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por Inês Rivera Sernaglia

 
Auxílio e Julgamento

 
No livro Cartas e Crônicas, do Espírito Irmão X – pseudônimo de Humberto de Campos -, psicografado por Francisco Cândido Xavier, encontramos sugestiva página sob o título “A petição de Jesus”, que é um alerta do Cristo a Pedro após retornar do atendimento a um doente, atendendo à solicitação do Mestre. Resumidamente, o texto diz:

... E Jesus, retido por seus deveres, junto da multidão em Cafarnaum, falou a Simão:

- Vai, Pedro! Peço-te! Vai à casa de Jeremias, o curtidor, para ajudar sua filha Sara que, prostrada no leito, tem a cabeça conturbada e o corpo abatido. Ora ao lado dela e o Pai, a quem rogamos apoio, socorrerá a doente por tuas mãos.

Na manhã seguinte, foi o discípulo entusiasmado à casa de Jeremias, retornando ao entardecer com a fisionomia abatida, dizendo:

- Ah, Mestre! Todo esforço em vão!

- Como assim? - perguntou-lhe Jesus.

- A casa de Jeremias é um antro de perdição. A começar por ele, que encontrei embriagando-se com jovem serva. Seu filho mais velho, Zoar, enfurecido por ter perdido dinheiro no jogo, também não soube dizer onde estava a irmã doente. A dona da casa só me mostrou o quarto após espancar uma criança esquelética, por supor que ela lhe havia roubado um figo. E no caminho, passei por José, o filho caçula, que roubava joias de um cofre. Ah, mestre! Que desilusão! Não duvido que se trate de uma doente, mas não parou de articular gestos indecorosos e de pronunciar frases indignas! Não aguentei mais e fugi horrorizado. Senhor, procurei cumprir os seus desejos. Seria justo pronunciar o nome de Deus ali entre vícios e deboches, avareza e obscenidades?

Jesus fixou em Pedro o olhar e falou:

- Pedro, eu conheço Jeremias, sua esposa e seus filhos há muito tempo. Quanto te pedi para ir à casa dele, apenas te pedi para auxiliar.

O homem está acostumado aos próprios problemas e aflições e acaba fechando-se em uma vida medíocre de satisfação dos sentidos físicos, não percebendo as necessidades do seu próximo, resguardando-se numa couraça de indiferença a fim de poupar-se de dores maiores.

Lutamos por títulos, dinheiro, posição social... Depositamos a felicidade na ilusão, na adoração às coisas materiais. E assim, vamos experimentando certa apatia em relação ao bem que podemos edificar, porque nos encarceramos no egocentrismo infeliz.

O individualismo é uma barreira que impede o desenvolvimento das potencialidades da vida, e, endurecidos pela indiferença, afastamo-nos dos que estão ao nosso redor em aflição. “Temei conservar-vos indiferentes quando puderdes ser úteis”, nos alertam os Espíritos iluminados em O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo VIII, o que é corroborado pela resposta dada a Kardec na questão 657 de O Livro dos Espíritos: “Deus lhe pedirá contas do bem que tenhais feito”.

Não nos faltam avisos convocando-nos à observância da nossa participação no mundo, alertando-nos quanto à necessidade de transcender a nós mesmos e desenvolvermos o sentimento de compaixão. É mediante o hábito da compaixão que o homem aprende a sacrificar os sentimentos inferiores e abrir o coração. Se o beneficiado não o valoriza, não o reconhece ou identifica, pouco importa. O essencial é o sentimento de alegria que o benfeitor sente. Expandir esse sentimento é dar significação à vida.

A compaixão está acima da emotividade desequilibrada e vazia. Ela age, enquanto a outra lamenta; ela realiza o socorro, enquanto a outra sente pena. É a virtude que mais nos aproxima dos anjos. É a irmã da caridade. E bem sentida é amor. É o sentimento mais apropriado para dominar o egoísmo, pois nos comove aos sofrimentos dos nossos irmãos, impulsionando-nos a estender-lhes a mão.

Grande, porém, é a compensação quando damos coragem e esperança a um irmão infeliz, porque estamos todos mergulhados em regime de interdependência de uns para com os outros. E considerando que tudo está ligado a tudo e todos os seres estão conectados entre si, então o sofrimento do próximo é o nosso sofrimento, e a felicidade do próximo é a nossa própria felicidade.

Quantas são as vezes que nos preocupamos mais com o reconhecimento e com a gratidão do que com nosso ato? E quantas são as vezes em que julgamos a quem estendemos a mão?

Jesus nos convida ao trabalho porque essa é a nossa herança na jornada evolutiva. Se queremos um mundo melhor para nossa próxima existência, e se queremos um mundo melhor para nossos filhos e netos, o que estamos fazendo para isso?

Somente a compaixão garantirá a felicidade à Terra, fazendo finalmente reinar a concórdia, a paz e o amor. Assim nos ensina o capítulo VIII de O Evangelho segundo o Espiritismo. O fato é que podemos fazer muito mais do que estamos fazendo, pois não se conhece nenhuma conquista que chegue ao espírito sem estar apoiada na prática.

Excelência da compaixão é viver impregnado pelo amor do Cristo, sabendo que “amor é devotamento; devotamento é olvido de si mesmo e esse olvido, essa abnegação em favor dos necessitados é a virtude por excelência, a que Jesus praticou por toda sua vida”, conforme assevera Emmanuel no livro Encontro Marcado, lição 45.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita