Cinco-marias

por Eugênia Pickina

 

Deixe a criança entediar-se, por favor! 


Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação
. (Manoel de Barros) 


Experimentar o tédio é fundamental na infância. 

Os pais não necessitam preencher toda a agenda do filho com atividades extracurriculares. Pelo contrário, impedir que uma criança viva a cada dia momentos sem nada para fazer, prejudica o desenvolvimento da sua personalidade, da sua emocionalidade.

Grande aliado da imaginação, o tédio impulsiona a criança a ser para si mesma uma companhia agradável. E toda criança, sentindo-se entediada, se abre à curiosidade, pondo-se a inventar algo para brincar…

Experimente deixar seu filho realmente sem fazer nada. Leve-o para fora de casa, se possível – quintal, pátio, pracinha do bairro. Depois de um tempo, observe-o: ele começará a procurar pedrinhas, mexerá nas plantinhas, investigará vasos, árvores e coisas que o sensibilize de alguma forma e, na sequência, brincará animado e concentrado.

Ao contrário do que muita gente pensa, momentos ociosos embasam o brincar livre, possibilitando que a criança explore o mundo, desenvolva habilidades físicas, coordenação motora, habilidades sociais (empatia, por exemplo), instigando a coragem para lidar com os pequenos desafios, para avaliar os riscos que emergem de situações nascidas da própria rotina. No parquinho do edifício, por exemplo, uma meninazinha poderá refletir consigo mesma: “será que hoje eu consigo balançar mais alto?”

Quando pensamos na interação dos pais com a criança, não estamos dizendo os pais brincando com o filho ou a filha o tempo todo. Na realidade, a criança precisa de tempo de solidão, quando ela é deixada sozinha com seus brinquedos – carrinhos, blocos, bonecas –, papel, lápis de cor, tinta… Basta dizer a ela: “nada de TV agora, nada de tablet. Vai brincar com seus brinquedos. Vai inventar, vai desenhar…”

E sempre que puder, leve seu filho para correr e brincar ao ar livre. Se cair e se machucar, ele vai perceber que aquela dor aguda, do momento, passará, e esse aprendizado será benéfico para o tempo da adolescência. Porque a dor de ser superprotegido, impedido de crescer, é absolutamente (mais) difícil de ser sanada: e que dias duros serão aqueles, quando a vida exigir avanços – e que nunca se dão envoltos em papel de seda.

Um abraço, feliz semana!

Notinha

Existem muitas definições de tédio. Transcrevo aqui uma que faz sentido: “é uma experiência aversiva de querer, mas não conseguir, se engajar em uma atividade satisfatória”(John Eastwood, pesquisador canadense). O tédio aparece quando não temos estímulos, e piora quanto mais obcecados estivermos com eles. Sei, por experiência, que não devemos temer o tédio, mas aceitá-lo e aproveitá-lo. Com isso, somos impelidos a explorar novas ideias e escolhas, ou seja, abrimo-nos a possibilidades criativas. E, no caso das crianças, permitir sim que elas experimentem o tédio, que fiquem momentos do dia ociosas, porque isso dará oportunidade a um fiel aliado do próprio tédio: a imaginação. É um fato: sem a capacidade de se entediar, o ser humano dificilmente teria feito conquistas artísticas e tecnológicas.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita