinação dessa relação seja um fator que se deva, de qualquer forma, desprezar.

[vii]   Von Bibra – Vergleichend Untersuchungen über das Gehirn des Menschen und der Werbetihiere, 129.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita