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por Felinto Elízio D. Campelo

A borboleta e o colibri

Nos jardins de suntuoso palácio, vagueando entre a exuberante floração, uma vaidosa borboleta fazia-se admirada pela policromia
de suas asas.
Contornava a vegetação com graciosas evoluções coreográficas, pou-sava delicadamente nas flores, e, entre sorrisos e piscar de olhos, bor-boleta e flores trocavam galanteios, faziam confidências.
De súbito, célere qual um raio, um colibri penetra o vergel. Apressurado, visita cada uma das flores e, sem rodeios, sem lhes tocar a corola, sorve-lhes o néctar, para, em seguida, alçar-se vertiginosamente ao espaço.
Agastada por ver que, momentaneamente, as atenções prenderam-se ao ágil pássaro, a enciumada borboleta comentou lamuriosa:
- Veja só, meu amigo lírio, que animal insolente! Chega de forma inesperada, não cumprimenta ninguém e, como um bólido, desaparece. Eu a todas toco gentilmente, demoro-me em colóquios amistosos.
- Não se aborreça, querida falena. Conciliatório, falou o lírio: - os beija-flores são assim mesmo, açodados, insociáveis, têm muitos afazeres e precisam ser velozes para sobreviverem. São operários de Deus, cumprem sua tarefa no grande concerto da natureza.
- Nada disso, retrucou com enfado a borboleta, aquela desprezível avezinha furta o mel sem oferecer ne-nhuma retribuição. Eu, sim, colaboro com a natureza-mãe. Ao meu contato processa-se a polinização das flores e a reprodução das espécies. Eu é que sou uma obreira do Senhor.
A papoula também se fez presente ao diálogo, argumentando com bondade:
- Tudo o que existe é criação divina, guarda a sua importância, é útil à vida. Ocorre, porém, que, às vezes, ainda não foi descoberta a serventia de determinada coisa. O colibri não é diferente, presta-nos um inestimável serviço de amor. Bebendo nosso néctar, ele retira o excesso acumulado, procedendo a uma higienização indispensável.
Nesse instante, ouviram-se gritos de susto e indignação. A borboleta havia sido capturada por um colecionador. Em segundos, mãos há-beis espetavam-na e prendiam-na a uma prancheta. Nos estertores dos últimos momentos, olhou com tris-teza para suas queridas flores e, soluçante de dor e de saudade, exclamou:
- Meu Deus, se eu fosse tão rápida quanto um beija-flor, não estaria agora me despedindo do meu paraíso florido.
Horas depois, a alma da borboleta transpunha o pórtico de um plano espiritual de brilhante claridade que a fez supor estar no céu. Atendida por um venerando preposto do Senhor, rogou humilde:
- Anjo, permite-me a entrada no Augusto Solar de Deus, para que possa repousar e refazer-me dos sofrimentos suportados em minha última romagem no mundo e, depois, voltar à Terra. Desejei muito conhecer outras paragens, conviver com novas flores; o mundo é grande e eu só pude perlustrar aquele parque e suas adjacências. A morte me colheu cedo. Quero renascer beija-flor, veloz como o relâmpago, inatingível pelos inimigos.
Com um sorriso acolhedor, o anjo respondeu:
- As portas estão abertas, entra. Bem-aventurada sejas por teres vencido o despeito, a arrogância e a inveja. Todos os seres, para alcançarem a perfeição, precisam expe-rimentar as mais diversas formas e condições de vida. Tua petição será atendida, voltarás encarnada num alegre colibri.
Assim também são os homens: invejam, criticam, difamam os seus semelhantes. Usurpam até, quando podem, os haveres dos irmãos incautos, copiam descaradamente os costumes que outrora renegaram rudemente.
Quantas reencarnações hão de necessitar através dos milênios para purgarem seus pecados, limparem-se de um passado ignominioso?

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita