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por Marcus Braga

 

Virtus in medium est


Ainda que o livro bíblico do Apocalipse assevere: “Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca”, fico com a sabedoria de Aristóteles, que afirma que a virtude está no meio, consoante com outro grande sábio da humanidade, Sidarta Gautama, que pregava na mesma linha.

O fato é que os extremos, em tempos extremos, e de radicalismo a saltar aos olhos, são facas afiadas, e faz-se necessário ouvir o convite da temperança, do comedimento, a busca de um equilíbrio, que seja razoável, e, de forma alguma, omisso. Inclusive nas questões mais filosóficas!

O Espiritismo, atualmente, também tem suas tensões, orbitando entre extremos. E são essas tensões que exploraremos nesse breve artigo, visando trazer alguma reflexão sobre a nossa necessidade de equilíbrio, inclusive no trato das questões mais espiritualizadas.

Ordem e participação: Falamos muito de disciplina, de obedecer, de seguir na casa espírita uma ordem, e quem assim não procede é criticado. Por vezes são ordens oriundas supostamente dos próprios Espíritos mentores da casa, e que não podem ser desrespeitadas. Mesclamos disciplina com autodisciplina e buscamos padronizações, formatações, desprezando a essência.

Mas a participação, a opinião dos frequentadores, trabalhadores, assistidos ou sei lá que título transitório a pessoa ostente, é fundamental, como feedback, como mecanismo de pertencimento e como filtro para sopesar verdades únicas e inabaláveis. Afinal, o método de Kardec da universalização das comunicações tinha uma matriz bem democrática.

Material e espiritual: Ouvimos pessoas se dizendo espiritualizadas e, a partir dali, desprezam as questões materiais, os problemas sociais, as auguras do ser humano, se colocando acima do mundo material, tido como inferior, pensando apenas na sua vida após a morte, invocando o velho idealismo filosófico.

Esquecem-se de que estamos aqui encarnados com um propósito e que o instrumento de progresso da divindade é também o próprio ser humano encarnado. Não adianta ser um bom espírita e não buscar ser melhor como cidadão, como profissional, como pai, e toda essa sorte de coisas “mundanas”, que nos serão cobradas pela nossa consciência quando do nosso desencarne. A vida terrena é oportunidade.

Determinismo e livre-arbítrio: A liberdade não é uma grandeza absoluta, em especial, no nosso nível, como Espíritos encarnados, mas oscilamos, na variância da expressão “o meio influencia, mas não determina”, entre maxicompromissos reencarnatórios planejados e responsabilizações por questões da vida encarnada, quase em um revival do conceito de Karma.

Somos livres, mas somos limitados. Somos livres, mas somos jovens, espiritualmente. Temos opções, mas estas se constroem com o que se apresenta. Temos compromissos, mas eles nos escravizam em certa medida, permitindo-nos construir soluções alternativas. Profecias, oráculos e similares só veem do alto da montanha, mas os caminhos são vários, como já ensinava Kardec.

Razão e intuição: Uma parte de nosso ser calcula, pesa, pondera para decidir. Isso é bom, mas lento. Outra parte age de forma impulsiva, mediante informações incompletas. São lados de nossos cérebros, são aspectos de nossa personalidade.

Os Espíritos trazem as asas da razão e da emoção como grandezas que se equilibram. Polos masculinos e femininos no saudoso Dr. Jorge Andréa. Anima e Animus, somos um ser binário, não só no espírito e matéria, mas nessas potencialidades que precisam ser combinadas na medida certa.

Individual e coletivo: Ouvimos nas falas espíritas, na alegoria do quebra-cabeça que o menino monta e no verso tem a imagem de um homem, que precisamos nos melhorar e assim melhoramos o mundo. Uma visão extrema que, se interpretada de certa forma, nos joga no frio casulo de nossa individualidade ermitã.

A evolução é uma questão individual, mas só tem sentido no coletivo. Por isso, encarnamos em uma família, em uma sociedade, em um planeta e crescemos nessa interação com o nosso próximo, um elemento lembrado como de extrema relevância por Jesus.

Como se vê, as posturas extremas são ruins, e no cotidiano é que vamos construindo esse equilíbrio, entendendo, com muita humildade, que estamos ainda no alvorecer de um novo dia e que temos muito, muito ainda a aprender, e que adotar extremismos pode ser se encapsular, de forma tão omissa quanto quem não se posiciona.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita