Cinco-marias

por Eugênia Pickina

 

Existe brinquedo de menina e de menino?


“Deixe os brinquedos serem brinquedos.” (Let Toys Be Toys*)


Todos sabemos que as crianças imitam o mundo adulto em suas brincadeiras. De uma maneira lúdica, simplificada, elas reproduzem os hábitos e as atitudes que as cercam, como que num experimento para o mundo real.

Como muitas pessoas ainda ignoram o fato de que gênero é cultural (distinto do sexo, que é biológico), há alguns dias uma amiga me contou decepcionada que havia dado um jogo de panelinhas para o filho de aniversário e tinha sido asperamente criticada pela sogra, avó do menino, para quem aquilo era “brinquedo de menina”.

Bom. Se a brincadeira reflete o mundo adulto e prepara as crianças para ele, restringir panelinhas às meninas continua a replicar na sociedade a ideia de que cozinhar/cuidar da casa é tarefa de mulher. E como podemos esperar que os meninos assumam essas funções quando eles forem adultos se eles passam a infância inteira assimilando esse modelo cultural rígido patriarcal?

Infelizmente a maioria das lojas de brinquedos (ainda) apresenta no Brasil seus produtos em seções de menino e menina. Na prática, brinquedos relacionados a tarefas domésticas, como uma máquina de lavar ou um fogão, vêm acompanhados nas caixas quase sempre de fotos de meninas. Além disso, os pais que querem escapar à estereotipagem nos brinquedos esbarram também, principalmente no caso desses brinquedos, no uso predominante da cor rosa, uma cor que muitos meninos rejeitam por associarem às meninas. Ora. Por que quase não há fogões de brinquedo brancos, vermelhos, verdes? O fogão da minha cozinha não está pintado de cor de rosa. E eu e meu marido cozinhamos na nossa casa e de acordo com nossas preferências de cardápios e hábitos, dividindo o preparar das refeições, alterando com respeito os dias na cozinha e para que ambos consigamos dar conta de outras funções e compromissos.

Quando eu era criança, brincávamos eu, minha irmã e meu irmão de casinha. Ele, o meu irmão, insistia com a gente para permanecer na cozinha, cuidando da comida. Cresceu, casou e continuou a cozinhar, aplicando a si mesmo as palavras de Mia Couto: “cozinhar não é um serviço, cozinhar é um modo de amar os outros”.

Minha filha tem sete anos e gosta de brincar com carrinho, caminhão, trator robusto para carregar o “feno dos cavalos na fazenda”, imaginando em uma tarde de sol que é uma policial ativa na segurança da nossa cidade; outros dias, uma investigadora ocupada em decifrar um caso de mistério difícil, e outros, uma química “aperfeiçoadora de flores e plantas”. 

Na realidade, quando abandonamos as crenças insensatas, nutridas pela rigidez tão peculiar à ignorância, observamos que meninas e meninos simplesmente gostam de brinquedos variados. Por isso, não faz o menor sentido impedir brincadeiras e brinquedos de tipos diferentes, que ajudam no desenvolvimento de capacidades específicas. Porque não é um mundo polarizado, tomado por preconceitos, que desejamos que nossas crianças encontrem…


Notinha


*Let Toys Be Toys (“Deixe os brinquedos serem brinquedos”) – é uma campanha britânica que luta para não excluir as crianças de certos tipos de brinquedos ou brincadeiras, à medida que essa exclusão faz com que elas percam experiências de formação importantes.

Em 2014, a Lego lançou uma linha de bonecas femininas cientistas, com uma astrônoma, uma química e uma paleontóloga.

Xalingo é um exemplo de empresa de brinquedos gaúcha que vem apostando em cores menos identificadas com um gênero específico. Seu brinquedo de blocos “Pequeno Engenheiro” traz um menino e uma menina usando capacetes de obras na capa. Sua cozinha “para meninos e meninas” teve um “retorno muito positivo” por parte do consumidor, declarou a fabricante à Folha de S. Paulo no ano passado.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita