Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 6)

Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.

Questões preliminares


A. Qual o silogismo aplicado ao seu método pelos materialistas, segundo o qual a ideia de Deus é uma concepção absurda?

Eis o silogismo que se baseia em uma tese não comprovada experimentalmente e que, no entanto, foi erigida em princípio pelos defensores do ateísmo:

Premissa maior – A força é uma propriedade da matéria.

Menor – Portanto, uma propriedade da matéria não pode ser considerada superior, criadora ou organizadora dessa matéria.

Conclusão – Logo, a ideia de Deus é uma concepção absurda. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

B. Qual o vício fundamental do silogismo adotado pelos materialistas?

Adotar como princípio – “A força é uma propriedade da matéria” – uma simples tese, não submetida à comprovação dentro dos rigores e dos parâmetros do método científico. Se a premissa maior é falsa, a conclusão é evidentemente falsa. É isso que afirma Flammarion, como ele se propõe a demonstrar na sequência de sua exposição. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

C. Contrariamente à premissa adotada pelos materialistas, qual é a proposição formulada por Flammarion?

Diz Flammarion que não é a matéria que domina a força, mas, sim, a força que domina a matéria. O panorama geral do Universo vai oferecer-nos demonstração da soberania da força e, portanto, da ilusão dos materialistas. Da matéria, nos elevamos às forças que a dirigem; destas, às leis que as governam, e destas, ainda, ao seu misterioso autor. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)


Texto para leitura


114. Newton não se cansava de repetir: “parece-nos...”, e Kepler dizia: “submeto-vos estas hipóteses...”. Aqueles outros, porém dizem: afirmo, nego, aquilo não é, a Ciência julgou, condenou – embora no que dizem não haja sombra de argumento científico. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

115. Um tal método pode ter o merecimento da clareza, mas ninguém o inquinará de modesto, nem de verdadeiramente científico. É que tais senhores têm a ousadia de imputar à Ciência a carga pesada das suas próprias heresias. Se a Ciência vos ouvisse, senhores, se a Ciência vos ouve, não pode deixar de sorrir das vossas ilusões. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

116. A Ciência, dizeis, afirma, nega, ordena, proíbe... Pobre Ciência, em cujos lábios pondes grandes frases, atribuindo-lhe ao coração um descomunal orgulho. Não, meus senhores, e vós bem o sabeis que, nestes domínios, a Ciência nada afirma, nem nega, porque apenas procura. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

117. Se, da questão da força, em geral, passarmos à da alma, observaremos que, na esfera da vida animal, ou humana, os adversários não vacilam em afirmar, igualmente sem provas, que não existe personalidade no ser vivente e pensante; que o espírito, como a vida, mais não é que o resultado físico de certos grupamentos atômicos e que a matéria governa o homem tão exclusivamente quanto, a seu ver, governa os astros e os cristais. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

118. O fenômeno mais curioso é o de imaginarem que aclaram o problema com as suas explicações obscuras: – “O espírito, diz o Dr. Hermann Scheffler[i], outra coisa não é senão uma força da matéria, imediatamente resultante da atividade nervosa”. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

119. Mas... de onde provém essa atividade nervosa? – Do éter (?) em movimento nos nervos. De sorte que, os atos do espírito são o produto imediato do movimento nervoso, determinado pelo éter, ou do movimento deste nos nervos – ao qual importa ajuntar uma variação mecânica, física ou química, da substância imponderável dos nervos e de outros elementos orgânicos. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

120. Virchow diz que “a vida não é mais que modalidade particular da mecânica” e Büchner afirma que “o homem não passa de produto material; que não pode ser o que os moralistas pintam; que não tem faculdade alguma privilegiada”. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

121. Há em todos os nervos uma corrente elétrica – predica Dubois-Reymond – e o pensamento mais não é que movimento da matéria. Para Vogt, as faculdades da alma valem como funções da substância cerebral e estão para o cérebro como a urina para os rins[ii]. E Moleschott assegura que a consciência, a noção de si mesmo, mais não é que movimentos materiais, ligada a correntes neuroelétricas e percebidas pelo cérebro. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

122. Admiremos, sobretudo, a conclusão fundamental: “E aí temos nós por que os sábios definem a força uma simples propriedade da matéria. Qual a consequência geral e filosófica desta noção tão simples quanto natural? É que aqueles que falam de uma força criadora, tendo de si mesma originado o mundo, ignoram o primeiro e mais simples princípio do estudo da Natureza, baseados na Filosofia e no empirismo.” (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

123. E acrescentam: – “qual o homem instruído, com um conhecimento mesmo superficial das ciências naturais, capaz de duvidar não seja o mundo governado como geralmente se afirma, e sim que os movimentos da matéria estão submetidos a uma necessidade absoluta e inerente à própria matéria?“ (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

124. Assim, pela só autoridade de alguns alemães, que vêm ingenuamente declarar não admitirem, seja como for, a existência de Deus e da alma, agarrando-se embora a uma sombra de noção científica por justificar as suas fantasias, teríamos nós, ao seu ver, de abjurar a Ciência, ou deixar de crer em Deus. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

125. Tivessem tido apenas a precaução de aplicar as regras do silogismo ao seu método; tivessem tido o cuidado de propor, primeiramente, as premissas irrefutáveis e não tirar delas senão uma conclusão legítima, e poderíamos acompanhá-los no raciocínio e conferir-lhes um prêmio de retórica. Mas, vede em que consiste o seu processo:

Premissa maior – A força é uma propriedade da matéria.

Menor – Portanto, uma propriedade da matéria não pode ser considerada superior, criadora ou organizadora dessa matéria.

Conclusão – Logo, a ideia de Deus é uma concepção absurda. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

126. É assim que arvoram, antes de tudo, em princípio a tese a discutir. Combatendo cerradamente os métodos do Cristianismo, essa gente muito se assemelha aos que, no intuito de provarem aos romanos a divindade de Jesus, assim começavam: – Jesus é Deus, e desse princípio não provado extraíam todas as deduções. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

127. Convicto estamos de honrar grandemente esses escritores, aplicando aos seus postulados as regras do raciocínio, que eles talvez nunca sonharam seguir. Também poderíamos submeter-lhes as pretensões a uma outra forma mais ingênua, assim:

Antecedente – Matéria e força encontram-se sempre associadas.

Consequente – Logo, a força é uma qualidade da matéria. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

128. Aí temos, penso, um entimema - silogismo em que só há antecedente e consequente - de consequências bem evidentes, pois não? Mas, é assim que os senhores alemães raciocinam, bem como os seus clarividentes imitadores, positivistas da nossa moderna França. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

129. No primeiro caso, o raciocínio peca pela base; e, no segundo, nem mesmo faz jus a esse reproche, porque é uma infantilidade. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

130. Certo, pesa dizê-lo, mas é a essa puerilidade, ou melhor – perversão da faculdade de raciocinar – que se reduz o movimento materialista dos nossos tempos. E nunca, como aqui, vem a pelo a frase do misantropo que dizia não ser o homem um animal pensador, mas falador. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

131. Todo o fundamento desta grande querela, toda a base deste edifício heterogêneo, cujo desmoronamento pode esmagar muitos cérebros sob os escombros; toda a força deste sistema que pretende dominar o mundo, presente e futuro; todo o seu valor e potência repousa nessa assertiva fantasiosa, arbitrária e jamais demonstrada, de ser a força uma propriedade da matéria. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

132. É fingindo acompanhar a rigor as demonstrações científicas e só se apoiar em verdades reconhecidas, e com isso mascarando-se, que os pontífices do ateísmo e do niilismo proclamam as suas belas e edificantes doutrinas. Mas a Ciência não é uma mascarada. A Ciência fala de viseira erguida, não reivindica falsas manobras, nem luzes de falso brilho. Serena e pura na sua majestade, ela se pronuncia simples, modestamente, como entidade consciente do seu valor intrínseco. Nem procura impor-se e, sobretudo, não aventa coisas de que não possa estar segura. Em vez de afirmar ou negar, investiga e prossegue, laboriosamente, no seu mister. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

133. A exposição precedente já deixou adivinhar, sem dúvida, a tática do ateísmo contemporâneo. Ele não é fruto direto do estudo científico, mas procura insinuar-se com essa aparência. Evidente a ilusão, nesses filósofos, pois sabemos que há entre eles uns tantos conceitos sinceros. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

134. É à força de quererem conjugar à Ciência as suas teorias, que acabaram por embutir no cérebro essa união clandestina. Essas teorias não podem invocar a seu favor qualquer das grandes provas científicas da nossa época e, sem embargo, dão-se como resultantes de todo o moderno trabalho científico. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

135. Isso repetem, e é com essa hermenêutica que abusam dos ignorantes e da juventude desprecavida e entusiasta, tendendo a lhes fazer crer que as ciências, à força de progredirem, acabaram por descobrir e demonstrar que não há Deus nem alma. São eles que fazem a Ciência. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

136. Dir-se-ia, em os ouvindo, nada haver além deles. Os grandes homens da antiguidade e da Idade Média, tanto como os modernos, são fantasmas, e toda a Filosofia deve desaparecer diante do ateísmo pretensamente científico. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

137. Preciso se faz que a imaginação popular não se deixe iludir por simples jogo de palavras, que mais valem, às vezes, por verdadeira comédia. Importa que as criaturas pensem por si mesmas, julguem com conhecimento de causa e adquiram a certeza de que os fatos científicos, perquiridos sem prevenção, não comportam as conclusões dogmáticas que lhes querem impor. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

138. Vista de perto, a pedra angular a grande custo lançada pelo materialismo contemporâneo deixa entrever que ela não passa de velho e carcomido tronco de madeira podre e, no fundo, os partidários do sistema não estão mais seguros do seu cepticismo do que o estariam os calvos discípulos de Heráclito ou de Epicuro. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

139. Ainda que queiram convencer-nos do contrário, todo o seu sistema não passa de hipótese, mais vazia e menos fundamentada que muitos romances científicos. E uma vez que são eles próprios a declarar que toda hipótese deve ser banida da Ciência, não há como deixarmos de começar por esse banimento. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

140. Com efeito, com que direito fazem da força atributo da matéria? Com que direito afirmam que a força está submetida à matéria, que lhe obedece passivamente aos caprichos, escrava absoluta de elementos inertes, mortos, indiferentes, cegos? (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

141. Maior e mais fundado é o nosso direito de inverter-lhes a proposição, derrubando-lhes o edifício pela base. Terminemos assim esta exposição do problema, decidindo que a lide se coloca nestes termos fundamentais: é a matéria que domina a força, ou antes a força que domina a matéria? (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

142. Trata-se de discutir e escolher uma ou outra, ou, para falar com mais exatidão – trata-se de observar a Natureza e optar depois. E, pois que os honrados campeões da matéria afirmam, com tanta segurança, o primeiro enunciado, começamos revocando-o em dúvida e propondo a alegação contrária. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)

143. O panorama geral do Universo vai oferecer-nos uma primeira demonstração de soberania da força e da ilusão dos materialistas. Da matéria, nos elevamos às forças que a dirigem; destas, às leis que as governam, e destas, ainda, ao seu misterioso autor. (Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a Matéria.)  (Continua no próximo número.)

 

[i]     Körper und Gelst, etc.

[ii]    Physiologische Briefe.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita