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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

  
Desencarnação e socorro imediato: um caso singular


O tema da morte é um assunto evitado pela maioria das pessoas. Afinal de contas, é algo que traz inquietação, dúvida e intranquilidade – como um companheiro indesejável que nos acompanha por toda a vida – diante do desconhecido, do que nos aguarda do lado de lá, enfim. Entretanto, a morte chega para todos nós – gostemos ou não – implacavelmente. Dito de maneira mais simples, a morte encerra o cumprimento de um ciclo para o qual devemos estar preparados. Para uns, esse ciclo é longo, mas, para outros, é extremamente curto. Seja como for, todos os dias somos lembrados da presença da morte, seja de uma forma ou de outra.

Como será, então, a nossa transição para a dimensão espiritual? A única certeza que podemos ter é que vai depender exclusivamente de nós. Como sensatamente alertou-nos Jesus, “a cada um segundo as suas obras”. Com efeito, tal advertência aplica-se imediatamente no momento da nossa morte. Ou seja, já nos primeiros instantes seguintes à desencarnação iniciamos a justa colheita das “nossas obras”. A qualidade destas, aliás, determinam a nossa condição espiritual e, por extensão, a merecida ajuda ou punição do lado de lá. O caso que relatarei a seguir envolveu uma pessoa da minha relação de amizades – referir-me-ei a ela como Dona M, uma extraordinária médium – e a sua participação no desencarne de um amigo e vizinho seu de longa data, o Senhor P.

Há alguns dias atrás, o Senhor P desencarnou inesperadamente em sua residência, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Segundo Dona M, ele estava, ao que tudo indica, padecendo dos primeiros estágios de um câncer de garganta (o diagnóstico fora dado recentemente). No entanto, o seu estado geral de saúde parecia saudável dada a sua aparência, e a sua morte súbita surpreendeu a todos. A filha mais nova e o neto estavam morando com ele, e, pelo que a Dona M apurou, o Senhor P estava muito preocupado com a situação deles.

A notícia sobre o passamento do Senhor P havia lhe chegado pouco antes da hora do almoço daquele dia, deixando-a extremamente chateada, considerando a amizade que mantinham. Ela sentiu um choque muito grande, mas decidiu nada fazer até que lhe chegassem mais informações sobre o féretro. Fez, no entanto, uma prece sentida pelo amigo recém-desencarnado. Recordou muitos momentos agradáveis da convivência que tiveram ao longo dos anos.

Assim sendo, continuou os seus afazeres domésticos, embora sem conseguir tirar a imagem do Senhor P da mente. Em dado momento foi ao quintal da sua casa recolher algumas roupas do varal, até que um “pensamento abrupto” lhe invadiu a mente com a seguinte recomendação: “Troque de roupa, arrume o cabelo e vá à casa do Senhor P”. Médium experimentada, ela decidiu cumprir incontinenti a tarefa delineada.

Alguns minutos depois, Dona M estava na residência dele. Os familiares a receberam com muito respeito – ela já é uma septuagenária e as cãs lhe adornam a cabeça. Com muita determinação, ela solicitou permissão aos familiares – crentes, cumpre salientar – para ver o corpo e fazer uma oração junto dele, antes que a viatura do Instituto Médico Legal o levasse. Disse-lhes ainda, com sinceridade, “Sou espírita, mas o evangelho de Jesus é igual para todos”. Eles educadamente concordaram e pediram a uma moça, amiga da família, que acompanhasse Dona M.

As duas adentraram a residência, passaram por vários cômodos, até chegarem ao banheiro onde jazia o corpo inerme de bruços coberto por um lençol alvo. O banheiro estava muito limpo e a pintura era clara. Dona M pediu à sua jovem acompanhante para descobrir a cabeça do Senhor P e fizesse uma oração.

Em seguida, ela mentalizou os seus mentores espirituais, e rogou fervorosamente, em voz alta, ajuda para o amigo desencarnado. Sentindo-se já mediunizada, iniciou um diálogo singular com o falecido. Ela revelou-me que ouvia perfeitamente a sua voz (rouca, a propósito, como de costume) indignada, as suas palavras de desespero diante da morte súbita e dos problemas familiares pendentes. Diante do quadro doloroso, ela falou-lhe o que segue:

– “Senhor P, o senhor está me ouvindo? Eu vim aqui para falhar-lhe. Eu sinto que o senhor está desesperado por tudo ter terminado assim... O senhor não quer, mas é a vontade de Deus! O senhor estava com uma doença grave e iria sofrer muito, mas Jesus lhe abreviou a passagem. Desculpe-me por falar-lhe deste jeito, mas eu tenho conhecimento e pedi aos meus protetores, que estão ao seu lado, para lhe auxiliar levando-o, de modo que o senhor possa receber a assistência apropriada em outro lugar... Um dia o senhor vai entender e poderá também ajudar aos seus entes queridos que aqui ficam... Vá com esses mentores que querem apenas o seu bem”.

Nesse interregno, acorreu à mente de Dona M um pensamento (sugestão) incisivo, e ela, por conseguinte, apôs as suas mãos sobre o corpo inerme. Os seus braços e mãos começaram a tremer. Ela recomendou ainda à sua acompanhante que não temesse e continuasse rezando. Dona M relatou-me que sentiu naquele momento significativo da sua intervenção uma energia vinda do corpo sem vida levando-a quase ao desfalecimento.

Foi amparada pela moça, e subitamente assomou-lhe o pensamento de que os fluidos vitais remanescentes haviam sido retirados. Em sua mente recebia o esclarecimento do seu mentor que o corpo do Senhor P não estava totalmente debilitado, isto é, havia nele ainda energia vital que deveria ser retirada para que “os vampiros” não a sugassem.

Já recuperada da tarefa, retirou-se juntamente com a moça. Despediu-se da família reiterando que o amor de Jesus está presente em todas as religiões. Ao sair da casa do Senhor P encontrou com uma outra vizinha, Dona C, que se ofereceu para acompanhá-la até a sua residência. No curto caminho entre as duas residências, Dona C contou-lhe que, poucas horas antes, a sua filha (também portadora de vários tipos de mediunidade) viera inesperadamente visitá-la junto com a netinha recém-nascida. Informada sobre o passamento do vizinho da mãe, a quem conhecia desde criança, sugeriu-lhe que fizessem o culto do Evangelho no Lar a distância.

Mal começaram e a jovem médium, por meio da sua vidência, identificou a presença do Senhor P no recinto, absolutamente desesperado – exatamente como a Dona M posteriormente também constatou – diante da sua súbita desencarnação. As duas mulheres oraram e a imagem do Espírito desencarnado desvaneceu-se. Dona C confessou à Dona M que ela e a filha tiveram o desejo de ir à casa do Senhor P, mas não se sentiram à vontade, já que a família era de evangélicos e elas não queriam entrar em conflito.

O caso em apreço merece algumas observações à luz da doutrina espírita. Em primeiro lugar, ao desencarnar, o Senhor P imediatamente se desligou do corpo consciente do ocorrido (de alguma forma, Dona M captou a dor que o Senhor P sentiu). Como era uma pessoa de boa índole e íntegro, nada o prendeu aos despojos mortais, e a assistência dos dois lados da vida foi notável.

Nesse sentido, cabe lembrar algumas observações de Allan Kardec, na obra O Céu e o Inferno, capítulo 1, O Passamento, a saber: “A extinção da vida orgânica acarreta a separação da alma em consequência do rompimento do laço fluídico que a une ao corpo, mas essa separação nunca é brusca. O fluido perispiritual só pouco a pouco se desprende de todos os órgãos, de sorte que a separação só é completa e absoluta quando não mais reste um átomo do perispírito ligado a uma molécula do corpo. ‘A sensação dolorosa da alma, por ocasião da morte, está na razão direta da soma dos pontos de contato existentes entre o corpo e o perispírito, e, por conseguinte, também da maior ou menor dificuldade que apresenta o rompimento’. Não é preciso, portanto, dizer que, conforme as circunstâncias, a morte pode ser mais ou menos penosa. Estas circunstâncias é que nos cumpre examinar”.

Conclui-se, portanto, que a coesão entre o perispírito e o corpo do Senhor P já era inexistente, e, desta forma, o seu Espírito se libertou espontaneamente. Entretanto, Dona M foi intuída a dar um passe para a eliminação total do fluido vital do corpo do falecido a fim de que as entidades infelizes dele não se aproveitassem. A propósito, na obra Missionários da Luz, de autoria do Espírito André Luiz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), capítulo 11, Intercessão, o benfeitor é esclarecido pelo mentor Alexandre que tais entidades “abusam de recém-desencarnados sem qualquer defesa ... nos primeiros dias que se sucedem à morte física, subtraindo-lhes as forças vitais depois de lhes explorarem o corpo grosseiro...”

Embora as venerandas entidades espirituais estivessem se referindo ao suicida Raul, a experiência aqui relatada demonstra que foi tomado exatamente o mesmo cuidado no caso do Senhor P. Este, por sinal, será certamente esclarecido – mercê do seu esforço e conduta no bem quando encarnado – com relação às forças do amor que foram mobilizadas em seu favor na sua despedida da vida material.   

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita