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por Anselmo F. Vasconcelos

 

A confluência do livre-arbítrio e do determinismo

 
Um dos desafios mais complexos para o indivíduo desconhecedor das leis universais é o de entender a razão da existência de provas e expiações acerbas na face da Terra, especialmente quando estas o atingem cabalmente. Como aceitar sem revolta a dor, a penúria, a falta de saúde, de emprego, a supressão de oportunidades, enfim, para uma vida melhor sem tal conhecimento? Como compreender o funcionamento da justiça divina, que aparentemente privilegia uns em detrimentos de outros?

Estas são apenas algumas questões que podem assomar à mente dos que estão em trânsito pelo mundo em duro processo de ajuste cármico. Há obviamente muita opulência no mundo, mas há também miséria e carências de toda ordem. Portanto, é preciso entender por que alguns se saem tão bem enquanto outros, em contraste, só encontram dificuldades e empecilhos pelo caminho. Há uma ordem maior que controla isso tudo e é preciso entendê-la.

Não faz muito tempo, aliás, que assisti a um programa jornalístico no qual se retratava a dolorosa experiência de vida dos nossos irmãos do agreste nordestino. Os repórteres tiveram o cuidado de mostrar pormenorizadamente a precaríssima condição de vida desses brasileiros que vivem sob um calor inclemente, a crônica falta de água e o solo estéril. A pobreza que afeta milhões não poupa nem mesmo os animais que sofrem igualmente. Muitos dos entrevistados, para obter um pouco de água, têm que percorrer quilômetros de distância até alcançar um caminhão-pipa.  

Outros ainda foram forçados a vender o que restava de gado em suas propriedades porque não tinham mais meios de alimentá-los. Quando indagados se não seria melhor partir para outros lugares, mostraram uma resignação admirável. Respondiam não ter alternativa, a não ser esperar pela clemência divina, isto é, a chuva. Cabe destacar que tais dramas humanos estão por toda parte.

A rede de TV americana CNN também exibia até recentemente em seus intervalos de programação, a situação de uma senhora idosa em Raqqa (praticamente destruída pelos bombardeios) na Síria. A mesma pergunta lhe foi feita pela jornalista: “Por que fica aqui?” E a resposta foi contundente: “É onde vivo”, deixando entrever não ter para onde ir mais e nem forças para tal...

Há nos casos acima relatados algo mais do que apenas a penúria e a falta de opções e que precisa ser compreendido. Refiro-me ao determinismo divino que, às vezes, define linhas existenciais muito restritas para o Espírito encarnado. A propósito, o Espírito Emmanuel foi inquirido sobre esse assunto na obra O Consolador (psicografia de Francisco Cândido Xavier), e a sua resposta foi assaz esclarecedora, “[...] Acreditamos, todavia, que o porvir, sem estar rigorosamente determinado, está previsto nas suas linhas gerais”. 

Podemos, então, inferir que, pelo menos em certos casos, não há muito que fazer a não ser aceitar a presente experiência e tudo aquilo que ela engloba de bom e de ruim. É como se o Espírito sentisse muito fortemente dentro de si que ele precisa aceitar o que lhe vem sendo entregue, digamos, pelo destino. Há aparentemente embutido nisto algo que, de certa maneira, lhe agrilhoa a determinada situação, contexto e ambiente. Isso não significa que o indivíduo perdeu o seu livre-arbítrio, pois, como também explorou Allan Kardec, na obra O Livro dos Espíritos (questão nº 843), “[...] Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina”.

Para que não pairasse dúvida a respeito, o Codificador foi mais adiante: “844. Do livre-arbítrio goza o homem desde o seu nascimento? Há liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo [...]”. Desse modo, nada impede que o indivíduo tente novos rumos, mas isso não significa que obterá mudanças expressivas. Quando vemos, por exemplo, a violência que hoje impera especialmente no Rio de Janeiro, nos leva a concluir que a simples mudança de um local para outro não significará necessariamente a obtenção de segurança total.

Dito de outra forma, o determinismo funciona como uma espécie de ímã que atraí o Espírito para certos eventos e palcos que lhe são inescapáveis. Nesse sentido, o livre-arbítrio (vontade) representa o instrumento do qual ele se servirá para enfrentá-los ou não. Como observa Emmanuel na obra citada, “Determinismo e livre-arbítrio coexistem na vida, entrosando-se na estrada dos destinos, para a elevação e redenção dos homens”.

Assim sendo, forçoso reconhecer que há linhas gerais pré-determinadas para o Espírito reencarnante seguir, consoante à vontade de Deus e às suas próprias necessidades evolutivas. Mas a sua liberdade de ação é igualmente preservada, embora ela possa ser relativizada de acordo com o programa a ser cumprido. Como sintetiza ainda Emmanuel (na obra Vinha de Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier), “Cada homem tem o mapa da ordem divina em sua existência, a ser executado com a colaboração do livre-arbítrio, no grande plano da vida eterna”.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita