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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 50 - 6 de Abril de 2008

RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br

Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

Caim e Abel: procurando entender a alegoria

Em artigo nosso, denominado Adão e Eva, publicado na edição de outubro de 2004 da Revista Internacional de Espiritismo, procuramos mostrar que o mito do casal primevo pode ser visto como uma alegoria onde o experimentar do fruto da árvore da ciência do bem e do mal e a conseqüente expulsão do paraíso representam o ingresso da alma no reino hominal, com a conquista da consciência plena, ao passo que o degredo de Caim para uma terra distante, onde se casa e constrói uma cidade, significa o alvorecer da civilização, possível com a chegada ao nosso orbe dos Espíritos que Kardec denominou em conjunto de raça Adâmica. No presente artigo, nos deteremos na história de Caim e Abel. 

O mais curioso no relato bíblico é que ele não dá nenhuma pista sobre o porquê de Deus ter aceitado a oferta de Abel, fruto das “primícias do... rebanho” e “da gordura deste” e ter recusado a oferenda de Caim, proveniente “do fruto da terra”. Alguns estudiosos especulam que Caim não teria oferecido o melhor da sua colheita ou que teria feito sua oferta de má vontade, só por obrigação, sendo tal a causa da preferência de Deus. Daí parte para explicar que Caim teria matado Abel por ciúme e despeito. É importante, entretanto, enfatizar que nada disso consta do relato bíblico. Necessitamos, pois, de uma chave especial para decodificar o significado oculto. Usemos, pois, a chave que nos fornece a Doutrina Espírita. 

A Doutrina Espírita nos ensina que a Justiça Divina é perfeita, não havendo nela, portanto, espaço para privilégios ou preferências. Por mais simples que seja a oferenda de alguém aos olhos dos homens, Deus sabe que esse alguém está oferecendo aquilo que sua condição e seu estado evolutivo lhe permitem. Que outra coisa poderia Caim oferecer que não o fruto da terra, o produto de seu trabalho? O que é avaliado por Deus é a nossa intenção e não o lado material da oferenda que temos a dar. Ora, se Deus não pode ter externado qualquer preferência a Abel sobre Caim, não resta qualquer razão para este ter matado aquele. Como poderemos, então, interpretar a história de Caim e Abel?

Propomos ao leitor um aprofundamento na questão, explorando as informações que são dadas sobre os dois irmãos. Estudar, estudar sempre e tudo submeter aos critérios da razão e do bom senso, eis o método que o Codificador nos ensinou. Como o relato bíblico diz que Abel era pastor de ovelhas e Caim, lavrador, iniciaremos estudando como se deu o surgimento do pastoreio e da agricultura.  

Ambos surgiram entre 10 e 12 mil anos atrás, em substituição ao modo de vida caçador-coletor, dos nossos ancestrais mais primitivos. O pastoreio foi uma suave evolução. A necessidade de deslocamento dos rebanhos em busca de água e pasto tornava a atividade, por um lado, cansativa e perigosa, mas, por outro, estável no tempo, sem a introdução de quaisquer novidades tecnológicas ou de comportamento social. Os pastores formavam comunidades pequenas, onde o trabalho e os conseqüentes ganhos eram compartilhados, havendo um mínimo de especialização e sendo desconhecida a estratificação social. Em função da necessidade de movimentação, havia poucas crianças nos grupos. A religiosidade era simples, sem templos nem sacerdócio organizado. A hierarquia, por fim, era reduzida, o mais das vezes, à existência de um único líder, geralmente o mais hábil em encontrar as soluções de que a comunidade necessitava. 

Nesse modo de vida simples, que ainda pode ser conhecido em lugares remotos da Ásia e da África, não havia acumulação de riquezas, o que tornava a criminalidade pequena. Podendo tais comunidades deslocar-se livremente, sempre que as circunstâncias o exigissem, elas não eram fortemente sujeitas às variações climáticas, podendo buscar seu sustento onde quer que ele estivesse disponível. Assim sendo, pode-se dizer que elas desconheciam a escassez.  

A agricultura sedentária, surgida, como vimos, à mesma época que o pastoreio, representou, ao contrário daquele, uma ruptura radical com o modo de vida caçador-coletor, uma verdadeira revolução. O novo modo de vida apresentou inúmeras vantagens, fazendo surgir oportunidades jamais pensadas. As comunidades cresceram, se organizaram, se diversificaram as especializações, desenvolveram-se as ciências e as artes, riquezas se acumularam, surgiram as hierarquias sociais, as grandes obras, os governos, as religiões organizadas, os exércitos, as guerras e os impérios. Infelizmente, junto a um mundo de notáveis conquistas, vieram também as mazelas decorrentes, como a superpopulação, a insalubridade e as conseqüentes doenças, a violência e os abusos de poder, a religião se afastando cada vez mais do seu objetivo espiritual e tomando a mesma feição do poder temporal. Por ironia, quanto mais poderoso o homem, enquanto comunidade, se tornava, menos livre ele, enquanto indivíduo, se sentia, por muitas vezes, até os tempos de hoje, tendo expressado de vários modos sua profunda saudade do modo de vida simples que havia abandonado. 

No início e por algum tempo após, houve convivência pacífica entre pastores e agricultores, com troca de mercadorias entre ambos. No entanto, aos poucos, o crescimento das áreas dedicadas à agricultura, o surgimento de soluções sedentárias para criação de animais e o estabelecimento de cidades, estados e impérios, foram fazendo com que as comunidades de pastoreio se afastassem para as terras mais remotas, onde podiam continuar seus livres deslocamentos sem se submeterem às regras das comunidades agrícolas largamente dominantes e ao poder de seus governantes. Com o tempo, a relação entre as comunidades nômades e as sedentárias degenerou o comércio proveitoso dando lugar ao pequeno furto, à rejeição mútua e ao preconceito. 

Segundo a maioria dos estudiosos bíblicos, no Livro da Gênese co-existem duas versões, a Javista, escrita em Judá, cerca de 1.000 anos antes de Cristo e a Sacerdotal, escrita aproximadamente 500 anos mais tarde, durante o cativeiro dos judeus na Babilônia. Em ambas as épocas, a civilização já estava estabelecida naquela região e em vários outros cantos do mundo. Logo, as duas versões foram escritas por pessoas pertencentes a comunidades cujo modo de vida era baseado na agricultura sedentária e não no pastoreio. Como vimos, lavradores tinham muitos problemas, pastores não. Como, na religiosidade da época, problemas significavam que Deus não estava contente, parece-nos ficar clara, nesse estágio de nosso estudo, a representação alegórica em que Deus se diz contente com a oferta do pastor e descontente com a do lavrador. 

Os pastores, nômades que eram, foram sendo afastados para locais remotos não só porque as comunidades sedentárias não mais deles precisavam, como por ser seu modo de vida incompatível com as regras sociais e as estruturas de poder que aqueles haviam estabelecido. Não havia, portanto, um ponto de reencontro entre os dois modos de vida. Assim, nos parece válido concluir ser esse o significado da alegoria que apresenta Caim, o lavrador, matando Abel, o pastor. Quando o ser humano deseja muito alguma coisa, mas sabe que jamais a irá conseguir, é normal que ele a “mate” em sua mente, pois pensar nela somente lhe trará angústia e sofrimento. Essa “morte”, entretanto, não precisa ser a eliminação física do objeto desejado, podendo, antes, ser a sua substituição por uma idealização, uma esperança, um mito, algo sabido impossível, mas ao qual se possa dar a aparência que se deseje. Foi assim, possivelmente, que a humanidade fez com o pastoreio. O que lhe dava saudade naquele modo de vida, do qual se havia afastado para sempre, era a liberdade que o mesmo propiciava, mas agora ele tinha as artes, a filosofia e os mitos das religiões à sua disposição. E foi nas expressões dessas conquistas do saber que ele encontrou o alívio que necessitava... como ocorreu quando o mito de Caim e Abel foi escrito. 


Bibliografia:

COSTA, Renato. Adão e Eva. In: Revista Internacional de Espiritismo, Outubro de 2004.

PINTO, Hélio da Silveira. Já Estava Escrito. 2. ed. São Paulo: ARC Editora, 2003.

Agricultural Revolution. Student Module. Washington University. Obtido de http://www.wsu.edu/gened/learn-modules/top_agrev/agrev-index.html em 31 de julho de 2004.

A Bíblia Sagrada. Versão de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada. Obtido de http://www.bibliaonline.org em 22 de julho de 2004.
 


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