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por Wilson Garcia 

 
Arnaldo Vieira de Carvalho, Horácio de Carvalho e Cairbar Schutel: O que tem a ver entre si estes três personagens da história brasileira?


Nada os ligaria, em princípio, não fosse um detalhe: Arnaldo Vieira de Carvalho teria dado duas mensagens dias após sua desencarnação e foram ambas recebidas no círculo mediúnico de Cairbar Schutel, em Matão. E Horácio de Carvalho era amigo de Arnaldo, conhecia Cairbar e estudava o hipnotismo e o Espiritismo. Isso tudo os uniu numa apreciação crítica das mensagens atribuídas a Arnaldo, que o Horácio fez e encaminhou, em formato de livro, a Cairbar Schutel. Quase 100 anos depois podemos retomar o fato como uma parte importante da história do Espiritismo no Brasil.

Espiritismo. Análise de duas mensagens atribuídas a Arnaldo Vieira de Carvalho – livro de exemplar único, em escrita manual, datado de 1920, de autoria de Horácio de Carvalho, dedicado a Cairbar Schutel com a seguinte mensagem: “Ao prezado amigo e ilustre jornalista espírita, homenagem de Horácio de Carvalho”. Contém a análise, feita por Horácio, de duas mensagens recebidas mediunicamente no grupo de Cairbar Schutel em Matão, assinadas por Arnaldo Vieira de Carvalho, a primeira delas dois dias após a desencarnação do conhecido médico em São Paulo, e a segunda, sete dias após. Foi o próprio Cairbar quem as enviou a Horácio, mas é preciso dizer que este não tinha nenhum parentesco com Arnaldo, sendo tão somente seu amigo antigo, apesar do sobrenome igual. No entanto, Horácio era conhecedor do Espiritismo e acompanhava o que se passava tanto no Brasil quanto na Europa acerca do hipnotismo e da doutrina estruturada por Kardec. Além disso, era jornalista, poeta e uma voz influente da intelectualidade radicada na capital paulista, além de amigo do celebrado médico por cerca de 30 anos. Sem dúvida, foi por todas essas características que Cairbar desejou submeter-lhe as duas mensagens, a fim de obter um parecer seguro sobre a origem delas, bem como das possibilidades de haverem sido, de fato, escritas pelo autor mencionado. Arnaldo Vieira de Carvalho, médico influente e de grande conceito, que hoje dá nome a uma das avenidas mais importantes da capital paulista, faleceu no dia 5 de junho de 1920 e era materialista. Por incrível que possa parecer, a causa da morte precoce de Arnaldo, pois se deu quando tinha apenas 53 anos de idade, teve início em uma simples dor de garganta. Foi ele o fundador da Escola de Medicina e seu diretor, como também da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e de outras iniciativas semelhantes. Nasceu na cidade de Santos.

A história é a seguinte: assim que a notícia da morte de Arnaldo Vieira de Carvalho chegou a Matão, Cairbar teve a ideia de evocar o Espírito do médico na busca de informações sobre suas condições espirituais, bem como desejando prestar-lhe algum tipo de apoio espiritual caso fosse necessário. Dessa forma, dois dias após, em 7 de junho de 1920, teria um médium do grupo recebido a primeira de duas mensagens assinadas pelo recém-falecido. Ato seguinte, por carta, Cairbar envia o original da mensagem a Horácio de Carvalho e, sem declinar o nome do médium, informa que este não conhecia o médico senão de nome. Horácio recebe a mensagem, lê, copia e envia o original de volta a Cairbar, com um cartão em que solicita informações sobre o médium, a fim de poder se orientar na análise. Desejava saber das condições intelectuais do médium, entre outras coisas, e dizia que estava certo de que, se era de fato o Arnaldo Vieira de Carvalho o autor da mensagem, ele voltaria em breve e “faria coisa melhor”. Ao final, solicitava que tais informações não chegassem ao médium para não o influenciar no caso de vir a receber outras mensagens do mesmo Espírito.

Carca de 5 dias depois, em carta datada de 12 de junho, Cairbar envia a segunda mensagem a Horácio, sem nada esclarecer a respeito do médium. No dia 18 de junho, Horácio prepara a carta a Cairbar com a análise das duas mensagens, baseada em 4 partes: “dificuldades de identificação nas condições em que me foi ela proposta; análise gráfica das duas mensagens; análise psíquica das mesmas; conclusão”. É um trabalho sério e interessante pelo método aplicado, feito por alguém que tinha bom conhecimento do assunto. No dia 21 de junho, quando a análise já havia sido praticamente concluída, Horácio recebe de Cairbar as notícias sobre o médium, que havia anteriormente solicitado, contendo estas explicações: “O médium tem alguma instrução, conhece regularmente o Espiritismo, sabe um pouco de medicina, só tem relações sociais limitadas ao meio espírita e que não conhece o morto nem mesmo através de seus escritos”. Primeiro, Horácio lamenta que não tenha sido esclarecido se o médium tivera conhecimento da resposta que enviara a Cairbar, pois não desejava que isso ocorresse para não o influenciar, conforme alertara. Após, desconfiado, diz: “Há em mim um estranho pensamento que insiste agora em me afirmar que esse médium é o senhor (o grifo é do autor). Se eu tivesse certeza disso não continuaria com essa análise, de receio de lhe ser desagradável”. Imagino que Cairbar tenha dado um leve sorriso ao receber a análise, caso o médium fosse de fato ele mesmo, e a possibilidade de que isso seja verdade é bastante grande, afinal, como farmacêutico prático, Cairbar haveria de ter conhecimentos razoáveis de medicina e não se sabe de ninguém de seu círculo mediúnico que tivesse tais conhecimentos. Ao expor sua desconfiança, Horácio demonstra que conhecia Cairbar, bem como suas atividades profissionais e que o respeitava muito.

Na primeira parte da análise, Horácio assinala nas duas mensagens os trechos em que a personalidade do autor espiritual poderia ser identificada, comparando-as com seu estilo enquanto vivo. Na segunda, sua abordagem centra-se na compreensão da mente do autor espiritual e de quando estava no corpo físico, identificando algumas passagens que poderiam confirmar que era ele, de fato, mas apontando outras que contrariam essa hipótese ou que conduzem à conclusão de que o médium poderia facilmente haver escrito de si mesmo, ou seja, animicamente. Na terceira, fala do homem e suas crenças, seus limites culturais em que se submete à ciência materialista e compara tudo isso com o que está escrito nas duas mensagens, já deixando claro aí a sua opinião de que nada nelas poderia ser utilizado a favor da confirmação de que o seu autor fora de fato Arnaldo Vieira de Carvalho. Finalmente, na conclusão junta outros dados depois de esclarecer que “faltam elementos para que se possa afirmar que as duas mensagens tenham vindo da individualidade do Arnaldo”.

Destaque-se que Horácio é extremamente cuidadoso nessas conclusões, como de resto em todo o texto. É franco sem ser rústico. Vejamos este trecho ainda da conclusão: “Assim sendo, nem temos o direito de, feridos em nosso orgulho, apelar para um caso de mistificação. Não! – De boa-fé, distraído, todo entregue à atenção expectante, o médium foi imperceptivelmente iludido por si mesmo, isto é, pelo seu inconsciente, pela sua secreta e profunda consciência, a atuar fora e independentemente da sua consciência normal, de uma consciência que preside a todos os momentos da nossa vida”.

Horácio lamenta que o autor espiritual não apresente nenhum indício de suas preocupações de há pouco, quando ainda residia no corpo físico, e a respeito delas não oferecesse nada, absolutamente nada. Eis como se refere: “Por que não disse ele duas palavras sobre o Instituto do Radium, por cuja fundação se batia na imprensa quase que diariamente? Por que procedeu ele da mesma forma em relação à Faculdade de Medicina, de que era diretor e de que foi um dos fundadores?”. Horácio tinha diante de si razões fortes a justificar os questionamentos, afinal, as duas mensagens surgiram de circunstâncias distintas: a primeira foi resultado de uma evocação feita e a segunda teria ocorrido espontaneamente. Nesta última, preferencialmente, poderia dar indícios, como os assinalados, de sua personalidade ainda preocupada com os acontecimentos e as aspirações que o envolviam não muitos dias atrás, que deveriam continuar presentes em sua mente recém-liberta da matéria densa.

Por interessante e mesmo correndo o risco de desagradar ao autor, se é que ele ainda está preocupado com este livrinho inédito, devo referir-me ao fato de que, ao final da conclusão, ele solicita a Cairbar para não o publicar, dando por desculpa o receio de expor o amigo recém-desencarnado ao ridículo com as corrigendas que fez sobre o estilo literário dele quando vivo, o que poderia desagradar a familiares e amigos. Pede mais, que Cairbar não veja nas suas palavras nada contra o Espiritismo, uma vez que aprendeu com a doutrina a ter cuidado com tudo o que vem em seu nome.

A última menção feita por Horácio de Carvalho consta de uma nota post-scriptum, em que diz: “segue conjuntamente a comunicação do seu primo, sobre a qual nada posso dizer nem a favor nem contra”. Não está claro quem é o primo, se de Cairbar ou de Arnaldo. O texto original está em minhas mãos, muito desgastado pelo tempo decorrido, quase 100 anos, cuja assinatura não me é possível identificar. Trata-se, porém, de uma mensagem de conteúdo não destinado propriamente à identificação, senão, talvez, para Cairbar ou alguém do seu círculo, e por isso não tenha interessado a Horácio Carvalho.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita