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por Jane Martins Vilela

 

Abnegado servidor


Outubro é mês de lembranças. De lembrar e não deixar a geração mais nova esquecer aqueles que foram exemplo de amor e passaram. Passaram no corpo físico, deixando pegadas de luz por onde pisaram. Despediram-se da Terra, mas o espírito imortal permanece vivo, ainda num trabalho incessante de amor, pois o bem necessita ser cultivado como um campo e, enquanto o bem não se estabelecer definitivamente no mundo, os trabalhadores de Jesus, em nome do excelso amor, não descansam, continuam operosos e diligentes.

No dia 6 de outubro de 1913 nasceu Hugo Gonçalves, em Matão, São Paulo, com a assistência abençoada de Cairbar Schutel, o Espírita número um do Brasil, o bandeirante do Espiritismo, como diziam alguns. Hugo Gonçalves trazia na alma um grande amor por Jesus e carregava consigo a gratidão ao espírito de Cairbar Schutel, seu mestre em Matão.

Cairbar tinha esperanças em Hugo e desde cedo o estimulava ao estudo do Espiritismo e ao trabalho no bem. Contava Hugo que aos oito anos de idade, já tinha decorado o livro de Schutel Espiritismo para as crianças. Cairbar o fazia responder às questões que estavam nesse livro, no Centro Espírita Amantes da Pobreza, por ele fundado em Matão.

Hugo começou a escrever com 11 anos de idade. Levava a redação para o Schutel. Ele, com paciência, dizia: pode ler. E ele lia e levava aos domingos para o público das reuniões do Amantes da Pobreza. Todos os domingos ele levava e lia. Numa das conferências, marcante foi para ele a página lida, “Noite Maravilhosa”. Quando terminou, o Schutel pediu o papel. Me dá aqui, disse ele. E guardou no bolso. No domingo seguinte, saiu o seu artigo no jornal “O Clarim”. Disse Hugo que o Schutel publicou, após corrigir e mudar tudo, até o título, para “Uma noite Maravilhosa”. A partir daí, Schutel pediu-lhe que escrevesse sempre e publicava no “O Clarim”.

Aos doze anos de idade, em 1925, Hugo escreveu uma prece, que hoje ainda é lida com muito carinho no Lar Infantil Marília Barbosa e no Centro Espírita Allan Kardec, de Cambé, que ele dirigiu com amor, por sessenta anos. Aqui compilamos essa oração:

Jesus, educador da humanidade, que disseste: “Deixai que os pequeninos comigo venham ter....”

Ensina-me a formar os paladinos da justiça, do bem e da verdade.

Ensina-me a ensinar o bem viver.

Com palavras, exemplos e carinhos, dá que eu conduza ao porto desejado, essas almas em flor.

Que cada coração por mim tocado tenha o perfume bom do rosmarinho, onde esteja o teu divino amor.

Que eu nunca seja pedra de tropeço.

Que eu nunca escandalize uma criança.

Que eu saiba respeitar seu coração.

Dá-me esta força poderosa e mansa,

Este dom de educar que não tem preço,

Talento, esforço, amor e inspiração.

Ficamos pensando: que criança de doze anos de idade escreveria assim, com tanto sentimento e profundidade, numa rogativa a Jesus, pelo trabalho que ele realizaria por uma vida inteira? Era o missionário do amor que carregava consigo, em espírito, essa certeza.

Em 1953 Hugo esteve em Cambé, na inauguração do Lar Infantil Marília Barbosa. Nessa época era administrador de fazenda. Conhecido no meio espírita brasileiro pelas crônicas no jornal “O Clarim”, foi convidado com insistência, por Luiz Picinin, a administrar o Lar Infantil. Aceitou, no mesmo ano. Com sua companheira inseparável Dulce, a “mãezinha” de Cambé, começou o trabalho que perdurou até sua morte. Ambos permaneceram fiéis até o fim.

Hugo fez um trabalho de amor tão grande que era amado em diversos lugares do Brasil. Era chamado de Paizinho por todos. Tinha a vibrante palavra do evangelho nas palestras e falava sempre de Jesus, por quem tinha imensa veneração. Assim são os espíritos que deixaram pegadas de amor na Terra. Enaltecem Jesus nas palavras e nos atos.

O jornal “O Imortal” começou a circular em 25 de dezembro de 1953. Continua firme. Saiu do Brasil. Foi além-fronteiras, divulgando o Espiritismo há muitos anos.

Quem conheceu Hugo, o amado paizinho de Cambé, não o esquece. Sua figura foi a de um verdadeiro líder. Humilde, pequenino, sempre creditava à sua amada Dulce as homenagens que recebia. Era a verdadeira liderança, obedecido por amor. O que ele pedia, as pessoas faziam questão de atender, tamanho era o sentimento de amor que tinham por ele. Era um prazer atendê-lo.

Figuras assim, como ele, precisam ser lembradas. São exemplos para quem os conheceu.

Foi uma honra e um prazer enormes estar ao lado do nosso paizinho. Sempre com o cuidado com o Espiritismo, com o que o espírita precisava viver, exemplificando os ensinamentos de Jesus. Era uma alegria partilhar assuntos edificantes com aquele homem de cabelos de neve e sabedoria imensa, que abria a sua casa e recebia a todos com carinho.

Certo dia, brincando com ele, disse-lhe que estava difícil se aproximar para conversar, tamanha a quantidade de pessoas que o cercavam. Ele, sorrindo, com aquele sorriso cativante, disse apenas: - Que posso fazer, minha filha, se eu sou feito de mel? Até hoje sorrimos com isso.

O título do artigo é o título do livro que retrata traços de sua história e do Espiritismo na região. Assim, hoje falam dele como o abnegado servidor. Serviu até o fim. Desencarnou com cem anos de idade, no dia do professor, 15 de outubro. O dia da desencarnação foi merecido, ele foi um mestre.

Este ano, 4 anos passados de sua desencarnação, será novamente lembrado.

No domingo, dia 15 de outubro, em homenagem à sua vida e obra, algumas de suas filhas e amigos do Lar Infantil rememorarão a data, com uma festividade para as crianças. Desde que desencarnou, todos os anos, por amor a ele, sua lembrança é retratada nessa festividade com as crianças, que ele tanto amou.

Em respeito a ele, que sempre demonstrou humildade, creditando tudo à sua amada Dulce, aqui agradecemos a ela, pois, como diz o ditado, atrás de um grande homem há uma grande mulher. Ela trabalhou no Lar Infantil, como a mãezinha das crianças, sem receber dinheiro algum por isso. Trabalhou 50 anos, até desencarnar, em 2003. Ele ficou mais dez anos. Trabalhou 60 anos, com amor, igualmente. Exemplos de luz e serviço no bem, para todos nós. Nossa gratidão a ambos.

Nossa homenagem a Hugo Gonçalves, que nasceu em outubro e desencarnou em outubro, servindo até o fim do corpo físico, pois a alma é imortal. E ele serve ainda hoje, e servirá sempre. Até a vitória do bem e ainda mais, pois, como dizia Jesus, “Meu Pai trabalha até hoje e eu trabalho também”.

 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita