Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 14)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. Podemos afirmar que o observador da Natureza, onde quer que mergulhe os olhos, aí encontrará vida ou um germe pronto a recebê-la?

Sim. A vida é exuberante no planeta em que vivemos, no qual as formas orgânicas penetram a grandes profundidades, de modo que ninguém pode dizer com segurança qual o ambiente em que a vida se difundiu com maior profusão. De fato, ela repleta os oceanos, das zonas tropicais aos gelos polares, o ar povoa-se de germes invisíveis e o solo é sulcado por miríades de espécies, quer animais, quer vegetais. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

B. Qual a importância do ar na vida dos seres viventes?

Sua importância é absoluta, visto que é por intermédio do ar que se operam essas transformações incessantes, universais, inerentes à vida, e é por esse meio que os elementos podem transitar de um corpo a outro. Tal proposição é tão exata, que os fisiologistas há muito repetem que todo ser vivo é produto do ar organizado. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

C. Existe analogia entre a respiração de homens e animais e as combustões?

Sim. A partir de Lavoisier, sabe-se que a respiração do homem e dos animais é ato análogo às combustões mediante as quais nos aquecemos e aclaramos. A respiração verifica-se sob a influência da vida, enquanto a combustão, propriamente dita, se opera sob a influência de um calor intenso. Um e outro ato têm por fim produzir calor. É o calor desprendido da nossa respiração que entretém no corpo a temperatura a ele pertinente, necessária à mantença da vida. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)


Texto para leitura


283. Esta vida que vemos difundida, em todas as camadas atmosféricas, não é mais que pálida imagem da vida mais compacta que o microscópio nos revela, Os ventos arrebatam, à superfície das águas em evaporação, turbilhões de animálculos invisíveis, imóveis e com todas as aparências de morte; seres que flutuam no ar, até que as orvalhadas os devolvam ao solo nutriz, que lhes dissolve o invólucro e, graças provavelmente ao oxigênio sempre contido na água, comunica-lhes aos órgãos uma nova irritabilidade. Nuvens de microrganismos cruzam as regiões aéreas do Atlântico e carreiam a vida de um a outro continente. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

284. Podemos também acrescentar que, independentemente dessas existências, a atmosfera também contém inumeráveis germes de vida futura, óvulos de insetos e de plantas, que, sustentados por coroas de pelos ou de plumas, garram para as longas peregrinações do Outono. O pólen fecundante que as flores masculinas semeiam nas espécies de sexo extremado, é também, ele próprio, levado pelos ventos e por insetos alados, através de continentes e mares, às plantas femininas que vivem em solidão. Onde quer que o observador da Natureza mergulhe os olhos, aí encontrará vida, ou um germe pronto a recebê-la. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

285. As formas orgânicas penetram no seio da Terra a grandes profundidades, por toda a parte as águas se espalham e infiltram, seja em interstícios formados pela Natureza, ou feitos pela mão do homem, de modo que ninguém poderia dizer com segurança qual o ambiente em que a vida se difundiu com maior profusão. De fato, ela repleta os oceanos, das zonas tropicais aos gelos polares; o ar povoa-se de germes invisíveis e o solo é sulcado por miríades de espécies, quer animais, quer vegetais. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

286. Estes incessantemente procuram dispor, mediante combinações harmoniosas, da matéria bruta do solo, como que tendo a função de preparar e misturar, por virtude de sua energia vital, as substâncias que, após inumeráveis modificações, hão de ser elevadas ao estado de fibras nervosas. Abrangendo no mesmo olhar a camada vegetal que reveste o solo, depara-se-nos em plenitude a vida animal, nutrida e conservada pelas plantas. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

287. Por intermédio do ar é que se operam essas transformações incessantes, universais, e não por outro meio que não esse, os elementos podem transitar de um corpo a outro. Proposição é esta, tão exata, que os fisiologistas há muito repetem que todo ser vivo é produto do ar organizado. Como se opera essa organização? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

288. A partir de Lavoisier, sabemos que a respiração do homem e dos animais é ato análogo às combustões mediante as quais nos aquecemos e aclaramos. Insistamos um tanto neste ponto. A respiração estabelece uma solidariedade universal entre os homens, animais e plantas. Ela é resultante da união do oxigênio com o carbono e o hidrogênio dos alimentos, tanto quanto a combustão resulta da união desse mesmo oxigênio com o hidrogênio e o carbono da vela, da madeira, ou combustível qualquer. A respiração verifica-se sob a influência da vida, enquanto a combustão, propriamente dita, se opera sob a influência de um calor intenso. Um e outro ato têm por fim produzir calor. É o calor desprendido da nossa respiração que entretém no corpo a temperatura de 37 graus, necessária à mantença da vida. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

289. Lavoisier e Lieb demonstraram, há muito tempo, que todo animal é um foco e todo alimento um combustível. Se a respiração não se acompanha, como a combustão, de claridades incandescentes, é por ser uma combustão lenta, menos ativa. Mas, por muito lenta que seja equivale, contudo, à de uma dose assaz forte de carbono. Um homem queima 10 a 12 gramas de carbono por hora, ou 250 por dia, mais ou menos, além de uma certa quantidade de hidrogênio. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

290. Combustão e respiração viciam o ar destruindo-lhe o elemento salutífero – o oxigênio, substituindo-o por um gás mefítico – o ácido carbônico. Esta e outras causas espalham na atmosfera, de maneira constante, esse elemento insalubre. Experiências feitas com o vapor d'água condensado em janelas dos teatros de Paris, patentearam uma combinação particularmente letífera, isto é, que causa morte. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

291. A raça humana retira do ar, anualmente, 160 bilhões de metros cúbicos de oxigênio e os permuta por igual volume de ácido carbônico. A respiração dos animais quadruplica o resultado. Só a hulha que se extrai do solo fornece mais ou menos 100 bilhões de metros cúbicos de ácido carbônico, ao mesmo passo que outros combustíveis aumentam consideravelmente essa cifra. Junte-se-lhe ainda o produto das decomposições e considere-se que, a despeito, esse gás não se encontra no ar atmosférico senão na proporção diminuta de 4 a 5 litros por 100 hectolitros. O ácido carbônico é solúvel n'água, a chuva o dissolve e carreia em suas bátegas, o transporta aos rios, leva-o enfim aos oceanos. Aí, ele une-se à cal e temos o carbonato de cal, as pedras calcárias, mármore, alabastro, ônix, polipeiros etc. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

292. Os vegetais, a seu turno, preenchem, em escala imensa, função inversa à respiração dos animais, essencialíssima à harmonia da Natureza, pois não somente fixa o hidrogênio da água e subtrai da atmosfera o ácido carbônico, como lhe restitui o oxigênio. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

293. A que transformações submetem os vegetais o carbono, o hidrogênio, o azoto, que eles absorvem do ar? É toda uma produção multifária. Conjugando cinco moléculas de carbono e quatro de hidrogênio, a Natureza forma, no citrão e no salgueiro, duas essências que, diversas radicalmente em odorância, provêm da mesma composição. Frequentemente, a Natureza junta a estes dois elementos o oxigênio. Assim é que solda doze moléculas de carbono e dez de hidrogênio e oxigênio, formando, a seu talante, seja a madeira, seja a batata. Outras vezes, seu trabalho é mais complexo e reúne os quatro elementos: carbono, hidrogênio, oxigênio e azoto, originando os mais diferentes produtos, tais como o trigo – precioso alimento – e a estricnina – ativíssimo tóxico. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

294. Como explicar, por exemplo, juntando um equivalente de água à substância característica da madeira, a celulose (C12H10O10), a Natureza nos dê o açúcar? Sínteses maravilhosas, a Natureza as produz silenciosamente, ao influxo da vida! (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

295. O reino vegetal é uma usina imensa. Sob a ação do calor solar, todas as roldanas entram a movimentar-se. A exemplo do mecânico que nutre a sua máquina, a Natureza renova o combustível e os princípios do ar, e estes se transformam em madeira ou amido, em açúcar ou veneno, que constituem a polpa saborosa do fruto, o perfume sutil das flores, o rendilhado das folhas, a coriácea tessitura dos troncos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

296. Os animais nutrem-se dos vegetais, gaseificam, por assim dizer, o ar solidificado e o devolvem à atmosfera, onde ele recomeça o ciclo das transformações que, graças a ele – o ar – agente primaz da vida, elo universal, jamais se interrompem. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

297. A comparação que Liebig[i] foi o primeiro a fazer, da combustão respiratória do animal com a dos combustíveis de uma fornalha, só é exata se fizermos uma ideia material do fogo nesse aparelho. No animal, todo o corpo arde lentamente, o que não se dá com a fornalha, que não arde. Na retorta humana, continente e conteúdo queimam juntos e, assim, é mais justo tomarmos a vela como elemento comparativo. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

298. O calor é o regulador da vida. Descartes antecipara-se aos progressos da experimentação escrevendo este significativo conceito: “Importa não conceber nas máquinas humanas outra alma vegetativa nem sensitiva, nem princípio algum de movimento e vida, além do sangue e seus espíritos, agitados pelo calor do fogo que arde continuamente no seu coração e cuja natureza é idêntica à que inflama os corpos inanimados.” Descartes, como Platão, considerava a alma humana como retirada num santuário, no âmago de nós mesmos, numa espécie de oposição à matéria. A vida e as funções orgânicas dependiam inteiramente do corpo e só o pensamento era atributo do espírito. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

299. Tal é, sumariamente, o papel do ar na Natureza. Assim são os vegetais, habilíssimos físico-químicos, a nos prepararem ao mesmo tempo a alimentação, a respiração, a indumentária, o combustível e os elementos materiais da nossa existência terrestre. Importa, por conseguinte, deixarmos de considerar a Natureza sob um prisma vulgar, para fazê-lo, doravante, com olhos atentos e apercebidos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

300. Quando fixarmos a ervilha tenra que reponta no jardim, não admiraremos apenas o risonho tapete de verdura e a gracilidade das flores que o esmaltam. Elevaremos mais alto o pensamento, imaginaremos que cada um desses rebentos, que vamos pisando, é um benfeitor silencioso, pois, se de um lado contribuímos para embelezá-lo fornecendo-lhe ácido carbônico, sem o qual se estiolaria, por outro lado ele nos dá benevolamente todo o necessário à nossa vida material – e essa harmonia é de uma perfeição sublime, visto que, se umas regiões mergulham, longos meses, nos rigores do Inverno, os ventos não deixam de estabelecer entre esses países deserdados e o nosso uma permuta constante, que reconduz aos nossos bosques e prados o ácido carbônico expirado pelo lapônio e o esquimó, levando-lhes o oxigênio exalado dos milhões de bocas dos nossos vegetais. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

301. Se acompanharmos a elevação gradativa da matéria, haveremos de reconhecer com os fisiologistas em geral, e com Moleschott em particular, o seguinte processo das permutas materiais: o amoníaco, o ácido carbônico, a água e alguns sais, eis toda a série das matérias com as quais a planta constrói o próprio corpo. Albumina e dextrina formam-se à custa destas combinações simples, por efeito de constante dispêndio de oxigênio. Essas duas substâncias dissolvem-se nos sucos da planta, que se tornam por isso mesmo capazes de transportar-se às mais diversas regiões, através das hastes, das folhas, ou dos frutos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

302. Mercê da albumina, engendram-se corpos outros albuminosos, quais a legumina, o glúten e a albumina vegetal coagulada. Estas duas últimas substâncias se depositam, indissolúveis, na semente. Albumina, açúcar e gordura são os materiais construtivos do animal, cujo sangue é um soluto de albumina, gordura, açúcar e sais. Uma absorção mais forte de oxigênio transforma a albumina em fibrina muscular, em elementos redutíveis, cola de cartilagens e ossos, substância dérmica ou pilosa. Estas substâncias aliadas à gordura, aos sais e à água, constituem a totalidade do organismo animal. Tanto quanto a recomposição progressiva, a desassimilação é fenômeno de evolução gradativa. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.) 


 

[i]     Liebig – Chemische Brief, 400.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita