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por Felinto Elízio Duarte Campelo

 

A planta maldita


A meninada estava eufórica. Vovó Lúcia reuniu os doze netos e anunciou:

- Comprei uma fazenda. Fica a menos de vinte quilômetros da cidade e a pouco mais de meia légua da estrada principal. Vou mandar fazer uma reforma na casa grande, uma limpeza no riacho, um banho de bica e quadras para jogos.

- Uma boa, vó Lúcia! Nossos fins de semana serão ainda mais animados - comentou Eulália, a neta de quatorze anos.

O tempo que antecedeu à inauguração foi de ansiedade, de planos, de sonhos. Convidariam os colegas, organizariam corrida de saco, quebra-pote, cabra-cega, jogos de vôlei, torneios de futebol.

O grande dia chegou. Vovó Lúcia exultava, observava cuidadosamente a meia centena de crianças esbanjando energias numa explosão de contentamento.

À tardinha, durante uma acirrada partida de futebol entre os de camisa azul e os de vermelha, a bola, seguida pelo esperto Rubinho, ganhou distância indo alojar-se numa touceira, longe dos limites do campo.

De repente, um grito lancinante. Rubinho, apresentando vergões avermelhados nos braços e nas pernas, contorcia-se em desesperado pranto. A moita era de cansanção, erva peluda de grande toxidez.

Muito contrariada, vovó Lúcia, sem poder conter a revolta, resmungava dizendo não aceitar a existência da “planta maldita” e de outras coisas nocivas. No seu entender, houve uma perversão da natureza por um cochilo de Deus.

Seu Dadá, o encarregado da limpeza do sítio, em tom conciliador, tentava convencê-la de que tudo na natureza é obra de Deus, tem sua função, é necessário, só precisa o homem descobrir sua utilidade.

No dia seguinte, a zelosa senhora ordenou que fossem arrancados e queimados todos os pés de cansanção, urtiga, tamearana e de qualquer outra erva que provocasse reações cutâneas dolorosas. Em sua propriedade, jamais subsistiriam plantas daquele tipo. Era uma determinação.

Em pouco tempo, o jardim e a horta da vovó Lúcia estavam sendo dizimados por cotias e coelhos silváticos vindos da mata contígua.

De nada valeram iscas envenenadas, armadilhas, cercas de estacas protegidas com tapumes de palhas de coqueiro. Os roedores destruíam, principalmente, as plantações de batata e de cenoura.

Seu Dadá, profundo conhecedor da sabedoria popular, chamou a si a responsabilidade de combater a praga e pediu licença para resolver o problema a seu modo.

Em quatro meses, horta e jardim voltaram a exibir a exuberância das flores e das verduras, propiciando fartas colheitas.

Chamado a explicar o “milagre”, seu Dadá justificou:

- A natureza não erra, ela não pode ser ofendida, precisa ser respeitada. O homem não deve “matar” o que Deus fez, basta deixar no lugar certo.

Intrigada com o discurso do morador, vovó Lúcia replicou, cheia de curiosidade:

- Sim, concordo, mas quero saber o que, de fato, foi feito para que os detestáveis bichinhos sumissem.

- A patroa me desculpe, desobedeci à ordem de vossemecê. Do outro lado da cerca, sonde os meninos não vão, fiz uma “cerca viva” de cansanção com sementes que arranjei longe daqui. Os pelos da “planta maldita” queimam e ferem os focinhos dos bichos e eles fogem.

- Muito bem, seu Dadá, agora entendo... O senhor fez ressurgir o que a ciência chama de “equilíbrio ecológico” e que eu, em minha ignorância e prepotência, havia destruído. O senhor é que está certo!  Dou minha mão à palmatória!

O assunto ficou encerrado, entretanto o rústico trabalhador da terra, ferrenho defensor da natureza, cresceu no conceito da vovó Lúcia, que passou a comentar:

- Até quando os homens desconhecerão e desrespeitarão as leis da natureza?  Até quando Deus - a infinita sabedoria  - será desconsiderado por nossa tola presunção?

Responderemos à vovó Lúcia. Malgrado nossa rebeldia, a cada nova encarnação, aprendemos um pouco dos muitos “mistérios” que envolvem a humanidade. A cada nova experiência a que o Espírito se submete no corpo material, ele adquire mais conhecimentos e sobe um degrau na grande escala evolutiva a caminho da perfeição.

Por tudo isso, Jesus asseverou: “Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo”.

Indubitavelmente, a reencarnação é fator imprescindível para o progresso espiritual. 

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita